por Luiz Arnaldo
Para todas e todos que lutam contra a barbárie capitalista a edição Belém do Fórum Social Mundial foi uma boa notícia. Podemos dizer que o FSM recuperou sua relevância política – que estava seriamente ameaçada após o fiasco do último encontro, em Nairóbi – enquanto a maior convergência, em escala planetária, das forças que combatem a atual ordem mundial e de um centro de discussão das idéias que fazem avançar esta luta. Ao mesmo tempo demonstrou as limitações práticas do “movimento dos movimentos’ e relançou a necessidade de sua reorganização.
Para o êxito do último FSM concorreram acertadas decisões tomadas anteriormente, como a realização do Dia de Ação Global (janeiro de 2008) e a própria definição da capital paraense, como sede do evento. O dia de luta mundial – mesmo com suas debilidades – reforçou a idéia de que o Fórum Social Mundial não é apenas um evento que ocorre bi-anualmente, mas sim uma vasta articulação que busca associar debate de idéias com ações comuns. Já a decisão de realizar um Fórum na Amazônia no momento em que se torna evidente a hecatombe climática e crescem as demandas por justiça ambiental, revestiu o encontro de uma simbologia positiva, reforçando a idéia de um FSM atuante, presente nos cenários mais importantes da luta contra o capital. Mas a decisão por Belém foi também relevante por permitir maior visibilidade dos processos de transformação social em marcha na América Latina, sobretudo, nos países pan-amazônicos como Bolívia, Equador e Venezuela. Por último cabe destacar que realização do FSM, em Belém, facilitou em muito o processo de rearticulação de diversos movimentos, particularmente do Fórum Social Pan-Amazônico que logrou realizar cinco Encontros Preparatórios Sem- Fronteiras (com a participação de comunidades, organizações e entidades de Brasil, Guiana Francesa, Colômbia, Peru, Venezuela e Bolívia) e realizou uma expressiva Assembléia Pan-Amazônica, no último dia do Fórum.
O FSM de Belém teve uma ineludível – como era da intenção de seus organizadores – marca pan-amazônica, refletida no grande número de delegados indígenas e quilombolas brasileiros e na expressiva presença da delegação dos povos andinos. Esta edição do FSM também ficou marcada pelos dois encontros com os presidentes de Equador, Venezuela, Bolívia e Paraguai ( Lula participou somente da segunda reunião). Igualmente merece destaque a solidariedade para com o povo palestino e a atuação da tenda dos Povos Sem-Estado, agradável surpresa deste Fórum. Nas próximas linhas iremos nos deter mais detidamente sobre cada um destes momentos/eventos que, ao nosso ver, marcaram o FSM – Amazônia 2009.
ENFRENTANDO A CRISE
Ao contrário dos indígenas brasileiros – dedicados a marcar suas exigências com relação à terra, saúde e educação- e dos quilombolas que privilegiaram a sua articulação interna, a delegação andina, capitaneada pela CAOI – Coordenação Andina de Organizações Indígenas dedicou-se a intervir no debate sobre a crise mundial, trazendo à baila sua visão de Crise de Civilização e seus conceitos/propostas de Descolonização, Estados Plurinacionais e Bem Viver. No conjunto trata-se de uma concepção que trata a crise atual como uma crise do modelo civilizatório ocidental, rejeita igualmente o capitalismo e soluções derivadas do materialismo – histórico e dialético – como produções europeizantes e etnocêntricas e propõe como elementos fundamentais para se enfrentar o momento atual, a recuperação da relação sagrada entre o Homem e a Natureza, a postulação dos Estados Plurinacionais – vistos não somente como uma solução para os Estados nacionais onde convivem diversas nações, como a Bolívia, Equador, Brasil, etc., mas como uma nova relação entre as comunidades com a abolição do que chamamos de poder central (algo no rumo da Federação dos Lugares, preconizada por Milton Santos) e na crítica à noção de desenvolvimento, visto como um mal, que deveria ser substituído pela idéia do Bem Viver que estabelece limites ao desenvolvimento das forças produtivas e aos padrões de consumo atualmente vigentes.
No decorrer dos debates foi visível a aproximação entre esta visão e outras concepções – sem prejuízo da demarcação de diversas divergências – apresentadas por movimentos centrados na Justiça Ambiental, Pan-Amazônia e os Direitos dos Povos Sem-Estado. Esta aproximação teve como base concreta não somente a defesa dos direitos
e do protagonismo político dos povos originais mas também na crítica ao modelo de desenvolvimento vigente em quase todos os países do mundo. Um exemplo disto foi a tensão em relação à proposta de construção da hidrelétrica de Belo Monte, exaltada em verso e prosa (com direito à maquete, panfletos e cartazes ufanistas) pela Federação Nacional de Urbanitários, filiada à CUT e duramente criticada pelos povos indígenas e seus aliados. Desta aproximação emergiu também a constatação de que o direito aos territórios ancestrais, identidade cultural e autonomia (nos marcos do estado nacional) dos povos originais e afro-descendentes, a constituição de estados plurinacionais, onde isto for uma exigência histórica (várias nações e um só estado), a radicalização da democracia pela via da participação popular, a conceituação das riquezas naturais como bens comuns, a defesa e adoção de matrizes energéticas renováveis e não poluidoras, a geração de emprego e renda sem ser às custas da natureza e do bom viver são itens indispensáveis de um programa socialista que se proponha a enfrentar a crise capitalista.
Aliás, vale dizer que sem este programa será impossível ir além das posturas keynesianas e defensivistas que procuram limitar o enfrentamento da crise à garantia do emprego e quando muito do salário. Sem este programa não será possível para a luta socialista passar à ofensiva em escala mundial.
O PSOL E OS ENCONTROS COM OS PRESIDENTES
Outro fato positivo do último FSM foi a presença dos chefes de estado da Bolívia, Venezuela, Equador e, Paraguai (o caso de Lula merece ser tratado em separado), eleitos com apoio de milhões de lutadores sociais. De cara, tal presença serviu para fazer frente à postura de determinadas ONGs e alguns movimentos que costumam dedicar um olímpico desprezo à atividade partidária e governamental. E é claro, serviu também para fazer do Fórum Social Mundial um espaço de solidariedade para processos que apesar de todas as contradições travam o bom combate contra o imperialismo. Foram dois os encontros com os presidentes. O primeiro, realizado no ginásio da UEPA, promovido pelo MST/Via Campesina e o segundo, com Lula presente, no Centro de Convenções, iniciativa de várias entidades, entre elas a CUT.
A iniciativa do MST/Via Campesina merece aplausos. Ainda que as limitações do espaço obrigassem a ser uma atividade para convidados, o fato é que permitiu que a esquerda revolucionária pudesse compartilhar um momento intenso com os presidentes Chavez, Evo Morales, Rafael Correa e Lugo sem para isso precisar botar azeitona na empada de Lula. O desconvite à direção do PSOL para integrar à mesa, embora deselegante, deve ser compreendido dentro das limitações das posições ziguezagueantes assumidas pelo MST. Em sã consciência, acho que seria demais esperar que o MST montasse uma atividade com quatro presidentes, não convidasse Lula e ainda chamasse o PSOL para a mesa dirigente do evento. Isto, na prática, significaria um rompimento frontal com o atual governo brasileiro, coisa que não parece estar nos planos deste movimento.
Por último cabe também ressaltar o importante simbolismo de, no Brasil, realizar uma atividade com Chavez, Evo e Rafael Correa (embora acompanhados por Lugo que ainda não deu provas claras de que caminho pretende seguir) sem a presença de Lula, Tabaré Vazquez, Bachelet e outros que uma vez no poder adotam uma linha claramente capitulacionista. Nunca é demais lembrar que a primeira providência de Chavez, Evo e Correa foi a convocação de assembléias constituintes, com o propósito de substituir o carcomido arcabouço jurídico por uma nova estrutura legal que consolida espaços de democracia participativa e permite aos movimentos populares avançarem e radicalizarem a luta dos explorados e oprimidos. E isto faz toda a diferença
Já o massivo encontro (cerca de oito mil presentes) realizado no Centro de Convenções deve ser visto dentro da grande operação realizada pelo governo Lula,devidamente apoiado pelo PT e PC do B . Escorado no efetivo apoio financeiro que forneceu ao evento, o governo federal despachou para o FSM nada menos que cinco ministros que na sua maioria chegaram com grande estardalhaço, com caravanas de carros, precedidos por escoltas de motociclistas com o uso até mesmo de helicópteros. Além disso, ocupou parte da programação da Casa da Revolução Cubana, para onde levou Dilma Roussef e distribuiu milhares de jornais e outras publicações. No final deu empate. Se o governo Lula não sofreu desgastes de monta no FSM tampouco saiu maior do que entrou.
Já o PSOL realizou duas boas atividades, contando com grande público, uma centrada no debate da crise e outra nos impactos da crise sobre a Amazônia. Apesar do sucesso ficou patente o pouco acúmulo do partido no que tange a temática amazônica e pan-amazônica. Considerando o papel estratégico desta região e a multiplicidade dos temas nela envolvidos seria uma boa idéia a convocação, pela Direção Nacional, de uma conferência sobre a Amazônia que buscasse socializar o debate e avançar nossos posicionamentos. Uma Conferência aberta aos militantes de todos os estados e com diversos convidados (intelectuais, lideranças indígenas, quilombolas, extrativistas, dirigentes das lutas dos trabalhadores da cidade e do campo) capaz de dar um salto de qualidade na produção teórica e política do partido, armando os militantes para os embates que se aproximam.
SOLIDARIEDADE
Outro ponto alto do FSM em Belém foi a solidariedade manifestado ao povo palestino, notadamente na abertura e encerramento do Fórum. Rompendo a tradição de cerimônias anódinas, as homenagens à luta do povo palestino – tornadas imprescindíveis depois do massacre de Gaza – demonstraram claramente que existe um leque de questões sobre as quais o FSM pode e tem a obrigação de tomar posição. Juntamente com os palestinos, a organização da Tenda dos Povos Sem-Estado com a participação dos curdos, sarauaís, bascos, guianeses (Guiana Francesa) e outras nacionalidades marcou positivamente o encontro, chamando à solidariedade para com populações que buscam a libertação nacional através da conquista da autonomia ou do seu próprio Estado nacional.
DESAFIOS Á FRENTE
Na reunião de avaliação do Conselho Internacional do FSM, realizado logo após o Fórum ficou claro que o êxito do FSM Belém demonstrou também as insuficiências de um processo cujo ponto alto (o encontro bi-anual) se omite de tomar posições. Por um lado é preciso que o aspecto processo de lutas se fortaleça no interior do próprio Fórum e, neste caso, o calendário de dias de luta e campanhas, aprovadas pelas assembléias temáticas do último dia e sistematizadas pelo CI pode indicar um caminho (entre outras propostas foram aprovadas uma campanha mundial de defesa da Mãe Terra, um dia de solidariedade mundial ao povo palestino e a realização de um Fórum Temático sobre Crise de Civilização). As discussões sobre o Dia de Ação Mundial de 2010 também podem ir no mesmo sentido, destacando – se uma proposta de Eric Toussaint de realizá-lo no Primeiro de Maio do próximo ano, unindo assim o FSM à maior tradição mundial de luta dos trabalhadores. Por outro é fundamental uma alteração na Carta de Princípios, permitindo que o FSM se posicione acerca de questões que já acumularam um amplo consenso. Como disse o sociólogo português Boaventura dos Santos o FSM pode e deve tomar posições e citou como exemplo um pedido para levar à Corte Internacional de Haia, os governantes israelenses responsáveis pelo massacre de Gaza. Como bem disse o intelectual luso (figura destacada do FSM) o preço a ser pago pela manutenção da atual omissão é o FSM descambar para a irrelevância política.
Luiz Arnaldo Campos é membro do Comitê Local do FSM 2009 e militante do PSOL