Por Guilherme Cortez, da direção estadual do PSOL SP
O presidente estadual do PT em São Paulo, Luiz Marinho, declarou ontem (19) em entrevista ao portal Metrópoles que seu partido não está disposto a apoiar a candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) ao governo do estado. Boulos foi escolhido pré-candidato a governador pelo PSOL depois do imenso feito político de chegar ao 2º turno na capital paulista. O PT trabalha com a pré-candidatura do ex-prefeito e ex-ministro Fernando Haddad.
Marinho afirmou que o pré-candidato petista possui melhores condições eleitorais e, portanto, não caberia a Haddad retirar seu nome. Disse ainda que o PSOL “nunca apoiou” o PT e questionou a atuação do partido: “Ah, o Boulos apoiou o Lula, apoiou a Dilma. Apoiou quando? Apoiou contra o impeachment e contra a prisão, a condenação, e nem todo o PSOL apoiou. Tem psolista até agora apoiando lavajatista. Então, é preciso deixar muito claro essas questões para botar os pingos nos is em relação a esse debate”.
Há um ano das eleições, quaisquer prognósticos eleitorais são precipitados e devem ser analisados com cautela. Em março de 2009, por exemplo, José Serra (PSDB) liderava as pesquisas para presidente com 47% das intenções de voto, seguido por Ciro Gomes (PSB) com 16% e Heloísa Helena (PSOL) e Dilma (PT) empatadas com 11%. Ciro e Heloísa sequer foram candidatos, Dilma ultrapassou Serra e Marina Silva (PV) emergiu com 19% dos votos no 1º turno. Em 2017, Celso Russomano (PRB) liderava todas as pesquisas para o governo de São Paulo e sequer foi candidato. O próprio Marinho pontuava entre 2 e 3% nos cenários em que substituía Haddad como candidato a governador e chegou a 12% dos votos no dia da eleição. Já em 2019, Russomano voltava a liderar as pesquisas para a Prefeitura de São Paulo, seguido de Datena (não foi candidato) e Márcio França (PSB). O prefeito eleito Bruno Covas (PSDB) vinha em 4º lugar, com menos de 10% das intenções de voto, e seu adversário no 2º turno, Guilherme Boulos, com 4%.
Qualquer pesquisa um ano antes da eleição, portanto, deve ser vista com a fotografia de um momento, não mais do que um indicador de como largam as principais pré-candidaturas. Para a imensa maioria do eleitorado, a disputa para o governo do estado é secundária em relação à eleição presidencial e a escolha pelas candidaturas só ocorre na última metade da campanha. As tendências de variabilidade, portanto, são enormes.
Na última pesquisa do Datafolha, de setembro, a disputa para o governo paulista é liderada pelo ex-governador Geraldo Alckmin (de saída do PSDB), com 26% das intenções de voto, seguido de Haddad com 17%, Márcio França com 15% e Boulos com 11%. Em maio, uma pesquisa da Atlas apontava Boulos à frente com 17%, Paulo Skaf (MDB) com 16,4%, Haddad com 14,6% e França com 12,5%. Sem Haddad, Boulos assumia a liderança absoluta com 26,3%. Sem Boulos, Haddad também tomava a dianteira com 25,3%.
A desaprovação do governo Doria e a crise no PSDB são os principais fatores que explicam a ameaça a hegemonia tucana no maior estado do país. São Paulo, em especial seu interior, foi central para a reorganização da direita no Brasil, com a perda de posições do PSDB e o crescimento do bolsonarismo. Disputando seu 5º mandato como governador, Alckmin é um nome fortíssimo a ser batido, com ampla aceitação no interior do estado. A última vez em que a esquerda chegou ao 2º turno em SP contra os tucanos foi em 2002, quando Alckmin derrotou José Genoino (PT), que tinha o próprio Marinho como vice.
Haddad larga na frente pelo recall de ter chegado ao 2º turno da eleição para presidente e ter sido prefeito da capital. Apesar disso, foi derrotado por Bolsonaro em 631 dos 645 municípios paulistas. Dois anos antes, não chegou sequer ao 2º turno na disputa pela reeleição para a Prefeitura de São Paulo, alcançando 16,7% dos votos e perdendo em todas as seções eleitorais. Boulos, apesar do feito na capital no ano passado e também ter sido candidato a presidente em 2018, ainda é muito desconhecido no interior do estado. Aliás, também era na cidade de São Paulo há um ano da eleição e conseguiu chegar ao 2º turno avançando sobre sua taxa de desconhecimento.
Haddad e Boulos são importantes figuras públicas de audiência nacional na esquerda. O líder do MTST vem de uma experiência vitoriosa ao encantar uma geração de ativistas e da população precarizada da cidade de São Paulo com um programa radical em 2020. Haddad, depois de liderar a luta contra Bolsonaro em 2018, desponta com força nas últimas pesquisas, o que também deve ser motivo de comemoração na esquerda. Pela primeira vez em muito tempo, o domínio do PSDB parece ameaçado, mas será preciso muita sabedoria das forças de esquerda para levar a cabo esse projeto e vencer no estado pela primeira vez. Daí extraímos duas conclusões: 1) Marinho erra ao menosprezar o potencial eleitoral de Boulos e tratar o êxito de Haddad como favas contadas, e 2) o cenário em que o PT e o PSOL se unem em uma frente de esquerda no estado é o que oferece melhores condições para derrotar os tucanos e o bolsonarismo.
Por fim, precisamos falar sobre as insinuações de Marinho contra o PSOL. O presidente estadual do PT minimiza a participação do partido nas lutas democráticas do último período. Comete, assim, uma injustiça. O PSOL, Boulos e a Frente Povo Sem Medo estiveram na luta contra o golpe de 2016 mesmo se situando na oposição de esquerda ao governo Dilma. Também somaram forças na Campanha Lula Livre, por compreenderem que a prisão política do ex-presidente se tratava de um retrocesso democrático para abrir caminho para a vitória de Bolsonaro. Hoje, estão empenhados na Campanha Nacional Fora Bolsonaro e na construção da frente única da esquerda, organizações da classe trabalhadora, sindicatos e movimentos sociais para colocar um fim ao governo de extrema-direita no Brasil. Tudo isso sem abandonar seu programa, sua independência, abaixar suas bandeiras ou negociar suas posições. As divergências internas, felizmente, são parte de um partido democrático e o PSOL está acostumado com elas. A ala que defendeu esse conjunto de posições no último período reconquistou a maioria no último congresso do partido, no mês passado.
Nesse congresso, aliás, o PSOL autorizou sua direção nacional a iniciar conversas com outros partidos de esquerda visando a construção de uma frente eleitoral para enfrentar Bolsonaro em 2022, se não for possível derruba-lo antes das eleições. Lula é, evidentemente, o nome melhor colocado para encabeçar essa frente. Seria a primeira vez que o PSOL deixaria de lançar candidatura própria para presidente. Essa postura reflete uma compreensão da gravidade do momento pela qual passa o país e da hierarquia da derrota de Bolsonaro.
Mas a conformação de frentes requer uma postura colaborativa. Em primeiro lugar, será preciso um grande esforço programático para encontrar sínteses entre os acúmulos e elaborações das organizações políticas envolvidas. Um programa de esquerda para reverter a tragédia social instalada no Brasil desde o golpe de 2016 precisa começar por revogar o congelamento de gastos e voltar atrás nas reformas trabalhista e previdenciária. Além disso, compreender o machismo, o racismo, a repressão sexual, a violência contra os povos tradicionais e a crise ambiental como estruturantes do capitalismo em um país periférico e tomar medidas radicais para enfrenta-los.
Exige também o reconhecimento dos papéis de cada organização. Uma frente não pode representar o esmagamento de seus componentes. O PSOL, por exemplo, ainda que permaneça um partido minoritário, cresceu e teve importantes vitórias nos últimos anos, fruto de uma política acertada. Hoje, é o único partido de esquerda que governa uma capital no país, com Edmilson Rodrigues a frente da Prefeitura de Belém. É o partido que mais cresceu em filiações no último período e que detém a simpatia da juventude e do ativismo. Boulos se tornou uma das mais importantes lideranças da esquerda brasileira. O esforço pela formação de uma frente que o PSOL acertadamente assume não pode significar a supressão de seu espaço e papel político.
A mesma rigidez que Marinho aplica ao PSOL não se vê, entretanto, em outras movimentações de seu partido. Lula e a direção do PT têm rodado o Brasil costurando articulações para as próximas eleições. Já se encontraram com lideranças do PSD, MDB e PL, partidos que fizeram parte do golpe, do governo Temer, apoiaram a prisão de Lula e agora dão sustentação a Bolsonaro. O PSB, que parece ser uma aliança prioritária para os petistas, também apoiou declaradamente o impeachment de Dilma.
Falar grosso com a esquerda e fino com o centrão não é uma boa receita para derrotar Bolsonaro e reverter os retrocessos do Brasil pós-golpe. Há que se tirar as lições do ciclo de governos do PT e da experiência de 2015 pra cá. Boulos e o PSOL estão dispostos a construir uma frente de esquerda contra Bolsonaro e os tucanos em SP.