Lembro-me que quando entrou no Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP) pela primeira vez, ele indagou: “Em que este instituto é avançado?”.
por Lincoln Secco
Para refletir sobre a atualidade, eu começaria parafraseando Florestan: “em que a USP é uma Universidade?”. Afinal, ela foi, inicialmente, um conglomerado de faculdades isoladas e pré-existentes. Cada uma delas trouxe seu prestígio e sua tradição que se traduziram em poder. Nunca houve uma união orgânica e funcional.
Pensada para ser formadora de uma nova elite dirigente, a USP produziu em São Paulo algo que estava previsto no seu projeto original: um salto cultural de sua elite, criando um padrão científico universitário que se espraiou pelo Brasil.
Todavia, ela teve efeitos contraproducentes: gerou conhecimentos e ações que transbordaram o estreito mundo de referências daquela elite política paulista (derrotada militarmente em 1932, vitoriosa cultural e politicamente no longo prazo). Não por acaso, a nossa universidade foi a mais agredida pela Ditadura Militar de 1 de abril de 1964. Sem olvidar, é evidente, as perseguições catastróficas em outras instituições de pesquisa e ensino.
Depois da Ditadura a semi-democratização promovida pelo Reitor José Goldenberg causou uma reação das “grandes” faculdades que existiam antes da USP. Alguns de seus dirigentes ameaçavam retirá-las da universidade. Goldenberg não conseguiu instilar na USP a seiva republicana que provinha da sociedade civil dos anos 1980.
Hoje reina uma total desconexão entre as áreas da universidade devido ao seu gigantismo, massificação e especialização.
Os atuais dirigentes universitários, com algumas boas exceções, estão muito aquém dos seus antecessores dos anos 1980 e em certos quesitos ficam atrás até mesmo dos serviçais da Ditadura.
O desígnio de muitos dos atuais dirigentes não é mais uma ideologia como em 1964, ainda que muitas atitudes (como expulsões de alunos) pareçam uma retomada dos velhos tempos. Eles querem apenas respirar o ar do mercado. Atrelar-se a ele, render-lhe as homenagens do dinheiro público e cultuar o Deus Mamon. Ignoram desvios éticos, malversação de recursos, depreciação do patrimônio, falta de condições materiais e humanas de estudo e pesquisa.
O discurso “sem ideologia” do senso comum de dirigentes tem como contrapartida o rebaixamento dos opositores. Neste caso, não se trata de rebaixamento intelectual. Ao contrário: para fugir de suas tarefas concretas alguns intelectuais críticos buscam refúgio em posições políticas incabíveis no atual ordenamento político. As exceções existem, mas sem projeto e sem amparo. Por outro lado, a justa indignação dos alunos resvala na dificuldade de operar uma transição de um antigo movimento estudantil para novas formas de organização.
O resultado é que a posição da USP no ranking das melhores universidades do mundo é boa, mesmo segundo os duvidosos critérios deste tipo de classificação. Poderíamos, agora, estabelecer um índice de falta de transparência. A USP ficaria em primeiro lugar. Logo em seguida viriam as universidades de Teerã e Riad.
Lincoln Secco é professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.