Aconteceu na tarde de segunda-feira (17/10), na Faculdade de Educação da USP, o último seminário oficial sobre as diretrizes do Plano Nacional de Educação do próximo decênio, antes da apresentação do relatório do deputado federal Angelo Vanhoni (PT-PR). O relator esteve em São Paulo para a atividade, oficial da Comissão Especial do PNE na Câmara, proposta pelo deputado Ivan Valente, e ouviu as manifestações de entidades ligadas à educação. Vanhoni se comprometeu a acatar algumas das sugestões propostas no relatório, que deve ser apresentado na próxima semana.
Ivan Valente abriu o seminário saudando a presença do relator em nome da Comissão Especial do PNE. O deputado traçou um histórico da elaboração dos Planos Nacionais de Educação, lembrando do I PNE, que já em 2001, determinou, a partir da avaliação do custo-qualidade e das condições reais do país, que o Brasil deveria atingir um patamar de investimentos equivalentes a 10% do PIB no setor.
“O Congresso aprovou apenas 7%. Mesmo assim, o Presidente Fernando Henrique vetou as questões relativas ao financiamento efetivo da educação e nós mantivemos os gastos no setor congelados no país”, lembrou Valente. “A derrubada dos vetos de FHC seria feita no governo seguinte, por Lula, mas não o foi. E agora entramos num novo governo, com o MEC dizendo que gasta 5% do PIB na educação e o governo apresentando um novo Plano propondo 7%. Isso é o que já pedíamos 10 anos atrás”, criticou.
O deputado lembrou ainda do passivo educacional brasileiro – analfabetismo, crianças fora da educação infantil, baixa presença no ensino superior, demandas por qualidade e valorização do magistério – e pediu mais ousadia na proposta de financiamento do novo PNE. “Fizemos dezenas de sugestões sobre de onde pode sair o dinheiro: taxar grandes fortunas, taxar o fluxo de capitais, reduzir a taxa de juros…”. Valente encerrou sua fala convocando o relator Vanhoni a “entrar para a história da educação nacional” e afirmando que este deve ser um plano de Estado, e não de governo.
CONAE x mercatilização
Lisete Arelaro, diretora da Faculdade de Educação da USP e anfitriã do evento, falou em seguida demonstrando a “razoável decepção” daqueles que tomaram conhecimento do novo PNE, sobretudo após os debates da última Conferência Nacional de Educação. A expectativa, segundo Arelaro, era que o documento tirado na CONAE, mesmo que com eventuais divergências do governo, servisse de diretriz para o PNE. “Surpreendentemente não foi essa a opção do governo. O documento da CONAE apresentava inclusive um diagnóstico bastante consistente da educação. A decisão do MEC de apresentar um plano sem diagnóstico é no mínimo extravagante”, sinalizou.
A professora comentou também a omissão no novo PNE da construção de um Sistema Nacional de Educação, que regule o crescimento da mercantilização da educação a partir de conglomerados transnacionais, que já dominam o ensino superior privado e que se submetem muito pouco a qualquer legislação nacional. “O PL apresentado pelo governo acabou tendo um viés privatizante, surpreendente pra todos nós, da educação infantil à pós-graduação. O privado é considerado indispensável e a ele o plano dá consideráveis condições de crescimento”, criticou Lisete.
Em seguida, o professor do Instituto de Física da USP, Otaviano Helene, abordou a situação atual da remuneração dos professores e o déficit de licenciados em sala de aula. Segundo Helene, com remuneração baixa e a alta carga de trabalho, cerca de 1 milhão de professores licenciados não estão em sala de aula. Há ainda a questão da alta evasão dos cursos de licenciatura. O professor citou como exemplo as disciplinas de Física e Química, que contam com menos licenciados do que a demanda por professores na rede pública.
Helene também citou dados sobre a conclusão e a evasão de alunos nos níveis fundamental e médio. “Atualmente, cerca de 30% das crianças sequer conclui o ensino fundamental. Hoje uma pessoa sem ensino fundamental não tem oportunidade de inserção na sociedade. No ensino médio, a evasão é de 50%. Em 2009, 1,8 milhão concluíram o ensino médio – metade do que deveria ter concluído. E no ensino superior apenas 1 em cada 4 completa seus estudos”, descreveu.
Por fim, o professor Helene lembrou que é necessário que o PNE estabeleça quem cumprirá as metas do plano, e que defina claramente o que são “gastos com educação”. “Aqui na USP, o orçamento inclui atendimento com saúde, jornal, rádio, museus, e 25% dele é para aposentadoria. Esses gastos não são com educação”, destacou.
Representando os sindicatos de docentes da USP, Unicamp e Unesp, a professora Lighia Horodynski-Matsushigue lembrou que investimentos equivalentes a 10% do PIB tem sido feitos durante décadas em outros países que buscam sair de uma situação inadequada em sua educação. Ela destacou a situação do ensino superior no Brasil. Citando dados da CAPES, afirmou que o país conta hoje com cerca de 350 mil docentes em atividade, sendo que seriam necessários 726 mil.
Atualmente, as vagas ocupadas nos sistema de ensino brasileiro se concentram ainda na escola pública, do ensino infantil ao médio. No ensino superior, por sua vez, este número não chega a 27%. “Os cursos são abertos e fechados onde dá lucro. E a privatização veio primeiro aqui em São Paulo. Se não houver realmente uma decisão que queremos mudar essa situação isso não vai parar”, afirmou Lighia, que destacou ainda o crescimento do ensino à distância.
O professor Luiz Carlos Freitas, da Unicamp, fez uma fala incisiva sobre a participação dos empresários da educação na determinação da agenda educacional do país e comparou a tendência brasileira com outras nações que adotaram a meritocracia e a privatização, como EUA e Chile. “Não há evidência empírica que mostre que este caminho empresarial melhorou a educação nos EUA e no Chile. Muito pelo contrário. Não podemos perder mais uma década, ou logo estaremos lamentamos, como hoje acontece no Chile, por tomar o caminho das reformas empresariais na educação”, acredita.
Para Freitas, não há mais uma contraposição clássica entre público x privado. Hoje é público-estatal, público não-estatal e privado. “Em alguns estados já existe o público gratuito, mas de gestão privada. E é por aí que entra a história das escolas que são administradas por contrato de gestão. Continua gratuito para o aluno, mas o Estado desvia recurso dele para o privado administrar o dinheiro público”, criticou.
O último a falar na mesa foi Douglas Martins Izzo, diretor da Apeoesp. Ele defendeu a reforma tributária e o 10% do PIB para a educação, além de ressaltar a importância do debate sobre o percentual da educação que é vinculado nos estados e municípios. “Hoje o percentual do Fundeb é sobre os impostos, mas é necessário taxar também as contribuições. Isso dobra os recursos para o Fundeb”. Izzo ainda comentou a implementação do piso para outros profissionais da educação, a melhoria do controle social sobre as políticas do governo e a ausência de um diagnóstico da educação no texto do PNE apresentado pelo governo.
“É lamentável que o PNE encaminhado ao Congresso não apresente um diagnóstico. Isso dificulta a discussão de uma série de políticas. E que boa parte de propostas discutidas e aprovadas na CONAE não tenham sido incorporadas pelo governo ao apresentar seu Plano ao Congresso Nacional”, afirmou o diretor da Apeoesp.
Nem 7, nem 10?
Angelo Vanhoni encerrou a rodada de intervenções afirmando que o Plano define as principais diretrizes para o setor e que “deve servir como uma bússola” para a gestão da educação no país. Segundo o relator, o percentual do PIB não é decorrência imediata do investimento do governo federal, dos municípios e estados. A atribuição constitucional é dividida. “O esforço é para aprovar uma lei que constitua um sistema nacional, para que esse regime de colaboração seja definido de forma mais clara”, argumentou.
Vanhoni afirmou que um plano deve garantir o acesso à educação a todos os brasileiros em idade escolar, e que para isso a escola tem que ter condições mínimas e um padrão de desenvolvimento educacional das crianças. “A aferição que temos da qualidade de educação, se tomarmos como base os indicadores de hoje, é que a educação do país precisa passar por uma melhora muito grande. E para isso precisamos ter um referencial econômico, e o que foi mandado pelo governo é o de que o Brasil alcance 7% ao longo da década”, explicou.
No entanto, o deputado admitiu que, de acordo com as emendas apresentadas pelos parlamentares ao texto original do governo, 7% não são suficientes para dar conta da expansão com qualidade. “Pretendo fazer com que o relatório leve em conta o conjunto das emendas propostas e a discussão que percorreu as entidades ligadas à educação no Brasil. E que este texto possa ser uma síntese que dialogue com a proposta do governo, das entidades e dos deputados, e que aponte na superação desses dois problemas: acesso e permanência e qualidade da educação”, definiu. Entretanto, não se comprometeu em incluir os 10% do PIB no texto a ser votado pela Câmara.
Vanhoni afirmou que o relatório deve ser apresentado na próxima semana ao conjunto dos deputados, para que seja votado ainda este ano no Plenário da Câmara. “Muito do que vocês falaram vai estar no texto. Não vai agradar 100%, mas vai não vai desagradar 100%”, brincou.
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