No último dia 18, o deputado Raul Marcelo ocupou a tribuna da Assembleia Legislativa para denunciar que o governo federal, via Ministério da Pesca, está encaminhando processo de licenciamento de 120 embarcações do tipo traineira para atuar na atividade pesqueira das regiões sul e sudeste do Estado. O licenciamento extrapola autorização conferida pelo Ibama – que publicou instrução normativa limitando a 60 o número de embarcações desse porte que poderiam atuar nessas áreas. Para piorar a situação, a autorização para que essas embarcações atuem coloca em risco de extinção a tainha (espécie já ameaçada) e afetará drasticamente os pescadores artesanais dos municípios de Cananéia, Ilha Comprida e Iguape.
Leia o pronunciamento:
“Sr. Presidente, Sras. Deputadas, Srs. Deputados, tenho um artigo sobre a situação dramática que passa a região do Vale do Ribeira. Queria ler aqui, dada a importância desse tema, que é em relação à pesca do Vale do Ribeira. Dito isto, passo a ler o seguinte:
“Temos hoje um grave e grande problema a ser resolvido no litoral do estado de São Paulo. No momento em que as comunidades caiçaras se organizam para comemorar o início da safra da tainha, realizando as suas festas em municípios como Cananéia, Iguape, São Vicente e Ubatuba, temos a informação de que o Ministério da Pesca e Aquicultura está prestes a aprovar, se é que já não aprovou, o licenciamento de 120 embarcações do tipo traineira para atuar nesta atividade pesqueira nas regiões sul e sudeste, de grande importância para todos os pescadores, pequenos, médios e grandes.
O problema central é que o Ibama soltou uma instrução normativa em 2008 que limita esta atividade pesqueira em 60 traineiras por safra, o que já seria muito, segundo os pescadores artesanais. Ou seja, órgãos do mesmo governo federal não se entendem, o que caracteriza uma crise institucional, pois não há coordenação de governo. O Ibama limita e o MPA transgride esta norma.
A pesca da tainha é uma atividade de grande importância econômica e cultural no litoral de todo o Brasil onde a tainha percorre, especialmente das comunidades que vivem entre a terra e o mar, as comunidades caiçaras. Sabemos que a tainha sobe o litoral brasileiro, partindo do Rio Grande do Sul, entre maio e agosto, para a desova em águas cada vez mais quentes, já que águas muito frias no inverno desestimulam sua atividade reprodutiva.
A tainha é uma espécie já considerada ameaçada, superexplorada, muito por causa da sobrepesca desta espécie – Mugil platanus. Para se ter uma idéia, segundo estudo da pesquisadora Laura de Miranda juntamente com três outros colegas, uma única traineira pode desembarcar 13% a mais do que toda a produção dos pescadores artesanais dos três municípios do litoral sul paulista – Cananéia, Ilha Comprida e Iguape – no mesmo mês, comprovando o enorme poder de pesca destas embarcações.
Além disso, para piorar, muitos pescadores industriais estão explorando a ova deste peixe para exportação, que tem aumentado a cada dia o seu valor financeiro. Neste caminhar, em breve, teremos a tainha na mesma situação da sardinha, praticamente extinta do litoral brasileiro.
Além deste problema causado pela sobrepesca da tainha, está em curso também o processo de licenciamento de Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, da CBA (Companhia Brasileira de Alumínio), do Grupo Votorantim, o que traz inúmeros riscos ambientais e sociais, como acontece com a pesca da manjuba, especialmente dos pescadores de Iguape. Esta barragem seria construída há cerca de 300 Km a montante da foz do rio, entre os municípios de Ribeira (SP) e Adrianópolis (PR), no alto vale do Rio Ribeira de Iguape. Esta é a principal atividade econômica da cidade, empregando diretamente cerca 3000 pescadores, beneficiando o mesmo número de famílias, ou seja, cerca de 10.000 pessoas.
Em 2007, através de um projeto de lei estadual, tentamos defender a situação das comunidades ribeirinhas e estuarinas, que propunha que o Ribeira de Iguape se tornasse Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental do Estado de São Paulo. Este projeto foi aprovado por ampla maioria pelos meus colegas, mas infelizmente foi vetado pelo governador José Serra. É isto, o governador não acha que este Rio tenha importância cultural, histórica e ambiental. Este projeto de lei se tornou um exemplo O Deputado Federal Ivan Valente criou um PL Federal, nos mesmos moldes, que passou por diversas comissões, mas empacou na Comissão de Minas e Energia.
Se aprovada, esta lei impediria a construção daquela barragem, que vem sendo um pesadelo, há 20 anos para os indígenas, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos e pequenos agricultores que vivem na região. O Movimento dos Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira (Moab) durante todo este tempo vem denunciando o absurdo desta construção e mobilizando todos aqueles que não concordam com este grande impacto ambiental.
Este impacto também pode ocorrer caso o MPA licencie as 120 traineiras para a pesca da tainha que, ao fazerem o arrasto, transformam a pesca numa grande destruição do fundo do mar e de sua coluna d’água. Nesta região existe uma diversificada fauna de animais marinhos e uma rica flora subaquática que além de fazerem parte da nossa dieta, servem de alimentos para os outros peixes da costa. Para se ter uma idéia, cerca de 90% das espécies marinhas de importância econômica vivem na zona costeira, em manguezais, costões e praias.
Para completar, boa parte da área marinha no estado de São Paulo pertence à recém-criada Área de Proteção Ambiental Marinha pelo Decreto 53.527 de 2008, que também não permite este tipo de atividade naquela região, especialmente no litoral sul paulista. Por isto, solicitamos que o MPA avalie seriamente a possibilidade de licenciar este empreendimento pesqueiro de escala industrial, que do mesmo jeito que o agronegócio, tem destruído não só o ambiente, mas as populações que ali vivem e que, como todos nós, dependem da natureza para viver
Se os estudiosos da tainha criaram a instrução normativa 171/2008 é por que se corria sérios riscos da pesca da tainha (e a própria tainha) acabar. Vamos lembrar. O Ibama autoriza 60 traineiras, o MPA quer licenciar 120. Vejam bem, não são 70, 63, 80. São 120 traineiras, o dobro, 100% a mais do que permitido!
O que venho fazer aqui, diante deste caso, é pedir que a Secretaria do Meio Ambiente do Estado intervenha fortemente, já que esta manobra está discordando diretamente do previsto pelo decreto que criou a APA Marinha do Litoral Sul. Vamos, finalmente, ter um pouco mais de racionalidade nestas decisões. Se não, em breve, não haverá muitas das comemorações, muitas das festas, que até o momento celebram a chegada da tainha ao estado de São Paulo.” Sr. Presidente, tratamos de várias questões nesse nosso artigo, mas todas elas atinentes à situação dos pescadores do Vale do Ribeira, que passam por essa situação difícil por conta dessa divergência: de um lado o Ibama restringindo as grandes embarcações de pesca para poder favorecer o pequeno pescador, as comunidades tradicionais, e de outro o Ministério da Pesca e da Agricultura liderando as grandes embarcações de pesca e que já está afetando diretamente centenas de milhares de trabalhadores na região do Vale do Ribeira. Muito obrigado, Presidente.”