Pronunciamento do deputado federal Ivan Valente:
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados,
Depois de aprovado no Senado Federal, encontra-se agora na Comissão de Educação e Cultura da Câmara o projeto de lei nº 6755/2010 (original PLS nº 414/2008) do Senador Flávio Arns (PSDB/PR) que determina a matrícula de crianças e 5 anos de idade no ensino fundamental.
Tal projeto, que tem como justificativa o estabelecimento de critérios que organizem os dispositivos da constituição federal, da LDB e do ECA, acaba atacando de forma contundente o direito das crianças de viverem suas infâncias em plenitude e de terem uma educação escolar adequada a esta etapa de seu desenvolvimento.
O projeto ignora a especificidade do trabalho educacional com as crianças nesta faixa etária e desconhece o importante debate que os movimentos sociais, educadores e a academia têm travado, já há alguns anos, em torno da importância da educação infantil.
Desde a implementação da Lei nº 11.114, que estabeleceu a obrigatoriedade de matrícula das crianças de 6 anos no ensino fundamental, e da Lei nº 11.274, que criou o ensino fundamental de 9 anos, o Brasil tem sido palco de importantes debates sobre a data a partir da qual as crianças devem ser matriculadas no ensino fundamental.
Neste sentido, diversos segmentos da sociedade colaboraram para a elaboração, no ano de 2009, das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil. Consensuou-se que as crianças que completam seis anos após 31 de março devem permanecer na educação infantil, conforme estabelece o § 3º do seu art. 5º. As matrículas no ensino fundamental seriam permitidas apenas para crianças com seis anos completos até 31 de março. Também o Conselho Nacional de Educação aprovou, no início deste ano, a Resolução Nº01, que determina a idade de entrada das crianças no Ensino Fundamental para seis anos completos até 31 de março do ano da matrícula.
A fim de garantir a qualidade da educação dessas crianças, respeitando as necessidades próprias de sua faixa etária, e considerando que muitos municípios brasileiros ainda não têm condições de atender com qualidade as crianças de seis anos na sua rede de ensino fundamental, a Conferência Nacional de Educação (CONAE), aprovou a possibilidade de que, mesmo as crianças de 6 anos completos, matriculadas no ensino fundamental, possam manter-se na rede física da educação infantil.
Já em 2007, preocupava-nos o impacto da obrigatoriedade do ingresso das crianças de 6 anos no ensino fundamental, o que nos levou a apresentar projeto de lei que vai no mesmo sentido da resolução da CONAE: garantir que as crianças de 6 anos sejam atendidas com os mesmos recursos e a mesma abordagem pedagógica da educação infantil. Procurávamos assim minimizar os problemas causados por essa antecipação no ingresso das crianças no ensino fundamental e propiciar condições mais adequadas ao seu desenvolvimento. Nosso projeto agora entra na pauta de discussões apensado ao PL 6755/10.
Não existe justificativa para a aprovação da proposta do senador Arns. Se a intenção era organizar melhor os sistemas e homogeneizar os critérios, então bastaria estabelecer o que já foi amplamente acordado pelos movimentos e respaldado pelo CNE.
Nova mudança na idade para ingresso no ensino fundamental trará uma série de problemas para a organização das redes de ensino, mas principalmente significará uma enorme perda para o desenvolvimento das crianças. As escolas de ensino fundamental não estão preparadas para o trabalho com crianças nesta faixa etária e, muitas vezes, ignoram a importância do brincar, do lúdico e dos processos de socialização no desenvolvimento das crianças, além de não possuírem mobiliários e espaços adequados a esses meninos e meninas ainda tão pequenos.
Estudos mostram que as crianças que freqüentam a educação infantil têm um desempenho escolar superior aos demais durante todo o seu percurso escolar. Dados recentes apontam um alto índice de reprovação entre as crianças que ingressaram no fundamental aos 6 anos, evidenciando que além dessa antecipação não beneficiar o aprendizado também falta preparo dos profissionais para trabalhar com essa nova realidade.
A ampliação do tempo de escolarização das crianças é algo que sempre foi defendido pelos movimentos em defesa de uma educação de qualidade. No entanto, não foi isso que ocorreu em 2006 com a criação do fundamental de 9 anos e sim um deslocamento de um ano da educação infantil para o ensino fundamental, sem ampliar de fato os anos em que a criança permanece nas redes de ensino. Essa nova proposta é ainda pior, pois simplesmente retira um ano da escolarização das crianças. Caminha na contramão da melhoria na qualidade da educação, ferindo claramente o direito de todas as pessoas a terem uma educação pública e de qualidade da creche à universidade.
Desde já, portanto, Senhor Presidente, me posiciono contrário à aprovação de qualquer medida que prejudique o acesso das crianças a uma educação infantil de qualidade.
Muito obrigado
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP