"As administrações tucanas implementaram políticas que retiram os direitos dos profissionais da educação"
Da redação da Caros Amigos
Desde o dia 5 de março, os trabalhadores da Educação em São Paulo estão em greve. Na pauta de reivindicação ao governo Serra estão a garantia do emprego; por um plano de carreira justo; reajuste imediato de 27,%% e reposição salarial de 6%; contra a avaliação de mérito; pela incorporação das gratificações com extensão aos aposentados e concurso público de caráter classificatório. A greve foi puxada pela Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), Afuse (Sindicato dos Funcionários e Servidores da Educação), Apase (Sindicato dos Supervisores do Magistério no Estado de São Paulo), CPP (Centro do Professorado Paulista), Apampesp (Associação dos Professores Aposentados do Magistério Público do Estado de São Paulo) e Udemo (Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo).
Até agora, o governo não sinalizou para um ganho concreto no conjunto das reivindicações dos trabalhadores, e a mobilização continua. Enquanto o governo e os grandes meios de comunicação buscam desqualificar a greve, afirmando que trata-se de uma ação política e esvaziada, a resposta do movimento vem sendo dada nas ruas. Nesta sexta-feira, está programado um ato em frente ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo.
O deputado federal e também professor Ivan Valente (PSOL-SP) tem acompanhado a greve desde o seu início e, nesta entrevista, avalia a política de educação implementada há 16 anos pelo PSDB no estado de São Paulo. O PSOL protocolou na Assembléia Legislativa de São Paulo projetos de lei que anulam as provas obrigatórias para os professores instituídas pelo governo Serra.
Caros Amigos – Na sua avaliação, quais são maiores problemas da política educacional do governo Serra que levaram à greve no estado de São Paulo?
Ivan Valente – As administrações tucanas, que governam São Paulo há mais de 16 anos, implementaram políticas que retiram os direitos dos profissionais da educação e desvalorizam a carreira docente, como o é caso dos salários que ano após ano se encolhem sem os necessários e merecidos reajustes, além das dificuldades no cotidiano escolar que inviabilizam a realização de um trabalho de qualidade. Outro fato que mostra essa desvalorização e o descaso com o qual os professores são tratados é o processo de atribuição de aulas e a nova legislação para contratação de professores. Atualmente, a rede de ensino possui um número elevado de professores contratados, pois até agora não foi cumprida a promessa de realizar concurso público para 80 mil vagas, que já seriam insuficientes. Está em curso apenas um processo que se destina a 10 mil vagas, sendo que os aprovados serão obrigados a passar por um cursinho de caráter ideológico, cuja finalidade principal parece ser a de eliminar aqueles que não concordam com a política tucana. Desde o ano passado, a contratação dos professores é com base na classificação obtida em uma prova. E agora a nota da provinha é o principal critério para a atribuição de aulas, gerando enormes distorções. Alunos de graduação e bacharéis que não possuem licenciatura puderam escolher aulas antes de professores que trabalham na rede há vários anos.
Qual a justificativa para a adoção desta política?
A estruturação da rede a partir do estímulo à competição entre profissionais e entre escolas como forma de alcançar qualidade tem sido recorrente nos governos do PSDB em São Paulo desde a década de 90. Porém, mesmo diante da constatação do fracasso desta política, o que já foi atestado pelos resultados dos seus próprios exames, o governo Serra insiste neste modelo, propagandeando-o como algo inovador e positivo para a educação e escondendo a precarização da carreira docente por ele gerada. A justificativa é privilegiar o mérito, reduzido à nota de uma única prova, para então culpar os professores pelos problemas enfrentados pela escola pública. Apesar de toda experiência e dedicação na superação das más condições de trabalho, os docentes são taxados de incapazes e desqualificados.
Mas as avaliações não são importantes?
A avaliação é um instrumento essencial ao planejamento e aperfeiçoamento da ação educativa, mas não é essa a perspectiva que o governo Serra deu ao sistema de provinhas e exames. Reduziu a avaliação da capacidade, competência e adequação dos profissionais e do seu trabalho ao resultado de exames isolados, e os utiliza apenas como instrumento de opressão e exclusão, ao mesmo tempo em que joga a responsabilidade para os profissionais individualmente, deixa de fora qualquer avaliação das condições de trabalho, dos projetos e das políticas educacionais. Isso é evidente pela insistente escolha por modelos classificatórios, que premiam alguns e punem a maioria. A única finalidade desses exames é gerar um ranking, que permita selecionar e excluir. Porém, a lógica da competição e do individualismo não condiz com o trabalho educacional, eminentemente coletivo. Vale lembrar, inclusive, que parte desta lógica foi incorporada pelo governo Lula, cuja política também caracteriza-se pela insuficiência de recursos para a educação e pelo não cumprimento das metas do Plano Nacional da Educação (PNE). Com a conivência da base governista no Congresso, os vetos de FHC ao PNE foram mantidos, entre eles o que destinava 7% do PIB para a Educação.
O desempenho também será um critério para a evolução salarial em São Paulo?
Sim. O governo prometeu a possibilidade de aumentar os salários em 3 ou 4 vezes, mas ao fazer isso escondeu da sociedade que mais de 80% da rede não conseguirão qualquer melhoria salarial ao longo dos anos, pois no máximo 20% dos melhores classificados poderão ter reajustes de até 25%, mesmo assim a depender da disponibilidade de recursos. Ou seja, a maioria da rede continuará sofrendo com o arrocho e submetida à política de premiações, com os chamados bônus, que nunca são incorporados aos salários.
Qual a reivindicação de reajuste pleiteada pelos grevistas?
Pelas estimativas da APEOESP, seria necessário um reajuste de 34,3% para recompor o poder de compra que os professores tinham em fevereiro de 1998. No entanto, a previsão orçamentária da Secretaria da Educação Estadual para 2010 ficou apenas 4,18% acima da orçada em 2008. Além do reajuste, estão entre as reivindicações dos professores a incorporação das gratificações e sua extensão aos aposentados, garantia do emprego e fim da superlotação das salas de aula, entre outras. São reivindicações que apontam questões centrais para o avanço da valorização da escola pública. Ao longo dos sucessivos governos do PSDB/DEM, diversos mecanismos de controle e coação foram impostos aos profissionais da educação, atacando diretamente a autonomia docente e inviabilizando a gestão democrática das escolas. Tudo isso, somado as salas superlotadas, a falta de pessoal de apoio e as péssimas condições de trabalho, fecha o cenário que explica os reais motivos da falência da educação em São Paulo.
Desde que a greve começou, a grande mídia comprou o discurso do governo Serra e vem dizendo que o movimento é político e pequeno. O que o senhor acha disso?
Trata-se de uma tentativa de desqualificar o movimento e de desviar a atenção das justas reivindicações dos professores. Manipulam, tentando caracterizar esta legítima luta dos profissionais como uma ação eleitoreira. Estive em todas as assembléias da categ
oria e sou testemunha da mobilização da categoria. Mas as notícias escondem a pauta de reivindicações e as denúncias dos profissionais, deixando nítida a intenção de desmobilizar os professores e diretores e de jogar a opinião pública contra a greve. O discurso oficial, no entanto, não responde a qualquer um dos itens da pauta de reivindicações. O Governo Serra recusa o verdadeiro debate sobre a política educacional, pois considera que sua lógica tecnocrática é inquestionável, única e verdadeira. Mas a greve é legítima. Ela denuncia a precariedade das condições da escola pública e exige uma abertura real de negociações com o governo.
O governo Serra anunciou agora que os professores em greve receberão um bônus menor do que o restante da categoria. Esta é mais uma medida para minar a greve?
Sem dúvida. É mais uma chantagem dos tucanos para desmobilizar os professores, que já vivem numa situação de extrema precariedade e sofrerão com qualquer diferença no salário. Utilizar a política de bônus como forma de aumentar o salário dos profissionais da educação, sem incorporar este aumento no valor nominal dos salários, permite justamente este tipo de repressão contra os professores. Como o governo quer abafar a greve e, segundo o Secretário da Educação Paulo Renato a ausência no trabalho vai influenciar no valor do bônus de 2011, que é calculado também com base no número de faltas do funcionário, o governo seguirá deslegitimando a greve e considerando a mobilização dos professores como faltas. É um verdadeiro absurdo.
Na sua avaliação, quais as perspectivas para esta greve?
A insatisfação do professorado paulista é enorme, a greve cresce e se hoje ela ainda não é proporcional a esta insatisfação é só por que muitos se vêem em condições tão ruins que não podem assumir um dia de desconto em seus reduzidos salários. E por que sofrem todo tipo de assédio moral para se calarem. Nesta sexta-feira, dia 26, a assembléia das categorias em greve acontecerá em frente ao Palácio dos Bandeirantes. Esperamos que pelo menos isso faça o governador Serra acordar para a gravidade da situação enfrentada nas escolas. A greve unitária da educação é a manifestação de uma insatisfação acumulada do conjunto de profissionais da rede, e um ato de resistência dos trabalhadores da educação a uma política cruel e friamente calculada, que mascara a responsabilidade do governo e compromete a idéia da educação como direito de todos e todas.
Do site da Revista Caros Amigos