Associações de geográfos e arquitetos se organizam para barrar o projeto do prefeito Kassab (DEM) de impermeabilização das marginais do Tietê. Leia e assine a moção aqui.
Nós, arquitetos, urbanistas, planejadores, geógrafos, arquitetos paisagistas, engenheiros, ecologistas urbanos, ambientalistas, outros profissionais afins e participantes dos Movimentos Populares da Cidade, abaixo assinados, achamo-nos no dever profissional, cultural e cidadão de manifestar a nossa total perplexidade e repúdio ao projeto e às obras ainda no início da Nova Marginal do Tietê, com drásticas conseqüências à “Ordem Urbanística” e ao Meio Ambiente, não só da Capital, mas de toda a Metrópole de São Paulo. Por este projeto, esta via, ao longo de vinte e três quilômetros, a partir do Cebolão até a região da Penha, fica quase que totalmente destinada aos veículos que simplesmente cruzam a cidade, com a possibilidade de cobrança de pedágio nas chegadas e saídas, sendo que esta função tinha sido atribuída exclusivamente ao rodo-anel.
Além disso, nos manifestamos contra o fato deste projeto não ter sido debatido amplamente com a Sociedade Civil, considerando que circulariam, hoje, pela Marginal do Tietê cerca de 700 mil veículos/dia sendo que a sua capacidade atual seria de 350 mil/dia, dado que mostra a gravidade deste problema para a cidade. Tal fato exigiria, pelo menos, o acompanhamento pela Sociedade Civil na elaboração dos projetos que demoraram mais de ano para serem finalizados, para não falar das exigências de se respeitar o artigo 180 da Constituição Estadual que assegura a participação das Entidades da Sociedade Civil na definição das diretrizes e normas nos estudos e soluções dadas, bem como nos seus encaminhamentos para a elaboração de programas, planos e projetos que lhe são concernentes.
Protestamos, também, pelo fato de apenas o Governo Municipal ter realizado uma única Audiência Pública, que além de mal convocada, teve uma dinâmica que não possibilitou o debate, como podem mostrar as gravações. Isto demonstra que os atuais governantes não querem usar as soluções apontadas a partir do Plano Diretor em vigor, que prevê a construção de duas vias paralelas às marginais leste-oeste do Tietê, em boa parte do trecho da Nova Marginal, para contribuir com a diminuição do tráfego da Marginal atual, auxiliando para retirar da mesma o tráfego de caráter local e sub-regional e, ainda, permitir o seu uso como variante em caso de necessidades emergenciais.
Protestamos, ainda, pelo fato de que as comparações com estas alternativas, atendendo as exigências do EIA RIMA, terem sido feitas com uma análise que compara a diminuição do fluxo de passagem (com a construção da Nova Marginal) com a simples consequência no tráfego da Marginal, caso sejam construídas as vias de apoio norte e sul e algumas variantes. Comparações feitas a partir do raciocínio de que sejam simples avenidas, sem examinar no que elas possam se transformar se nelas forem aplicados os recursos destinados à Nova Marginal Isso muda por completo o que é possível se construir nestas vias de apoio e em eventuais variantes.
Propomos, portanto, a possibilidade de um acordo, atendendo as exigências legais de que é necessária a apresentação de uma alternativa e, atendendo, também, o artigo 180 da Constituição Estadual, para que seja composta uma equipe em parceria com técnicos e representantes da DERSA, do Governo Estadual e do Governo Municipal, junto com igual número de delegados representantes das Entidades da Sociedade Civil, que têm lutado por outro encaminhamento na solução dos problemas de tráfego na Marginal do Tietê. Esta equipe terá como atribuição a definição das diretrizes e normas a serem respeitadas na construção das vias de apoio norte e sul, desde que também sejam aplicados nestas vias paralelas às marginais e sua variantes, os mesmos recursos destinados à Nova Marginal, de acordo com normas e diretrizes a serem obedecidas por todas as alternativas estudadas, inclusive as simples adequações das marginais atuais.
Desde já submetemos aos Governos Estadual e Municipal algumas diretrizes e normas que deverão ter que ser decididas por ambas as partes por qualquer uma das alternativas estudadas:
1.Tendo em vista de que qualquer alternativa que for adotada, todas as soluções encontradas deverão estar de acordo com um Plano Global de Circulação da Metrópole cujas diretrizes e normas deverão também ser elaboradas por uma equipe em Parceria entre Estado e Sociedade Civil e serem aprovadas pela Assembléia Legislativa em regime de urgência, mas com a devida participação popular.
2.Independente de qual for o partido adotado para a estruturação dos vários níveis da circulação na Metrópole, consideraremos, desde já, ser uma característica estrutural da Região Metropolitana de São Paulo a criação de um Parque Linear Urbano Metropolitano dos dois lados do rio, com diferentes desenhos em cada trecho, mas mantendo uma Unidade no seu desenho global, independente das características espaciais e paisagísticas de cada trecho. Este parque deverá proporcionar melhor qualidade paisagística com o seu desenho urbanístico, podendo integrar-se ao rio, que futuramente estará limpo!
3.Deverão ser respeitados os canteiros centrais, pelo menos em grande parte, e as distâncias das pistas em relação ao inicio do talude do canal do rio.
4.Não deverá ser destruída a possibilidade da navegabilidade do rio Tietê e a construção de portos e atracadouros no trecho estudado entre a Penha e o “Cebolão”
5.A solução encontrada para o trecho entre a Penha e o “Cebolão” deverá estar de acordo com uma estratégia de médio longo prazo de desativação das marginais e liberação do rio Tietê
6.No caso do estudo detalhado das vias paralelas ao Tietê, as pistas deverão ser construídas parte em fluxo contínuo e parte como avenidas locais e regionais organizadoras das tramas urbanas de suas regiões.
7.Será considerada como ponto de honra que a solução encontrada permita a formação de corredor ou corredores de transportes coletivos, que sejam parte integrante do Plano de Circulação da Metrópole e que tenham a possibilidade de se articular com os sistemas transversais norte e sul que se interligam ao Centro da Capital e ao futuro parque linear metropolitano.
8.Quaisquer das hipóteses encontradas deverão permitir a formação de um circuito integrado de ciclovias.
9.As soluções encontradas deverão ter um resultado equivalente à retirada de todo o tráfego de passagem pela Metrópole, até que o rodo-anel possa ser inaugurado.
10.Serão reestudadas as novas alças do complexo Ponte das Bandeiras e Cruzeiro do Sul, de tal formam que elas tenham um traçado urbano e não rodoviarista, que integrem assim o passado e o futuro.
11.Além disto, elas não deverão obedecer no seu dimensionamento as pesquisas de origem e destino atuais (transformados num fetiche), mas os dimensionamentos previstos com a implementação do novo Plano Diretor Global de Circulação na Metrópole.
12.Na necessidade da construção de novas pontes reveladas por este Plano Global as pontes deverão ser desenhadas como Obras Urbanas como a Ponte das Bandeiras e não como obras de arte rodoviaristas.
13.Há, também, importantes questões geográficas e ambientais em jogo, e que devem ser respeitadas, relacionadas à circulação da população em geral, à hidrografia e aos fatores climáticos (incluindo a poluição, o micro-clima e as ilhas de calor, que poderão se agravar consideravelmente, com o aumento da impermeabilização e a diminuição da cobertura vegetal com o mar de pistas de asfalto, quase sem nenhum sombreamento), não suficientemente aprofundadas e discutidas pelos estudos ambientais no processo de licenciamento das obras em curso. Além de outros aspectos relacionados à maneira açodada, indiscriminada e mal planejada de derrubada das árvores ali plantadas e a proposta de replantio em outras áreas que, ou não comportam tal adensamento, ou poderão ficar distantes e isoladas da dinâmica desta região central da Metrópole e de seus habitantes.
Vimos, desta forma, manifestar igual repúdio à construção de duas alças de acesso para fazer a ligação entre a via expressa da Marginal do Tietê e duas avenidas locais (Av. Tiradentes e Av. Cruzeiro do Sul), que vai afetar profundamente a visão da Ponte das Bandeiras, uma ponte tombada como patrimônio histórico da nossa cidade.
As duas alças viárias pretendidas constituem-se em equívoco maior por diversas razões urbanísticas. Primeiramente, por basear-se em uma premissa estreita, que é reduzir a questão à solução de um problema de tráfego veicular, ou seja, eliminar pontos de estrangulamento de tráfego. Ora, desafoga-se aqui, empurrando para adiante o ponto de estrangulamento – pois a quantidade de veículos circulando não diminui com essa providência. Segundo equívoco: para “empurrar” para outro local o ponto de estrangulamento, projeta-se outros viadutos.
O projeto das duas alças carece de um mínimo de sensibilidade e de compreensão do que seja o caráter da paisagem urbana paulistana daquele trecho da cidade, pois se intromete nas visadas do conjunto da Ponte das Bandeiras, a mais bonita e bem composta, do ponto de vista arquitetônico, das pontes que atravessam todos os rios da cidade de São Paulo.
Outro equívoco: as duas alças foram projetadas considerando, certamente, um fluxo de veículos por hora nestas duas vias e nos períodos de pico, supondo que as Avenidas do Estado, Anchieta, Imigrantes, Vinte e Três de Maio, Nove de Julho e Consolação continuem trazendo todo o tráfego, desde Ribeirão Pires e todo o Grande ABC, além de toda a periferia da Capital na zona sul e sudoeste, para se encontrar no Centro Histórico de São Paulo. Isto de tal forma que, necessariamente, todo este tráfego vai congestionar e atingir as marginais unicamente pelas Pontes da Bandeira e Cruzeiro do Sul, como se não tivéssemos a inteligência de refazer a estrutura metropolitana – para que estes eixos, de suma importância para a cidade, não confluam mais de forma radial e concentradora para o Centro da Capital – criando-se, assim, novas Centralidades ao longo do Parque Linear e Urbano do Tietê, e dentro dele, de modo a espalhar o tráfego pelas vias transversais ao Parque Metropolitano.
Ora, com a possibilidade de criação do Parque Linear Urbano e Metropolitano, dentro de área urbana, transformado em espinha dorsal de toda a estrutura metropolitana, tornar-se-ia possível desviar os eixos que convergem para o Centro da Capital para que se dirijam, em pontos diferentes, para a grande praia metropolitana, onde existirão novas centralidades em cada cruzamento com eixos transversais, que poderão sempre ligar o extremo norte ao extremo sul da trama urbana continua da metrópole. As pesquisas de origem e destino que certamente foram usadas para estes projetos das duas alças perderiam e perderão assim o seu valor aparentemente científico.
Diante de todos estes aspectos, manifestações e proposições, vimos apoiar a petição da Ação Civil Pública para sustação das obras da “Nova Marginal”, destacando para o Poder Judiciário a importância da Liminar, para que se possa fazer um estudo em comum destas e de outras diretrizes para se elaborar um Projeto detalhado das vias de Apoio Norte e Sul, a partir do Plano Diretor e suas eventuais variantes dentro do traçado e do Plano Diretor Global de Circulação a ser elaborado para toda a Metrópole. Os recursos orçados para a construção da Nova Marginal poderão assim ser utilizados para que sejam viabilizadas as duas soluções, com vias de transporte contínuo, duas grandes avenidas ordenadoras do sistema viário em toda a sua extensão, dois corredores de transportes coletivos com alta qualidade e articulados com os eixos norte e sul e que levem ao Centro da Capital e ao futuro Centro Metropolitano, dentro do Parque Linear Urbano e Metropolitano do rio Tietê, e dois sistemas integrados de ciclovias, valorizando também paisagisticamente as margens do rio em seu trecho urbanizado.
Portanto, fazemos um apelo ao Judiciário para que se cumpra a lei, concedendo a Liminar, enquanto é tempo, obrigando o Governo Estadual e Municipal a estudar uma alternativa, como exigem os EIA-RIMAS, para a diminuição do tráfego da Marginal, tanto quanto seria diminuído com a Nova Marginal, privilegiando-se o estudo detalhado das duas vias de apoio paralelas ao rio, parte da lei maior da cidade (Plano Diretor) e que se integrem a um Plano Diretor Metropolitano de Circulação Global para a Metrópole para qualquer uma das duas alternativas. Além disso, o nosso apelo é para que se definam as providências pioneiras para que seja constituída uma equipe paritária, com quorum qualificado, tomando as decisões necessárias para a definição das diretrizes e normas dos planos e projetos a serem elaborados pelos Governos conveniados.
O caráter de todas estas conclusões e proposições exige que se tomem imediatamente as medidas para a paralisação das obras e das suas propagandas enganosas e maciças, apresentadas nas emissoras de rádio da Metrópole, segundo as quais o paulistano vai receber mais seis pistas na Marginal e o tempo de viagem será reduzido à metade.
Acreditamos que a realização dos necessários estudos simultâneos, possa fazer parte de uma estratégia de médio e longo prazo, que tenha como resultado a liberação do Tietê de suas marginais ainda na metade deste século. Com isso, poderá se tornar viável para todas as classes sociais a ampla liberdade de circulação por toda a metrópole, assegurando a possibilidade de acesso a transportes coletivos adequados e o resgate dos córregos e rios mais importantes. Tudo isso, sem prejuízo de que mais cidadãos possam ter os seus automóveis cada vez mais baratos, mas sem competir com a universalidade dos transportes coletivos e acessibilidade e mobilidade para os pedestres, considerando-se todos os moradores da metrópole de todos os extratos econômicos, inclusive com sistemas de transporte de bairro capazes de trazer os sistemas de circulação inter-regionais até cada unidade de vizinhança.
Assim, estaremos nos alinhando àquelas grandes metrópoles do mundo – veja-se o recente exemplo da cidade de Seul, Coréia, visitada pelo Prefeito de São Paulo no mês de maio – aonde os rios vêm merecendo tratamento oposto: como marcos hidrográficos e estruturais do território urbano, e apropriados como elementos de qualificação da paisagem e da estruturação urbana, inibindo-se a conexão com o automóvel e incentivando a conexão com os transportes coletivos inclusive fluviais, com o pedestre, com a vegetação e os Espaços Urbanos. São ações que, se realizadas, possibilitarão, a médio e longo prazo, devolver o rio Tietê ao pedestre e às circulações de dentro do Parque, com sua extensão de noventa quilômetros, desde Mogi das Cruzes até Itapevi, articulando-se estas vias internas aos futuros portos do rio, que poderá e deverá ser navegável nas próximas décadas.
Metrópole de São Paulo, 1 de setembro de 2009
ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS (AGB); SINDICATO DOS ARQUITETOS DO ESTADO DE SÃO PAULO (SASP); ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ARQUITETOS PAISAGISTAS (ABAP); GRUPO DO PATRIMÔNIO DO INSTITUTO DOS ARQUITETOS DO BRASIL – SP, MOVIMENTO DEFENDA SÃO PAULO, REDE BUTANTÃ DE ENTIDADES E FORÇAS SOCIAIS, ASSOCIAÇÃO ESPAÇO COMUNITÁRIO COMENIUS, ASSOCIAÇÃO CULTURAL DA COMUNIDADE DO MORRO DO QUEROSENE.