Por Marina Schneider,
Postado: Fazendo Media
foto Gabriel Bernardo/Fazendo Media
As transformações políticas no mundo árabe, as manifestações na Europa e o papel das redes sociais na convocação dessas manifestações foram alguns dos temas tratados na durante mesa “Século XXI: mídia e ebulição do mundo latino, árabe e europeu”. A ocultação de informações e má qualidade da cobertura da mídia hegemônica sobre esses temas e as mudanças nos sistemas de comunicação em vários países da América Latina foram também foram tratados durante o debate, que aconteceu na quarta-feira, 16/11, e contou com palestras de Ignacio Ramonet, Pascual Serrano e Dênis de Moraes e encerrou o primeiro dia do 17º Curso Anual de Comunicação do NPC.
Vito Giannotti coordenou a mesa, que contou também com a participação de Olímpio Alves dos Santos, presidente do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (Senge-RJ), principal responsável pela primeira versão em português da primeira parte do livro de Serrano “Desinformação. Como os meios de comunicação ocultam o mundo”, publicado pelo Senge-RJ.
Primaveras árabes e ebulição na Europa: redes sociais não tiveram papel central
O jornalista Ignacio Ramonet introduziu o tema fazendo um contexto geopolítico do mundo árabe e ressaltou que não foram os meios de comunicação e as redes sociais que produziram as transformações nos países. Para ele, o primeiro ponto impulsionador das revoluções foi, no caso da Tunísia, o fato de as populações terem acesso a revelações do Wikileaks que revelaram como funcionava a corrupção no país. A rede de televisão Al Jazeera foi o segundo elemento apontado por Ramonet que levou informação à população do país.
“Desde que foi criada, a Al Jazeera mudou a comunicação do mundo árabe e a visão que os árabes têm deles mesmos”, disse Ramonet. Foto : Gabriel Bernardo/Fezendo Media
Por último ele apontou a relevância das redes sociais na convocação das manifestações. “O Twitter não serve para criar um sentimento revolucionário. Esse sentimento de protesto já existia devido às condições materiais de existência”, ressaltou. De acordo com Ramonet, as redes sociais serviram permitiram a organização de manifestações com 20, 30, 40 mil pessoas, o que dificultou a repressão por parte dos governos ditatoriais. “Não foi uma revolução no sentido marxista, mas uma transformação no regime. Em menos de um mês, 55 anos de ditadura caem e, pela primeira vez na história triunfa a liberdade”, explica Ramonet. “As redes sociais foram a ferramenta nova que permitiu que as classes médias e populares se unissem. Os meios de comunicação não tiveram um papel central, mas muito importante”, afirma.
Serrano concorda que as redes sociais não são centrais nas mudanças. Analisando o caso da Europa, ele reforçou que estes instrumentos servem para marcar o dia e horário de uma manifestação ou desmarcar, por exemplo, quando se sabe que haverá grande repressão policial. “As redes sociais podem levar as pessoas às ruas, conseguiram encher as ruas de gente, coisa que as organizações sociais e políticas não têm conseguido, mas essas manifestações acabaram adotando os formatos das redes, mimetizando as redes”, disse.
O jornalista criticou a falta de um posicionamento político contundente nas manifestações feitas na Europa. Ele lembrou que no mundo árabe foram derrubados presidentes e há novas expectativas, mas que na Europa não há mudanças deste tipo e que as manifestações não tinham programa político definido. “Os argumentos ideológicos são comentários feitos por pessoas no Facebook, por exemplo. As propostas de ação também são ambíguas e ingênuas”. Ele citou um político de esquerda da Espanha que disse que antes de encher as ruas com pessoas deveríamos ter enchido a cabeça das pessoas de ideias.
“É necessário criar algo, um partido, um movimento organizado, um sujeito político organizado. Se isso não acontecer vamos ficar em uma rede muito frágil”, destacou. Foto: Gabriel Bernardo/Fazendo Media
AL: Mudanças na legislação são importantes, mas pressão social também é fundamental
O professor da Universidade Federal Fluminense, Dênis de Moraes, falou sobre as mudanças nas políticas públicas de comunicação introduzidas por governos progressistas na América Latina nos últimos anos. Segundo ele, a área é um laboratório em andamento de experiências de combate ao neoliberalismo. “O processo de transformação na área de comunicação é extremamente importante devido à herança dos monopólios, que controlam a comunicação de maneira autoritária e perversa”; disse. Dênis lembrou que junto com a concentração monopólica estão a violência simbólica e patrimonial desses sistemas, que ainda resistem de todas as maneiras às mudanças em curso.
“Isso tem a ver com um traço distintivo da comunicação: os meios são também agentes econômicos com potência, além de serem agentes ideológicos”, ressaltou. Foto: Gabriel Bernardo/Fazendo Media
Ainda assim, em vários países da América Latina, há esforços para discutir com a população e aprovar novos marcos regulatórios principalmente na área de radiodifusão, que são concessões públicas. “Esse tem sido um dos setores mais priorizados pelos governos progressistas”, disse, lembrando que Venezuela, Bolívia e Equador, países que fazem parte da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA) têm efetivamente um compromisso mais forte para mudar as leis e desenvolver outras mídias que não sejam as hegemônicas.
“Essas transformações partem do princípio de que a comunicação diz respeito ao interesse público e coletivo e não pode ser aprisionada por interesses mercantis. Por isso é importante que políticas públicas de comunicação claras, nítidas e permanentes sejam estabelecidas”, explicou, lembrando que a forma de traduzir este entendimento – que é consensual em países com governos progressistas – varia muito. Segundo ele, a Argentina, que aprovou sua Lei de Meios em 2009, reconhecida pela Unesco com a legislação de mídia mais antimonopólica do mundo, entrou no grupo dos países mais firmes nos últimos anos. Dênis lembrou que Equador e Uruguai têm projetos de lei em tramitação semelhantes à Lei de Meios argentina e a Venezuela aprovou nesta semana uma nova lei de comunicação popular para impulsionar a com comunitária e alternativa.
Dênis de Moraes ressaltou que as mudanças no sistema de comunicação não devem se limitar apenas à mudanças na lei. Elas envolvem um conjunto diversificado e articulado de ações que deve contar com a reorganização dos sistemas públicos e estatais, apoio do poder público a meios alternativos e comunitários, estímulo à produção audiovisual independente e integração entre governos de vários países para intercambiar produções. Mas, segundo ele, para garantir, aprofundar e levar adiante as mudanças é necessário que haja pressão social organizada em torno de projetos de mudanças, que não são só dos governos. “Há em muitos destes países diversos projetos de mudanças. Muita coisa está acontecendo na base da sociedade civil, não é só a ação estatal. O apoio do poder público a essas ações tem que ser intensificado desde que o poder público respeite a autonomia dos meios”, disse. Segundo ele, os avanços estão ocorrendo mas trazem desafios. “Os laboratórios de esperança só vão permanecer e avançar com respaldo popular, da sociedade civil”, completou.