Por Luiz Araújo
Nesta semana o governo federal apresentou a memória de cálculo de sua proposta de Plano Nacional de Educação. São dois documentos que foram enviados para a Comissão Especial que analisa a matéria na Câmara dos Deputados.
O primeiro documento, contendo 121 páginas, apresenta as justificativas técnicas para cada uma das metas, descrevendo o dado diagnóstico utilizado. Em alguns casos é feito detalhado esforço para justificar a opção metodológica que presidiu o cálculo.
O segundo documento é uma síntese do primeiro, apresentando o quantitativo de alunos considerados como referência para cada meta, o custo aluno utilizado para determinar o custo financeiro da meta na próxima década. E compara estes valores com o PIB.
Apresento algumas impressões iniciais sobre a planilha resumo, pois a mesma ajuda a elucidar vários aspectos da proposta governamental.
1°. Os números encontrados são diferentes daqueles anunciados pelo Ministro em audiência na Câmara dos Deputados. Na oportunidade o ministro disse que os cálculos ministeriais apontavam para um gasto de 80 bilhões adicionais na vigência do PNE. O estudo apresentado indica 61 bilhões para cumprir as metas. Não é uma diferença pequena (19 bilhões a menos), mas pode indicar que as contas ainda não estavam prontas, pelo menos no formato que foi enviado.
2°. Coincidentemente para alcançar 2% do PIB seriam necessários 62 bilhões, cifra quase igual à encontrada. Ou o estudo estava pronto e estava dotado de alto grau de precisão ou o MEC fez uma “conta de chegada” para provar a veracidade dos 7% defendidos. É difícil de saber a verdade.
3°. São utilizados como valor por aluno os números encontrados pelo SIOPE. Considero este procedimento perigoso, por que já foi apresentado ao Ministério pela UNDIME a fragilidade dos dados relativos à educação infantil e educação de jovens e adultos, que estão sub-declarados. Ou seja, a conta do MEC está subestimando o real gasto por aluno atual e, conseqüentemente, os recursos necessários para incluir novos alunos, pelo menos nestas duas etapas, estão projetados em números rebaixados.
4°. Como o SIOPE não possui valor por aluno para creche, pois o seu nível de desagregação chega apenas à educação infantil (com os problemas já citados), o MEC optou por utilizar este dado como válido para calcular as matrículas de creche e pré-escola. Novamente este procedimento subestima o real custo da expansão de creche.
5°. Depois de utilizar várias páginas de arrazoado técnico na Nota Técnica visando provar que o comportamento demográfico tornará desnecessária ampliação de gastos para universalizar o atendimento de seis a dezessete anos, a planilha não mensura custos adicionais para a inclusão de 700 mil alunos de seis a quatorze anos, nem para inserir na escola um milhão e meio de jovens de quinze a dezessete anos. É um procedimento temoroso, pois mesmo concordando com o comportamento de redução demográfica, o que no mundo real tem acontecido é que continuamos tendo que construir novas escolas, especialmente nas regiões mais pobres e na área rural.
6°. Quando é feito o cálculo da meta que estabelece a erradicação do analfabetismo, o MEC considera também desnecessária a aplicação de recursos adicionais. São mais de 14 milhões de jovens e adultos e analfabetos para alfabetizar em dez anos. Durante oito anos de governo Lula, com a dotação orçamentária atual, conseguiu-se reduzir de 11,6% para 9,7%. Não é razoável supor que o ritmo atual de gastos será suficiente para dar conta do cumprimento da meta. Os cálculos do IPEA já apontaram para 20 anos de trabalho se for mantido este ritmo.
7°. Em relação à meta de elevação da cobertura de tempo integral a planilha esclarece uma das dúvidas do PL n° 8035/10: cinqüenta por cento de escolas equivale para o governo a 25% de matrículas. Era melhor ter dado esta redação.
8°. Quando o documento calcula o custo da duplicação de oferta de ensino profissionalizante determina que a ampliação siga a mesma proporção existente atualmente entre público e privado, ou seja, a rede pública ofertará 52% das novas vagas. Dependeremos dos incentivos econômicos que o governo vai oferecer a iniciativa privada para cumprirmos o restante da meta (via Pronatec).
9°. Um problema adicional no cálculo do ensino profissionalizante: o governo considera que o custo é a diferença entre o custo de ensino profissional (6.000,00) e do ensino médio propedêutico (2.300,00). Isto quer dizer que a projeção é de inserir no ensino profissionalizante alunos já existentes, pois novos alunos (temos um milhão e meio fora da escola) custariam 6.000,00 reais e não apenas 3.700,00.
10°. O cálculo da expansão do ensino superior obedece à mesma lógica de dependência do crescimento da iniciativa privada. O PL não estabelece percentual de cobertura pública para a expansão, mas a planilha revela que a proposta do MEC é manter essa participação nos patamares atuais. Trabalha com 26,4%.
11°. Revela um dado que justifica uma opção. Uma vaga pública no ensino superior é projetada em 15.500,00 e uma vaga a distância em 3.000,00. A proposta do MEC é que o crescimento público seja metade à distância.
Durante a semana voltarei a tratar de outros instigantes aspectos que a planilha e a Nota Técnica introduziram no debate do PNE.
Segunda-feira, 16 de maio de 2011
Escondido na planilha
Uma das polêmicas centrais do Projeto de Lei nº 8035 de 2010 é o formato de expansão do ensino superior para a década 2010-2020.
No Projeto de Lei está previsto elevar a taxa bruta para 50% e a taxa líquida para 33% em 2020 na faixa etária de 18 a 24 anos. No texto da meta 13 e nas estratégias que se seguem não há previsão de percentual de vagas públicas que serão abertas.
Desde o PNE anterior que a sociedade civil trava uma enorme batalha contra o modelo de crescimento que se baseia na liberalização da iniciativa privada. Naquela época chegou-se a aprovar que a oferta de vagas deveria ser 40% pública, mas este dispositivo foi vetado pelo FHC e Lula não fez nenhuma força pra derrubá-lo.
Assim, em 2001 o setor público representava 32% das vagas e em 2009, segundo dados fornecidos pelo MEC, este percentual havia caído para 26,4%.
A CONAE aprovou proposta que estabelece que o novo plano deva trabalhar para que em 2020 60% das vagas sejam públicas, mas esta proposta foi excluída do PL enviado pelo Executivo.
Até semana passada pairava apenas uma suspeita sobre a intenção do governo, mas com o envio de documentos para a Comissão especial, especialmente lendo a Planilha de Cálculo dos gastos necessários para viabilizar o PNE esta dúvida é elucidada.
Os cálculos do governo se baseiam em duas premissas que não estão escritas no Projeto de Lei, o que no mínimo representa uma tentativa de ocultar suas verdadeiras intenções. Em primeiro lugar, o governo trabalha com a manutenção da taxa de atendimento público para o próximo período, ou seja, de 5,3 milhões de vagas que precisarão ser criadas, apenas 26,4% serão públicas.
E mais, destas 50% serão criadas em cursos à distância, inclusive aquelas destinadas à formação inicial dos professores.
Nada mais cristalino. O caminho da expansão de vagas será majoritariamente privado, mesmo que subsidiada em parte com isenções fiscais e financiamento estudantil a juros baixos. E das vagas públicas, metade será à distância, as quais custas cinco vezes menos, segundo o próprio documento citado.
Tá na hora das entidades acadêmicas e estudantis colocarem a boca no trombone!!
Quarta-feira, 18 de maio de 2011