Por Lúcia Rodrigues
Manifestantes ligados a movimentos de direitos humanos e parentes de vítimas protestaram nesta terça-feira, 18, no centro de São Paulo, contra decisão do STF, que manteve torturadores impunes
A OEA (Organização dos Estados Americanos), organismo da ONU, começou julgar nesta quinta-feira, 20, na Costa Rica, os crimes praticados pela ditadura militar brasileira. Será apreciado neste primeiro momento, o caso dos 70 desaparecidos políticos da Guerrilha do Araguaia, assassinados pelas forças da repressão, no início dos anos 70.
Os corpos dos 70 guerrilheiros ainda não foram localizados e nem seus assassinos, punidos. Familiares das vítimas do Araguaia movem ação na justiça brasileira, desde 1982, para identificar os restos mortais desses ativistas políticos e conhecer as circunstâncias de suas mortes e seus assassinos. Mas não tiveram os questionamentos respondidos pelo poder judiciário brasileiro até hoje. A omissão jurídica permite que a corte interamericana de direitos humanos se manifeste sobre o assunto.
Para Vivian Holzhackel, representante do Cejil (Centro pela Justiça e Direito Internacional), entidade que acompanha o julgamento do caso brasileiro no tribunal internacional, instalado no país da América Central, a tendência é a de que o Estado seja condenado no fórum. “Nossa expectativa é de que o Brasil será condenado”, antecipa.
Ela conta que uma decisão favorável aos familiares, obrigará o governo brasileiro a rever inclusive a Lei de Anistia, recentemente apreciada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que optou por manter impunes os torturadores da ditadura militar. “O Brasil assinou e ratificou diversos tratados internacionais e terá de cumpri-los” enfatiza.
A forma como o Estado irá cumprir essa decisão ainda não está clara. “Essa é a grande pergunta que o Brasil está fazendo, inclusive vários professores de direito constitucional (estão questionando isso), mas o país terá de rever essa decisão (do STF)”, afirma.
O caso do ex-presidente do Peru, Alberto Fujimori, segundo Vivian, é um dos exemplos de jurisprudência internacional que pode embasar a decisão do Estado brasileiro. Com base na recomendação da OEA, o ditador peruano foi condenado há 25 anos, pela suprema corte do país andino, devido às violações aos direitos humanos cometidas durante seu governo. A decisão da OEA, no caso brasileiro, deve sair até o final deste ano.
Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, um dos organizadores do ato que ocorreu nesta terça-feira, 18, em frente à Secretaria de Justiça, no centro da capital paulista, para protestar contra a impunidade dos torturadores da ditadura militar, também está confiante em uma decisão favorável do tribunal internacional. “Esperamos que o Supremo volte a discutir o assunto e que a justiça seja feita em nosso país”, ressalta.
O candidato à presidência da República pelo PSOL, Plínio de Arruda Sampaio, compareceu ao ato contra a impunidade dos torturadores e afirmou que pretende utilizar sua campanha para denunciar essas arbitrariedades.
Ele também acredita que a corte da OEA vá condenar o Estado brasileiro. Mas é cético em relação a como o governo conduzirá internamente a questão. “Não acredito que se sensibilizem com a decisão, continuarão impedindo que esses crimes sejam punidos”, afirma referindo-se às autoridades do país.
Tortura hoje
Para a coordenadora do Observatório das Violências Policiais e companheira do jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado sob tortura no DOI-Codi paulista, em 1971, Angela Mendes de Almeida, a decisão do STF incentiva a perpetuação da prática de tortura no país nos dias de hoje. “A mensagem é de que (os policiais) podem torturar a vontade”, lamenta.
Além da decisão do STF, mais um processo movido contra torturadores foi arquivado pela Justiça recentemente. Outro ainda está em tramitação, em Brasilia. Em ambos, o ex-comandante do DOI-Codi paulista, Carlos Alberto Brilhante Ustra, figura como réu. No que foi arquivado e que é movido por Angela e pela irmã do jornalista, Regina Merlino, o ex-presidente da República e senador José Sarney (PMDB-AP) seria testemunha de defesa de Brilhante Ustra. Com o arquivamento do caso, Sarney não chegou a depor a favor do torturador.
O jornalista Pedro Estevam da Rocha Pomar, neto do dirigente do Comitê Central do PC do B (Partido Comunista do Brasil), Pedro Pomar, assassinado em dezembro de 1976, pelos militares do DOI-Codi, no episódio que ficou conhecido como o Massacre da Lapa, também considera que a decisão do Supremo Tribunal Federal dá salvo conduto para as forças policiais agirem com truculência.
“Autoriza indiretamente que as polícias militares sejam máquinas de matar. A polícia militar brasileira é a que mais mata no mundo. Em maio de 2006 tivemos um banho de sangue em São Paulo, que permanece impune. Recentemente, trucidaram um brasileiro na frente da mãe. Não adiantou suplicar. A polícia está habituada a matar” critica o jornalista.