Por Vinicius Mansur
Diante da expressiva vitória que garantirá ao MAS-IPSP mais de dois terços da bancada na futura Assembléia Plurinacional, Evo Morales afirma que o atual processo político é imparável e será aprofundado.
O candidato de extrema direita, Manfred Reyes Villa, do Plano Progresso para Bolívia – Convergência Nacional (PPB-CN), principal adversário do presidente Evo Morales nessas eleições, realizou seu ato de fechamento de campanha na cidade de La Paz na quarta-feira, dois de dezembro. Pouco menos de 700 pessoas deixaram alguns espaços vazios em um auditório, no centro da cidade. Na quinta-feira, dia três, foi a vez do Movimento ao Socialismo – Instrumento Político para a Soberania dos Povos (MAS-IPSP), que em El Alto, cidade vizinha à La Paz, congregou cerca de um milhão de pessoas em um festa democrática que se estendeu desde das 14 horas até as altas horas da madrugada.
Era o anúncio da acachapante vitória eleitoral de Morales. Após quase quatro anos de gestão, marcados por forte polarização política e oposição violenta, as eleições que definem os novos presidente, vice-presidente, senadores e deputados da Bolívia aconteceram em um tranqüilo domingo, seis de dezembro, e confirmaram a vitória, em primeiro turno, do primeiro presidente indígena da América Latina.
O chefe da delegação de observadores do Mercosul, Florisvaldo Fier, considerou o processo como “transparente e um sinal exemplar para todo o continente”.
De acordo com Corte Nacional Eleitoral (CNE), os números finais da eleição só devem ser divulgados na semana que vem. Porém, as pesquisas de boca de urna apontaram que Evo Morales possui 63% dos votos. Já na noite de domingo (6), em La Paz, Morales fez pronunciamento como presidente reeleito, enquanto, em Santa Cruz, Manfred admitiu que fará uma oposição responsável.
O presidente disse que espera alcançar 67% ao término da apuração, mas que já está contente com o resultado:
“É um feito histórico, porque em 2005 obtivemos cerca de 1,7 milhões de votos, agora são 2,7 milhões. Estou seguro de que vamos seguir somando e o que disse nosso avô se cumpriu. Nosso avô Tupac Katari disse: ‘eu morro, mas voltarei e serei milhões’; agora sim somos milhões.”
A maioria absoluta
Caso se confirme os números das pesquisas de boca de urna, o MAS-IPSP alcançará mais de dois terços de representação no futuro Congresso Nacional, que a partir de 2010 se chamará Assembléia Plurinacional. Dentro do quadro atual, os masistas possuem, pelo menos, 24 das 36 vagas do Senado e 85 das 130 da Câmara de Deputados.
Em seu primeiro pronunciamento após as eleições, Evo Morales declarou: “Diante da obtenção dos dois terços, estou obrigado a acelerar o processo de mudanças”.
De acordo com o porta-voz de campanha do partido, Jorge Silva, os dois terços significam a garantia de implementação da nova Constituição:
“Com os dois terços temos toda a legitimidade que precisamos, a direita já não pode colocar isso como barreira para nós, como fizeram na Assembléia Constituinte. Já temos 100 projetos de lei preparados e 39 deles são de caráter orgânico. Se tivéssemos só a maioria simples, eles poderiam fazer as coisas caminharem muito mais devagar. Agora temos muita responsabilidade, porque não há a desculpa de que a direita está nos freando.”
Segundo Silva, sem os dois terços a base governista poderia não aprovar, por exemplo, a lei que regulamentará as autonomias municipais, departamentais e indígenas, a lista de candidatos aos órgãos judiciais ou os referendos que visem modificar a Constituição. Porém, o masista garantiu que o governo não tem intenção de fazer modificações constitucionais, nem mesmo nos textos pactuados com a oposição à época da Assembléia Constituinte, como é o caso do artigo 399, que estabelece que a limitação da propriedade agrária em cinco mil hectares só se aplica aos imóveis rurais adquiridos depois da aprovação da Constituição.
De acordo com o analista político, Hugo Moldiz, a maioria absoluta almejada pelo MAS-IPSP não é necessária para aprovação de muitas leis importantes que construirão uma nova arquitetura institucional do Estado. Porém, garantido os dois terços, ele espera um salto no debate. “O tema agora não é a quantidade, senão a qualidade com que esses dois terços se traduzirão em conteúdo das leis”, frisou.
E a direita foi para onde?
As pesquisas de boca de urna indicam que o segundo colocado, Manfred Reyes Villa, obteve 28% dos votos e o terceiro, Samuel Doria Medina, 6%. Um análise departamental dos votos, demonstra que Evo Morales venceu em La Paz, (80%), Cochabamba (65%), Oruro (80%), Potosí (77%), Tarija (48%), Chuquisaca (52%) e Pando (49%), sendo que estes três últimos eram a favor da revogação do mandato do presidente no plebiscito realizado em agosto de 2008, integrando a chamada “meia-lua” – o bloco de departamentos do oriente boliviano que fazia oposição ao governo. Em Santa Cruz e Beni, Morales ficou em segundo lugar, com 40 e 39%, respectivamente.
A área rural confirmou o tradicional voto em peso no MAS-IPSP, que conquistou cerca de 80% deste eleitorado, contra 19% de Manfred. Na área urbana, a vitória de Evo foi de 54%, contra 30% do direitista, contradizendo a fama de que a gestão masista “governa somente para camponeses e indígenas”.
O porta-voz de campanha do MAS-IPSP, Jorge Silva, considera que o avanço do seu partido sobre áreas antes dominadas pela direita é resultado das políticas sociais do governo. “Em departamentos como Pando, Beni e Chuquisaca estão os mais altos índices de extrema pobreza e é aí que a política de bônus [espécie de Bolsa Família boliviano] faz mais diferença para o povo”.
O intelectual Raúl Prada, integrante do grupo de estudos Comuna, ao qual pertence o vice-presidente Linera, considerou que a derrota da direita é resultado de um acúmulo, fruto “das atitudes violentas de setembro de 2008 ocorridas em Santa Cruz e Pando, da aprovação por referendo da Constituição e, por último, do fato de que esta inclui a demanda de autonomias departamentais como parte do ‘que fazer’ nacional”.
Para Hugo Moldiz, os números desta eleição também se explicam por um avanço na consciência e organização “diante de uma estrutura de dominação que há décadas é usada para submeter esses povos”. Este crescimento eleitoral do MAS-IPSP, segundo Moldiz marca também o fim de uma polarização.
“O MAS avançou progressivamente na construção de una hegemonia, expressa em seu resultado eleitoral. Ele nos mostra que amplos setores das capas médias se incorporaram ao processo, seja sinceramente, como produto da constituição da hegemonia do MAS, ou como mecanismo de sobrevivência daqueles que sentem que sua “preservação” depende de estar dentro e não fora do processo”, analisou.
O futuro da direita, na opinião de Moldiz, depende de uma grande reorientação estratégica que a permita “ter uma leitura da subjetividade social predominante hoje e dos limites que essa própria subjetividade pôs à reprodução do capital”. O masista Jorge Silva apontou que outra mudança fundamental pela qual deverá passar a direita será a renovação total de suas lideranças.
Caricatura da direita boliviana
Referendo Autonômico
Junto à escolha dos seus novos representantes políticos, os eleitores de La Paz, Chuquisaca, Potosí, Oruru, Cochabamba e Tarija também opinaram pelo ingresso ou não de seus respectivos departamentos no regime autonômico previsto na Nova Constituição Política de Estado. As pesquisas de boca de urna apontaram que a adesão foi aprovada em todos os departamentos.
Além disso, 12 comunidades indígenas e camponesas originárias, que somam aproximadamente 200 mil eleitores, também decidiram por aceitar ou não a autonomia especial proposta pela nova carta magna. Segundo o Ministério de Autnomias Indígenas, pelo menos oito comunidades aprovaram a proposta.
Outra novidade desta eleição foi a participação dos bolivianos residentes no Brasil, Argentina, Estados Unidos e Espanha. Ao total, mas de 160 mil migrantes bolivianos estavam aptos a votar.
O novo mandato já começou
O primeiro passo dado por Evo Morales para construir seu segundo mandato foi um chamado à unidade. Em discurso ainda na noite de domingo (6), o presidente convocou “autoridades que não querem trabalhar com Evo, prefeitos, dirigentes cívicos, empresários e intelectuais a servir à Bolívia”. Em tom conciliador, Morales afirmou:
“Venham trabalhar pela Bolívia porque este é um governo da cultura do diálogo”.
Em resposta, o presidente da Câmara de Indústria, Comércio, Serviços e Turismo de Santa Cruz (Cainco), Eduardo Paz, deixou subentendido que haverá pacto entre as partes. “Quando setores comerciais e produtivos trabalham com seus governos em suas diferentes instâncias se tem bons resultados”, sinalizou.
Já nesta terça-feira (8), Morales convocou uma reunião ampliada do poder executivo para planejar as fontes de financiamento do plano de governo 2010-2015. “O centro de gravidade é a industrialização, o desenvolvimento econômico, produtividade, proteção social e as telecomunicações”, explicou o ministro da Presidência Juan Ramón Quintana. Segundo o ministro, o eixo motor será a industrialização dos recursos naturais até 2015, em especial do gás natural, petróleo, lítio e ferro, além da instalação do satélite próprio boliviano, batizado de Tupac Katari.
Em termos legislativos, Morales afirmou na reunião que maioria do MAS conquistada para a próxima Assembléia Plurinacional “não será um mecanismo para fins pessoais, como faziam os partidos tradicionais”. O presidente pediu prioridade à aprovação da Lei Anticorrupção “Marcelo Quiroga Santa Cruz” – que permite a investigação de fortunas, mas se encontra travada desde 2006 no Senado –, além de leis que permitam o acesso a informação e a quebra do sigilo bancário de ex e atuais autoridades.
Bastante argüido pela imprensa comercial sobre um possível terceiro mandato, o presidente respondeu: “Uma interpretação da nova Constituição Política de Estado permite uma eleição e uma reeleição. Entretanto, no meu caso, nunca pensei nisso”.