Por Fernando Silva (Tostão) – da Executiva Nacional do PSOL
A deputada federal licenciada do PSOL, Luciana Genro, divulgou o artigo “Um passo atrás, dois passos à frente!”. Nele, parte de considerar acertada a decisão da Executiva Nacional do PSOL de aprovar, por maioria, uma comissão para abrir negociações com a pré-candidata do Partido Verde (PV), Marina Silva. O artigo da companheira argumenta que é correto apoiar a candidata do PV, pois essa seria a melhor tática do PSOL para as eleições de 2010.
Com toda fraternidade e respeito que merece a companheira Luciana, que foi uma das mais expressivas figuras públicas na fundação do PSOL, discordamos de cara do enunciado do artigo.
Para começar, foi um erro importante da direção máxima do partido aprovar a abertura de negociações com Marina Silva, num momento em que o partido ferve de incertezas e mal inicia um debate a sério sobre o que fazer na disputa de 2010.
Pior ainda: aprovou uma plataforma de “condições” que sequer exige da candidata do PV um pronunciamento de ruptura para com a política econômica do governo Lula, nem pede um debate sobre uma necessária ruptura do seu partido com os tucanos e democratas, direita na qual estão hoje abrigados setores expressivos do PV.
Como conseqüência dessa “abertura de porteira”, os apoiadores diretos do caminho Marina — com franqueza elogiável, registre-se — saem a campo expondo suas posições. É o caso da companheira Luciana Genro.
Nota-se no artigo que todos os argumentos são táticos. Trata-se de buscar o melhor atalho possível para não ficar na marginalidade, em uma eleição em que as circunstâncias são de fato difíceis para a esquerda socialista e revolucionária. O problema dos argumentos excessivamente táticos é que, ao abandonarem o horizonte estratégico, abandonam também razões que mantiveram até aqui o projeto PSOL.
Uma esquerda anticapitalista não pode estar colada a um processo que não rompe com a política econômica, ou com as ilusões de que é possível disputar alas progressistas de setores governistas e das entranhas do governo. Ou seja, um processo que de fato sequer separou-se pra valer do governo Lula.
Exagero nosso? Basta observar, sobre isso, o que a própria Marina Silva está dizendo agora, após a votação da Executiva do PSOL:
”Na semana passada, o governo fez dois anúncios extremamente significativos: a menor taxa de desmatamento já registrada na Amazônia e o compromisso de reduzir a tendência de crescimento das emissões de gases de efeito estufa entre 36,1% e 38,9% até 2020.
São resultados importantes, conseguidos, ao longo dos anos, com a forte e contínua pressão de diferentes segmentos da sociedade e do Ministério do Meio Ambiente na construção de uma política ambiental. Sem isso, o compromisso do governo com a redução de emissões simplesmente não teria saído.
Saúdo o governo por isso e lembro que esses anúncios precisam fazer parte de uma visão estratégica de país. Aliás, a luta pelo cumprimento de tais metas está só começando (…) O Brasil está com tudo a seu favor e pode brilhar em Copenhague.
Só não podemos permitir que setores mais atrasados do governo e do agronegócio tenham êxito na desconstrução da legislação que sustenta as medidas que levaram a esses resultados. O Brasil deve assumir a vocação de líder e deve estar à altura das responsabilidades nacionais e globais que isso implica” (Opinião pública e mudança climática, Folha de S. Paulo, 16/11/2009).
Bem, se depender da posição da companheira Luciana Genro e da sua corrente no partido, o PSOL pode, em nome de acumular melhores condições no futuro, entregar seu patrimônio e sua história de coerência para uma candidatura que saúda o governo na sua inaceitável política ambiental e compactua com a idéia de que o problema são os “setores atrasados do governo e do agronegócio”.
Cabe perguntar se a companheira Luciana e sua corrente pensam em mudar de posição no debate feito pelo PSOL, contra a maior parte da esquerda desde 2004, sobre a existência ou não de setores progressistas no governo Lula, que permitiriam cogitar a possibilidade de que este governo estivesse “em disputa” ou algo pelo estilo.
Se Luciana Genro e a sua corrente não mudaram de posição, qual o sentido de subordinar o PSOL a esse tipo de perfil nas eleições de 2010? Em nome de um espaço maior para dialogar com o povo? Mas isso é de uma incoerência completa. Como dialogar com a população trabalhadora dentro de uma coalizão cujo partido principal abriga parte da família Sarney?
O máximo da incoerência no argumento do “diálogo com o povo” é que o artigo propõe que abramos mão da exposição pública, do tempo de TV e do perfil próprio para falar e dialogar com dezenas de milhões de brasileiros, aliás, mais de 130 milhões de eleitores (sendo um pouco mais precisos), para nos escondermos nas asas de uma candidatura amiga dos setores “progressistas” do governo. E do agronegócio! Além de também de governos estaduais e municipais tucanos e democratas.
Abrindo mão do projeto PSOL
Na fundação do PSOL compartilhávamos todos da concepção segundo a qual, na atual etapa, é imperioso um partido anticapitalista amplo, para reaglutinar forças e dissidências da esquerda socialista, sem ultimatos e programas prontos. E plural, democrático, que aceitasse o direito de tendências. Por isso, não vimos nenhuma possibilidade de um partido comum com o PSTU. E mesmo reconhecendo naquele partido uma vertente da esquerda revolucionária brasileira, esta impossibilidade continua vigente dadas as grandes diferenças de concepção partidária, programáticas e de tarefas na atual etapa da reorganização de forças na esquerda.
Mas não é isso que está em debate agora no partido. Chega a ser desleal com a militância e setores do PSOL, e mesmo com o PSTU, utilizar aquele partido para mascarar o giro político da deputada e sua corrente, como se todos os que não concordam agora em apoiar a Marina fossem sectários, avessos ao diálogo com a população etc. e tal. Seja lá qual o for o ângulo com que se analise esta argumentação, ela é simplesmente grosseira.
O problema em questão é que Luciana Genro e sua corrente estão propondo que o PSOL abra mão de uma de suas razões de ser. E o artigo da deputada reconhece essa razão: ser oposição de esquerda ao governo Lula.
É possível acumular posições e inserção de massas em períodos defensivos mantendo o perfil próprio e independência política. Se, por exemplo, o Bloco de Esquerda em Portugal seguisse os atalhos sugeridos pela companheira, em conjunturas ainda mais atrasadas que as vividas no Brasil, talvez não tivesse conquistado a inserção no movimento e a bancada parlamentar que tem hoje, após dez anos mantendo-se como força independente, sem confundir-se com qualquer vertente da social-democracia portuguesa, ainda que a custo de ter tido apenas dois parlamentares na maior parte dessa década de vida, com votações que mal passavam dos 3% dos votos, em um país então com baixa intensidade da luta de classes.
Mas eis que, quando entra em cena a crise econômica na Europa e se evidencia a crise de representação política na classe trabalhadora européia, estava lá o Bloco de Esquerda, como uma alternativa coerente aos olhos do povo português, para dar o impressionante salto nas últimas eleições nacionais, quando obteve 10% dos votos, chegando a 16 parlamentares, alargando e nacionalizando sua inserção social.
Três observações finais
Uma conseqüência evidente dessa falta de confiança no projeto PSOL é o descaso de Luciana e sua corrente com as reservas do partido e suas possibilidades de conseguir outro nome para apresentar um programa de demandas da classe trabalhadora, diante da decisã
o de Heloísa Helena de se candidatar ao Senado.
O ataque gratuito da companheira Luciana ao companheiro Plínio Arruda Sampaio, no meio do artigo, beira a pura deselegância, visto que sua corrente não fez qualquer gesto, nem esforço sério, para debater as alternativas que começaram a aparecer e se consolidar dentro do partido, como é o caso da pré-candidatura de Plínio.
Em um partido de gente grande e com relativa experiência política, como já podemos falar que é o PSOL, sabemos que a construção de um programa, da linha de campanha e de objetivos comuns envolvendo o nome e um patrimônio político como o do companheiro Plínio, pode perfeitamente se construir mediante diálogo, debate e boa vontade para encontrar soluções unitárias que “dialoguem com o povo”.
Segunda observação: o giro da companheira Luciana Genro não é um raio em céu azul. Quando candidata a prefeita de Porto Alegre, aceitou, junto com sua corrente, o financiamento de campanha de empresas capitalistas de grande porte, como a Gerdau e a Taurus.
Ali, à revelia da maioria da Executiva Nacional do partido (pior, à revelia da decisão de consenso da Conferência eleitoral do partido sobre esse tema), por cima dos estatutos do partido, abriu-se um gravíssimo precedente, que já sinalizava o início de um descompromisso com um projeto político independente de classe. Afinal, o financiamento privado de campanhas eleitorais foi, é e será uma das principais fontes de domesticação e corrupção dos partidos políticos no país, incluindo os de origem na classe trabalhadora.
Quem quis aprender alguma coisa do que aconteceu com o PT, quando começou a rebaixar programa e alianças para ganhar eleições e a aceitar as regras do jogo do poder econômico, bem, aprendeu. Quem prefere insistir nos velhos erros, pedimos apenas, por favor, que levem apenas a si mesmos para o abismo, e não todo o partido.
Por fim e em conclusão: o que a companheira Luciana e sua corrente estão propondo não é um passo atrás, um recuo tático para acumular forças, mas um passo para o abismo, para a dissolução do projeto, se entendemos o projeto PSOL como uma aposta de uma ferramenta anticapitalista capaz de reaglutinar forças na esquerda socialista e inserir-se nas lutas sociais para dinamizar um projeto de ruptura.
Mas o que parece é que, tragicamente, em tão pouco tempo de vida, o PSOL já tem os seus liquidacionistas…
FERNANDO SILVA é jornalista, membro da Executiva Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.
Artigo publicado originalmente no Correio da Cidadania