Por Luciete Silva e Ubiratan Ribeiro
A história do Brasil, país da mais duradoura escravização negra do planeta e o último a “aboli-la” da legislação formal, é a história do racismo na América Latina. O mundo moderno teve como base a espoliação, o genocídio de populações indígenas e da população negra, enquanto projeto de estruturação do capitalismo que conhecemos hoje. Colonizadores estupraram indígenas, negras escravizadas, assim nasceram os primeiros brasileiros (nome referência aos trabalhadores da extração do pau-brasil), ou seja, o racismo e o machismo sempre estiveram de mãos dadas no nosso país. Mas estamos no século 21 e vamos falar aqui de uma mulher negra, lésbica, primeira medalhista de ouro do Brasil nas Olimpíadas do Rio, no nosso país onde o racismo e o machismo infelizmente ainda são uma dura e atualíssima realidade. A meritocracia é uma grande pedra nos caminhos da propalada “superação”.
Rafaela Silva, jovem carioca de 24 anos, crescida nas favelas do Rio de Janeiro. Terceiro sargento na Marinha do Brasil, impossível não fazer referência ao nosso querido João Cândido e a Revolta das Chibatas… Os ataques racistas que Rafaela sofreu após cometer um erro e ser desclassificada nas oitava de finais das Olimpíadas de Londres não podem ser apagados pelos aplausos que hoje a atleta recebe, mas pode ser bastante significativo para quem quer enxergar para além do agora, do hoje, da vitória…
Ser mulher no Brasil, e ser mulher negra significa estar no topo de diversos indicadores sociais negativos. Das violências sofridas por mulheres, a maioria recai sobre as negras (o Mapa da Violência estarreceu a população quando revelou que a violência contra mulheres brancas nesse mesmo período diminuiu), o feminicídio em escala assustadora, o desemprego, o analfabetismo, os maus tratos nos hospitais públicos para com as parturientes que a mídia continua sem dar atenção, o encarceramento das pretas batem todos os recordes, como apontam gráficos do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen): o encarceramento de mulheres aumentou cerca de 250%, enquanto o de homens aumentou cerca de 130% no mesmo período. As mulheres negras estão na base da pirâmide e no topo dos índices.
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Como não lembrar da jovem Luana, mãe, negra e lésbica, morta depois de ter sido espancada pela PM de São Paulo pelo simples fato de ser quem é?
Quando uma mulher negra é tratada de forma diferente por ser negra, seja ela atleta, doméstica ou astronauta, o significado é o mesmo: desmerecer, desqualificar, diminuir sua importância enquanto pessoa. Sua cor é colocada como sendo motivo para infligir a ela todo o tipo de xingamentos, e práticas explícitas de racismo, o que acaba sendo noticiado como sendo apenas ofensas. E ironicamente, o discurso de “superação” de sua “condição de mulher negra” acaba sendo mais um fator que reafirma nossa conhecida desigualdade social, que é racial também, portanto, que mulheres negras não estão no mesmo patamar de oportunidades.
Não basta seus ancestrais terem sobrevividos às duras e desumanas maldades, ultrapassando a fronteira das dores impostas, as correntes pesadas e a golpes que a muitos dizimaram, ainda hoje uma jovem é punida por ter na pele a marca de sua origem negra e que maldosamente é associada a um animal.
Não existe poesia no racismo.
Não dá para suprimir o racismo sofrido ao perder, e esquecer ao conquistar a medalha, porque o racismo sofrido não ficou na perda da medalha, está na dor que o mesmo pode trazer a quem o sentiu, vivenciou e a ele sobrevive. Permanece na lembrança, na fala e nos determinantes que essa violência pode causar a vida da mulher que sofre ou sofreu racismo, sobretudo pelo lugar social que ele relega os negros e negras, a exclusão. A vitória de Rafaela é um grito pela liberdade, igualdade, respeito e dignidade. É um grito contra as opressões, contra a LGBTfobia, o machismo, o racismo…
Parabéns Rafaela Silva, você nos representa!
Luciete Silva é membro da Executiva Nacional do PSOL e militante do Círculo Palmarino.
Ubiratan Ribeiro é militante do PSOL e do Círculo Palmarino.