Tramita na Câmara de Campinas um Projeto de Emenda à Lei Orgânica (PELOM 145/2015) que veta “qualquer proposição legislativa que tenha por objeto a regulamentação de políticas de ensino, currículo escolar, disciplinas obrigatórias, ou mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar ideologia de gênero, o termo “gênero” ou orientação sexual” (grifo meu).
Paulo Bufalo
Além disso, há uma Comissão Especial de Estudos na Casa, que pretende debater a chamada “ideologia de gênero” a partir da visão usada para fundamentar o conceito. Segundo esta análise, pretende-se “destruir famílias e valores morais”, “subtrair autoridade dos pais”, “acabar com o referencial das crianças em relação à sua sexualidade” e pasmem, “abolir nas escolas os termos meninos e meninas e usar apenas crianças”.
Embora esta discussão tenha surgido recentemente na cidade, já faz algum tempo que vem ocorrendo no Congresso Nacional e se acirrou quando eram votados os últimos dispositivos do Plano Nacional da Educação – PNE, em 2014. Os deputados da bancada religiosa não aceitaram que entre as diretrizes do PNE (Artigo 2º) fosse incluído ao inciso III: superação das desigualdades educacionais, o texto: com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual. Rejeitaram este destaque, acusando que pretendia-se transformar a educação num instrumento “ideológico”.
Assim como no Congresso Nacional, aqui em Campinas, como o próprio texto da emenda sugere, visam impedir qualquer referência às questões de gênero e de orientação sexual numa política pública de Estado, pois segundo os fundamentalistas, são as raízes dessa tal“ideologia”.
Às vésperas da aprovação do Plano Municipal da Educação, que orientará esta política pública pelos próximos dez anos, os parlamentares ignoram o necessário fortalecimento da tolerância, da igualdade e do respeito às diferenças, por meio de políticas de Estado. Sequer observam questões como a demanda de vagas em creche, a inclusão das monitoras na carreira do magistério, o cumprimento da lei do piso dos professores ou a gestão democrática. Ao invés disso, querem proibir, até mesmo o debate, de temas inerentes ao Estado laico.
Tragicamente estas ideias encontram adesão na sociedade, seja pelo dogmatismo que bloqueia a reflexão para além da dita “lei natural ou Divina”, seja pelo alarmismo das propostas que serve à disseminação do medo frente a mudanças. Os argumentos usados, embora neguem retoricamente o machismo, a homofobia e o preconceito, não avançam além de um modelo tradicional de família que já não reflete a realidade societária.
A negação de toda e qualquer referência à gênero e à orientação sexual reflete não só uma visão conservadora da sociedade, como também, um ataque aos valores democráticos. Trata-se da negação da existência do pensamento opressor e machista, estruturante da sociedade, este sim de caráter ideológico, pois naturaliza a carga histórica de violência e exploração, as desigualdades entre homens e mulheres, as violações aos direitos humanos e a homofobia.
Dados do Ministério da Saúde apontam que de 1980 a 2011 cerca de 100 mil mulheres foram assassinadas no Brasil, quase a metade delas na última década. De acordo com registros do Sistema único de saúde, em 2011 foram mais de 70 mil atendimentos à mulheres vítimas de violência, sendo que 71,8% das agressões foram cometidas na própria casa. De acordo com dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a cada hora, um homossexual sofre algum tipo de violência. Em 2011 foram registrados 1.159 casos, e, em 2014 o número saltou para 6,5 mil casos. Os jovens são as principais vítimas, 33% das ocorrências.
O respeito à igualdade de gênero e à diversidade sexual é pressuposto de uma nova sociedade não por ambas serem princípios ideológicos mas, por romperem o obscurantismo e denunciarem a realidade de opressão e violência que preservam as relações de dominação e a estrutura de poder.
Paulo Bufalo
Presidente PSOL estadual e vereador em Campinas