Afif contribui para a descrença, cada vez maior, na política, nos partidos e nas chamadas instituições democráticas do Brasil.
Carlos Giannazi
Para nós, que lutamos para que a política seja, em seu sentido grego, um instrumento para transformar as injustas estruturas que oprimem a vida da maioria da população, é inadmissível o acúmulo de cargos do vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, com o de ministro da Micro e Pequena Empresa.
A insistência de Afif em permanecer com um pé em cada canoa reforça o vale-tudo da política brasileira, no significado completo da expressão: fisiologismo, clientelismo, mandonismo, genrismo, coronelismo, nepotismo.
Essa perversa linhagem tem como finalidade apenas estar no poder e ocupar o máximo possível de espaços e cargos na administração pública, em proveito pessoal, partidário e econômico.
Ao surfar nesse rebaixamento da política brasileira, Afif contribui para a descrença, cada vez maior entre amplos setores da sociedade, na própria política, nos partidos e nas chamadas instituições democráticas do Brasil.
Qual é a coerência política? Afif é filiado ao PSD de Gilberto Kassab e vice-governador de Geraldo Alckmin, do PSDB, com quem vive em desafeto. Agora é nomeado ministro do governo Dilma, do PT, adversário do governador de São Paulo.
Até ontem, foi um profundo crítico dos governos Lula e Dilma. É dele a afirmação de que Dilma não tinha biografia para ser presidente do país. Agora que “chegou lá”, sua opinião ácida e de ódio aos antigos adversários se transforma em pó!
As críticas eram “retórica de campanha”, justifica o recém-nomeado ministro, que adere ao governismo de cooptação do PT, sigla que fez a aliança com o PSD apenas para ter mais tempo de TV na eleição do ano que vem e garantir, em sua base de sustentação no Congresso Nacional, um partido que “não é de esquerda, nem de direita, nem de centro”.
Como entender um vice-governador de oposição que é, ao mesmo tempo, um ministro da situação? Não, Afif, não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo. Essa história é conhecida e sempre acaba muito mal. Já dizia Jesus que os mornos serão vomitados.
Se ética e coerência já não significam nada para amplos setores políticos, não me restou, como deputado estadual, alternativa se não acionar juridicamente o Ministério Público Estadual e a Assembleia Legislativa. Entrei com duas representações exigindo a cassação do mandato de vice-governador e a instalação de uma ação civil pública.
Tive como base o artigo 28, §1º da Constituição Federal, que trata da incompatibilidade funcional, e o artigo 42 da Constituição estadual, que prevê a perda do cargo em caso de acúmulo irregular.
Nossa tese tem a concordância de juristas, promotores e inclusive do procurador-geral de Justiça do Estado, que acatou a representação, recomendando que a Alesp retire o mandato de Afif. Sem contar o respaldo jurídico que temos da Procuradoria da Alesp e da Comissão de Ética do Estado.
Conclamamos a todos que acreditam na ética e na coerência política a pressionar os deputados estaduais a votarem, com base na lei, pela perda do mandato do atual vice-governador, que desprezou o cargo para assumir o 39° ministério criado pela presidente Dilma.
CARLOS GIANNAZI, 51, mestre em educação e doutor em história pela USP, é deputado estadual (PSOL-SP)
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo – Tendências e debates – 14 de junho de 2013