De um tempo para cá, a grande mídia vem noticiando a vinda de milhares de haitianos para o Brasil – o que provavelmente levou a regularização da situação de cerca de 4.100 haitianos para poderem trabalhar no Brasil por até 5 anos tranquilamente. O fato levantou o debate sobre como o Brasil tem que lidar com os imigrantes, afinal, elevando-se à patente de superpotência, o país vira destino de milhares de imigrantes do mundo todo.
Tal debate fez com que, na terça-feira, 10, em reunião no Palácio do Planalto, fosse emitida nota avisando que haitianos que entrassem irregularmente no Brasil seriam extraditados imediatamente . Tal reunião gera estranhamento – porque tal noticia mobilizou tanto a opinião pública? Aliás, quem são os haitianos?
É muito interessante pensar na reportagem publicada pela Reuters , em que o Ministro Celso Amorim diz (sobre a vinda de imigrantes e volta de brasileiros diante da situação econômica do país): “(…) O Brasil vai ter que naturalmente estudar e agir diante de uma nova situação. Nós crescemos e a economia também e outras economias declinaram. Não são os haitianos que estão voltando, mas os brasileiros também”.
O provável ato falho do Ministro “(…) Não são os haitianos que estão voltando (…)” faz com que pensemos novamente – Quem são os haitianos? Como assim estão voltando?
Uma das formas mais interessantes de pensar a identidade de um povo é esmiuçando sua poesia. A poesia haitiana revela a dor de um povo retirado da sua terra natal – o desejo primário de voltar à terra mãe – a África, o tom choroso e desesperado de quem fora retirado de seu berço à força e que, entoa um francês choroso, diferente do francês “francês”, bacana. Leon Laleu, o mais expressivo poeta haitiano escreveu “Traição” :
Traição –
Este coração endurecido, cuja batida
não sintoniza minha língua, meus costumes
Sentimentos deixados para trás, a ferida
deste aperto, dívidas de mim, negrumes
da Europa, pudera você ter na lembrança
esse aperto, pudera sentir desespero tal
Como acalmar, com palavras da França,
Este coração que veio do Senegal?
Diante da conjuntura, é possível afirmar, que tão distantes e semelhantes são os povos – brasileiros e haitianos. Povos em um eterno exílio que, em busca de uma identidade concreta, se transformam e se desconstroem. Quem são os haitianos se não nossos irmãos, que foram levados em navios diferentes? Nós, brasileiros, faremos como os ingleses e suas leis? Ou pensaremos uma nova forma de tratar os “imigrantes”? Migrante, Imigrante, Emigrante, o que são os povos retirados de sua pátria se não incontáveis “Odisseus” numa busca eterna de uma “Ítaca” que mal sabem qual é?E que habita a mesma fantasia do africano no Brasil? Saibamos que a fantasia não comporta fronteiras
E de importância incontestável, por que tanto mobilizou a opinião pública os 5 mil negros que vieram para cá em busca de uma vida melhor e as dezenas de milhares de bolivianos que vivem em São Paulo não estampam a capa dos grandes jornais brasileiros, sob o mesmo olhar estarrecido que os haitianos provocam?
Essa retórica só serve para re-pensarmos o tratamento que o Brasil dará aos haitianos, e a indagação “Quem são os haitianos” só pode ser respondida, e repreendida, com mais uma pergunta – “Quem somos nós?”.
CF. http://opiniao-e-noticia.jusbrasil.com.br/politica/8309544/brasil-impoe-limite-para-entrada-de-haitianos
CF. http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRSPE80C08V20120113
Traduzido por Eduardo Miranda – http://tuda-papeleletronico.blogspot.com/2010/02/traducao-eduardo-miranda_01.html?zx=659d66be0c1b1aa0
Leonardo Goldberg – Psicólogo
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