Pedro Fuentes,
Secretaria de Relações Internacionais do PSOL
Indignados. Fartos. Dezenas de milhares de pessoas se manifestaram, dia 15 de maio – último domingo – em mais de 50 cidades espanholas. A manifestação foi convocada sob a plataforma cidadã “Democracia Real Já!”. A concentração de maior envergadura ocorreu em Madri, onde milhares de pessoas conseguiram parar o centro da cidade.
“As críticas aos políticos, partidos e banqueiros, ao resgate das entidades financeiras, ao trabalho precário, aos cortes nos gastos sociais, e à atual lei eleitoral eram os lemas estampados nos cartazes”.
“Violência é cobrar 600 euros” dizia um cartaz.
“Não é uma crise, é um roubo.” lia-se num cartaz carregado por muitos manifestantes. “Foram também constantes as referências à Islândia, onde a população, em referendo, recusou-se, por duas vezes, a pagar pela falência de seus bancos.”, escreveu Ana Requena Aguilar no Diário “Público”.
Segundo a plataforma “Democracia Real Já”, responsável pela convocação da manifestação através do facebook – seguindo o exemplo de Egito e Tunísia – havia mais de 50 mil pessoas nas ruas de Madri, 15 mil em Barcelona e 10 mil em Sevilha. O número informado pela polícia apontada uma participação menor. Mas de qualquer maneira, não há como negar que se passou algo inédito na Espanha. Por fora das organizações políticas e dos sindicatos, plataformas juvenis e cidadãs ganham as ruas e ameaçam permanecer.
Em que pese a repressão do governo de Zapatero e da resolução da justiça proibindo novas manifestações, um grande contingente segue acampado na Praça Puerta del Sol em Madrid e se propõe a ficar por vários dias, até a eleição prevista para o próximo domingo (22 de maio).
A convocatória da Plataforma (ver anexos) é formada por oito eixos nos quais é feita uma forte denúncia à partidocracia e à corrupção do PP e do PSOE1. Ela denuncia os banqueiros e ataca os subsídios que receberam do governo; ao mesmo tempo, exige soluções frente ao desemprego e aos baixos salários.
Um dos posts do facebook dizia “Tomem as ruas! Os políticos mentem, os bancos roubam, os patrões exploram, os sindicatos nos vendem, a mídia nos engana”. http://www.youtube.com/watch?v=HKV-LQZVVeA&feature=player_embedded
São novas formas de responder às medidas de austeridade tomadas pelo governo socialista, que incluem um forte ajuste fiscal e corte nos salários, além do aumento da idade de aposentadoria para os 67 anos, entre outras medidas que acabaram de ser negociadas entre o governo e a burocracia sindical da CCOO e da UGT2.
As mobilizações ocorridas até agora na Espanha, na Itália, na Alemanha, na França, na Inglaterra tiveram um caráter defensivo e de resistência às medidas de ajuste. Foram mobilizações fortes e massivas convocadas pelas centrais sindicais que são controladas por dirigentes reformistas que têm tido como política, a pressão para negociar medidas de ajudes mais suaves.
A novidade da mobilização na Espanha – e talvez, também na Grécia, onde há alguns dias ocorreu a segunda greve geral desse ano – é que, nesses países, a mobilização tem dois aspectos que se destacar: 1) ela possui um caráter político, levanta reivindicações democráticas e anticapitalistas e 2) se constrói à margem – no caso da Espanha – ou ultrapassa os limites – no caso da Grécia – das organizações controladas pelas direções tradicionais, vinculadas à socialdemocracia e aos Partidos Comunistas.
Por isso mesmo, a nova onda de protestos na Espanha parece um contágio das mobilizações que antecederam as revoluções na Tunísia e no Egito. Nesses países, a juventude e o povo se levantaram contra os regimes autoritários e contra a fome e o desemprego que assolavam suas economias impactadas pela crise capitalista mundial.
No velho continente há regimes democráticos burgueses. Mas ainda que não haja ditaduras, a crise econômica é gravíssima e desnuda, cada vez mais, o papel dos velhos partidos no poder, que estão cada vez mais distanciados das necessidades do povo e, por outro lado, mais vinculados às grandes corporações e aos banqueiros.
Seria fazer uma análise voluntarista crer que, a partir dessas novas mobilizações, já estejamos vivendo também as revoluções na Europa; mas seria também um erro – talvez mais grave – não ver as conexões existentes entre os processos vividos nos países de ambos os lados do Mediterrâneo.
A Europa está no centro da crise econômica mundial. Uma crise que tocou toda a estrutura política e econômica da União Europeia, esse grande projeto da burguesia imperialista que, nos anos 80 e 90 aparecia como o melhor exemplo de sucesso, sob o auge da globalização e do neoliberalismo. Hoje, a União Europeia está se afundando, suas classes dominantes mostram sua incapacidade para administrar uma saída para a crise; elas já não podem levar adiante o resgate de suas economias mais débeis – Espanha, Grécia, Portugal, Irlanda e Finlândia. Já está caindo a livre circulação por suas fronteiras; Dinamarca deixou de lado os progressivos acordos que permitam essa circulação sem controle.
A situação europeia mudou e, por isso mesmo, essas mobilizações na Espanha aparecem como o aviso de situações que, com suas características próprias e particularidades – dentre as quais destacamos o caráter marcadamente anticapitalista – se produzem nesse continente como um todo.