Por Santiago Alba Rico, para o Rebelión
Uma das maiores surpresas nos levantes populares no mundo árabe é que eles deixaram momentaneamente fora de cena todas as forças islâmicas e, especialmente, a mais extremista Al-Qaeda – marca comercial obscura e altamente instrumentalizada para embasar ditadores, reprimir todo tipo de dissidência e desviar a atenção dos verdadeiros campos de batalha.
Com indicações de caráter geral, tais como a aspirina, Bin Laden reaparecia sempre que necessário para alimentar a “guerra ao terrorismo”; foi mantido vivo para sacudir encruzilhadas eleitorais ou justificar leis de exceção e emergência. Desta vez, a situação era grave demais para não usá-lo pela última vez, numa orgia midiática que ofusca até mesmo o casamento do príncipe William e introduz efeitos muito preocupantes no mundo todo.
Quando parecia relegada ao esquecimento, finalmente encurralada pelos próprios povos que deveriam apoiá-la, a Al-Qaeda reaparece. Um grupo de desconhecidos, em nome dessa patente, assassina Arrigoni na Palestina (pacifista italiano pró-Palestina). Dias depois, no auge dos protestos anti-monarquia no Marrocos, uma bomba explode na praça Jamaa Fna, em Marrakech. E, agora, Bin Laden reaparece, não vivo e ameaçador, mas em toda a glória do martírio adiado, estudado, cuidadosamente encenado, e um pouco improvável.
“A justiça se fez”, disse Obama; mas a justiça exige tribunais e juízes, procedimentos de inquérito, e não uma sentença independente. George Bush foi mais sincero: “É a vingança dos EUA”, disse ele. “É a vingança da democracia”, acrescentou, e milhares de democratas estadunidenses vibraram de alegria em frente à Casa Branca, saltando com bárbara euforia sobre esqueletos.
Mas, democracia e vingança são tão incompatíveis como pedagogia e infanticídio. Os Estados Unidos gostam de linchamentos, sobretudo aqueles feitos pelo ar, sabendo que são mais poderosos do que os princípios. “O mundo está aliviado”, disse Obama, mas, ao mesmo, alertou sobre “ataques violentos ao redor do mundo após a morte de Bin Laden”. Atenção?! Alerta?! Promessa?! Que alívio pode produzir um assassinato que, declaradamente, ao mesmo tempo ameaça aqueles que, presumivelmente, se quer salvar?
Este era o momento. A Al-Qaeda volta a dominar a cena; a Al-Qaeda volta para saturar o imaginário ocidental. Enquanto o suposto cadáver de Bin Laden é lançado ao mar, Bin Laden assume, de forma fantasmagórica, todas as lutas e todo o desejo de justiça. Será cumprida a profecia de Obama: haverá ataques violentos por todos os lados e o mundo árabe-muçulmano voltará a ser um apanhado de fanatismos e decapitações, querendo ou não suas populações. Entre democracia e barbárie, é evidente que os EUA não tem dúvida: a barbárie se ajusta muito melhora ao “American Dream” (“sonho ameriaco”) e, claro, ao delírio de Israel.
Nós não sabemos se realmente assassinaram Bin Laden; o que fica claro é que o esforço para ressuscitar a todo o custo a Al-Qaeda pretende matar os processos de mudança que começaram há quatro meses no mundo árabe.