Eliomar Coelho e Luiz Mário
O Rio de Janeiro vive hoje em êxtase diante da perspectiva de sediar megaeventos esportivos. Ainda este ano a cidade vai receber os Jogos Mundiais Militares. Em 2013 será a vez da Copa das Confederações, como prévia da Copa do Mundo, programada para o ano seguinte no Maracanã; e, para fechar o calendário esportivo, as Olimpíadas vão reunir milhares de atletas do mundo inteiro, em 2016.
Entretanto a euforia não deve ser empecilho para o aprendizado com erros do passado. Não podemos nos permitir, mais uma vez, ficar para a história pela conquista de uma terrível medalha, a da desigualdade, como aconteceu nos Jogos Pan/2007.
Pesquisamos até que ponto o evento alterou as condições sociais e o espaço urbano no Rio de Janeiro. A partir da análise dos gastos estatais e da identificação dos favorecidos e dos desfavorecidos pelas políticas públicas, a investigação revelou o aprofundamento da desigualdade social e urbana via transferência de recursos públicos para o domínio do capital privado.
A concentração de investimentos na Barra da Tijuca, um bairro nobre da Zona Oeste, não foi justificada por argumentos técnicos e nem por uma escolha aleatória. De fato, a cidade segue a marcha histórica da valorização imobiliária, através das praias, na continuidade dicotômica núcleo/periferia, Zona Sul/Zona Norte, rico/pobre.
No Pan/2007 mais de 36% dos gastos foram destinados às instalações esportivas, que pouco atenuaram o desequilíbrio social. Apenas 8,5% do total foram para obras de urbanização, muitas dessas associadas às instalações esportivas.
É preciso destacar ainda a inexistência de qualquer legado na mobilidade urbana. Os gastos com a organização do próprio megaevento atingiram quase 20% do total dos recursos públicos empreendidos. Não há benefício social visível nesses gastos, a não ser a subjetiva satisfação de assistir a um espetáculo em sua cidade.
No total da fatura, quase 80% das despesas estatais com o Pan/2007 serviram de subsídio para atividade econômica privada.
A atuação do Estado transferiu R$2,8 bilhões de recursos públicos para poucos. Enfim, a experiência do Pan/2007 é elucidativa. O megaevento sacrificou ações governamentais em nome de uma promessa de tornar a cidade competitiva.
Ou a sociedade revê esse modelo ou os megaeventos aprofundarão a desigualdade social. Os poderes Legislativo e Judiciário, assim como a mídia e a própria sociedade, precisam fiscalizar a organização desses eventos.
ELIOMAR COELHO é engenheiro e vereador do Rio pelo PSOL. LUIZ MÁRIO é economista.
Artigo publicado no jornal O Globo em 8/3/2011