Nildo Ouriques
O debate acerca do salário mínimo expõe os limites do capitalismo no país. Por um lado, os interessados em mostrar um país forte, alegando a existência da nova classe média e um poderoso mercado interno de massas, consideram R$ 600,00 uma “irresponsabilidade”, como afirmou o presidente da CNI. Tudo isso num país em que 2/3 da força de trabalho recebe até 3 salários mínimos!
O DIEESE divulga há muitos anos o cálculo do salário mínimo necessário. Trata-se de um conceito decisivo, pois expressa o valor para remunerar adequadamente um trabalhador e sua família: R$ 1.972,64, nos preços de abril de 2009. A análise do desenvolvimento capitalista nos países centrais revela a importância do salário para o fortalecimento do capitalismo. Salários elevados vitalizavam o mercado interno e forçavam a renovação tecnológica, pois o empresário era induzido a substituir a mão de obra por máquinas. Havia também o protecionismo do mercado interno, que inibia a concorrência com os produtos de outros países, política que as potências ainda preservam e, de fato, é o principal instrumento de política comercial. É o caso típico dos Estados Unidos. É uma lição da economia política clássica do século XIX.
No Brasil, mesmo a ampliação do crédito ao consumidor revelou que não pode sustentar taxas elevadas de crescimento porque, ao fim e ao cabo, a capacidade de endividamento dos assalariados é pequena. O argumento de que o salário mínimo elevado ampliaria o rombo da previdência é, além das falsidades permanentemente divulgadas sobre o suposto déficit previdenciário, uma declaração de que o número de trabalhadores com carteira assinada não poderá aumentar jamais. Enfim, no conjunto, o recado é claro: o mercado de trabalho será sempre “precarizado” para a maioria dos assalariados. A nova situação indica também, talvez mais cedo do que alguns ingenuamente imaginavam, que o tempo dos reajustes abaixo da inflação voltou. Aquela brevíssima primavera em que os trabalhadores arrancavam minúsculos ganhos de produtividade chegou ao fim.
No debate parlamentar, as imagens mostraram os antigos líderes sindicais trajando sóbrias gravatas e, sem inibição alguma, subindo à tribuna para justificar a política oficial. A cena é elucidativa. Na década de oitenta, na grande onda do protesto operário que abalou os pilares da ditadura e abriu de maneira definitiva o caminho para a “Nova República”, os sindicalistas ganharam consciência de que somente no chão de fábrica poderiam conquistar seu quinhão, fruto exclusivo do ativismo sindical. Mas a sedução parlamentar levou vários deles à condição de senadores e deputados e, mais importante, o principal líder operário da época à presidência da república. Agora, mesmo naqueles que protestaram no parlamento e, portanto, se mantinham fiéis à velha causa, certamente existia ilusões acerca da possibilidade de vitória numa câmera de deputados dominada por empresários-políticos e políticos a serviço dos empresários.
Existem épocas em que os trabalhadores esquecem sua própria história de lutas, submetendo-se a uma espécie de “amnésia social”, cujas conseqüências foram sempre graves para seus interesses. Assim, entre os que defendiam a política oficial e os que protestavam contra ela, havia algo em comum: a percepção de que a disputa agora é no parlamento. Nada poderia ser mais desastroso para futuras conquistas. Sem uma forte retomada do ativismo sindical nas fábricas, a renovação da práxis política entre os sindicalistas não será possível. Os tempos de austeridade, que novamente se anunciam, parecem reconstruir o terreno da disputa que originou o sindicalismo combativo no passado. Mas esta é apenas uma possibilidade.
Neste contexto, a decisão entre os míseros R$ 545,00 proposto pelo governo e os “generosos” R$ 600,00 da oposição, não deixa dúvidas de que, para além da pedagogia da migalha implícita no debate, a classe trabalhadora não pode ter ilusões do lugar reservado a ela no capitalismo brasileiro.
Nildo Ouriques é professor do Departamento de Economia da UFSC