Em pronunciamento realizado nesta quinta-feira (06/05) na Câmara dos Deputados, o deputado federal lembrou dos quatro anos de impunidade dos crimes de maio de 2006 e da série de denúncias de tortura e assassinatos feita recentemente contra a PM.
“É preciso parar de travestir assassinatos de “mortes em confronto”; é urgente investigar homicídios, torturas e desaparecimentos e garantir punição para os maus policiais; não é possível tolerar abusos de agentes do Estado – como se seguíssemos num regime de exceção, onde toda forma de violação de direitos era autorizada e poderá, infelizmente, seguir impune”, disse.
Para Ivan Valente, é preciso ir além da repressão e investir mais em políticas preventivas e na investigação criminal; no diálogo com as comunidades e na participação da sociedade na implementação dessas políticas; e, por fim, no treinamento dos policiais, para garantir sua atuação dentro das regras estabelecidas por um sistema democrático.
“O futuro da nossa juventude e do nosso país dependem disso”, concluiu.
Leia abaixo a íntegra do discurso:
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
Estamos em maio, e neste mês completaremos quatro anos de um dos episódios mais emblemáticos de violência policial na história recente de nosso país. Em 2006, após os ataques do PCC, a polícia de São Paulo promoveu uma “onda de resposta” que terminou no assassinato de cerca de 500 pessoas. A imensa maioria era de jovens, negros e pobres, executados sumariamente sem qualquer possibilidade de defesa. Segundo a própria Secretaria de Segurança Pública do governo estadual, o PCC foi responsável pela morte de 47 pessoas. Os demais entram no pacote da matança decorrente da contra-ofensiva da polícia, até hoje sem explicação e muito menos reparação.
Para marcar esta data, diversas organizações promoverão um grande ato no dia 13 de maio, pedindo o desarquivamento e a federalização das investigações dos chamados “crimes de maio” e o fim da “faxina étnica” praticada contra a população afrodescendente.
A manifestação marca quatro anos de impunidade, mas também acontece num período em que a divulgação de uma séria de dados comprova a falência da política de segurança pública implementada nos últimos anos no estado de São Paulo.
Acabam de vir à tona os números que revelam que, nos últimos 12 meses, de abril de 2009 a março deste ano, o número de mortes provocadas por PMs em serviço em SP foi 54% maior do que nos 12 meses anteriores. Ou seja, cresceu assustadoramente o número de pessoas mortas “em confronto com a polícia militar” ou em situações registradas como “resistência seguida de morte”. Somente no primeiro semestre deste ano, em comparação com 2009, saltamos de 104 para 146 mortes. Já o total de PMs mortos na mesma situação passou de três para cinco.
O aumento da violência policial não está apenas na impessoalidade dos números, mas em casos assustadores, como o do adolescente de 16 anos que, detido por roubar dois celulares, denunciou ser torturado e acorrentado no pescoço por policiais militares dentro de um carro do 43º Batalhão da PM. Aquele que seria seu parceiro no furto foi baleado no dia seguinte por policiais militares sem farda.
Também no mês passado, um motoboy foi encontrado morto, com marcas de tortura, depois de ser levado por PMs para um quartel também na Zona Norte da capital paulista. Doze policiais militares estão detidos para investigação. A mãe do motoboy, Eduardo, acredita que o filho, inocente, foi morto por ser negro.
As barbaridades praticadas por agentes do Estado, no entanto, não são isoladas. No litoral paulista, policiais militares que atuariam em um grupo de extermínio são os principais suspeitos de assassinatos em série registrados na Baixada Santista. Entre 17 e 26 de abril, 23 pessoas foram mortas na região. Nenhum crime foi esclarecido. A principal tese é de que os PMs pertençam à gangue “Os Ninjas” e que os crimes tenham começado após um policial da Força Tática ter sido executado por traficantes na periferia do Guarujá. Segundo testemunhas, os policiais que atuam no grupo usam capuz preto e atacam em dupla e em motos. Geralmente, as vítimas são executadas com tiros na cabeça.
Na madruga desta terça-feira, acompanhamos de perto mais um episódio de truculência da Polícia de São Paulo, que, numa ação totalmente ilegal, invadiu e ameaçou de morte os moradores de um acampamento dos atingidos por enchentes no Jardim Pantanal. Estamos cobrando respostas da Secretaria de Segurança Pública acerta de tal postura.
De fato, Senhor Presidente, nada justifica tamanha violência da polícia de São Paulo. Se o aumento da repressão letal fosse eficaz, os homicídios também não teriam crescido na capital. Neste mesmo ano de aumento do número de mortes pela polícia, a cidade de São Paulo apresentou um crescimento de 23% no número de homicídios. No primeiro trimestre do ano, foram mortas 376 pessoas, mais de quatro por dia. Em todo o Estado, foram 1.224 homicídios, uma alta de 7%. Em cidades do interior, o índice triplicou. Também cresceram o roubo a bancos e os seqüestros.
Ou seja, apesar de setores conservadores da sociedade e de parcela significativa do poder público defenderem o aumento da repressão – na tradicional linha “a Rota vai pra rua” –, está claro que a violência não diminui quando a polícia mata mais. Tampouco é possível justificar o aumento de mortes pela polícia com o aumento da criminalidade. Houve momentos da história de São Paulo com violência maior que a atual e a polícia matando menos.
E contra fatos, Senhoras e Senhores Deputados, não há maquiagem da grande imprensa ou publicidade que resista. Não adianta mostrar à população os helicópteros, viaturas e equipamentos novos adquiridos pelo governo estadual se a população simplesmente não confia mais na polícia que tem, pelo simples fato de quem deveria agir para garantir a lei estar justamente atuando na contramão do que deve ser respeitado – seja atirando para matar, seja torturando, seja encobrindo crimes da própria corporação.
Este quadro demonstra a urgência de mudanças na polícia de segurança pública no estado de São Paulo. É preciso parar de travestir assassinatos de “mortes em confronto”; é urgente investigar homicídios, torturas e desaparecimentos e garantir punição para os maus policiais; não é possível tolerar abusos de agentes do Estado – como se seguíssemos num regime de exceção, onde toda forma de violação de direitos era autorizada e poderá, infelizmente, seguir impune.
E é preciso ir além da repressão, investindo mais em políticas preventivas e na investigação criminal; no diálogo com as comunidades e na participação da sociedade na implementação dessas políticas; e, por fim, no treinamento dos policiais, para garantir sua atuação dentro das regras estabelecidas por um sistema democrático. O futuro da nossa juventude e do nosso país dependem disso.
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP