Pronunciamento do deputado federal Ivan Valente
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
Diferente dos nossos vizinhos – Argentina, Chile, Bolívia e Uruguai – que levaram à Justiça acusados de crimes contra os direitos humanos cometidos durante os regimes militares nessas nações, o Supremo Tribunal Federal optou por perdoar os torturadores brasileiros.
A decisão do STF é polêmica, mas não deixa de ser reveladora do grau de conservadorismo presente na sociedade brasileira. Até mesmo a ONU criticou a decisão e pediu o fim da impunidade no Brasil. Em nível internacional, o entendimento de que os crimes de tortura e execuções extrajudiciais não prescrevem, tampouco podem ser colocados como exceção, está muito mais avançado, sendo compartilhado pela maioria das sociedades.
Já no Brasil, a decisão do Supremo – ressalva seja feita aos votos dos ministros Ayres Britto e Ricardo Lewandowski, que foram no sentido contrário da maioria do STF – fortalece o pensamento de direita. Legitima a posição daqueles que querem passar uma borracha no passado como se nada tivesse acontecido, que querem deturpar a história afirmando que houve uma ditabranda e não um Estado de exceção que perseguiu, prendeu, torturou, matou e desapareceu com aqueles que resistiram à ditadura.
Mas uma das piores faces da reação da sociedade brasileira à decisão do STF foi o endosso de parte significativa dos presidenciáveis à posição da Justiça, como se não houvesse espaço para a crítica ao Judiciário. Mesmo candidatos que tiveram um passado de esquerda, que foram vítimas da perseguição militar, hoje atenuam as responsabilidades de seus algozes, ajudando assim a engrossar o coro dos conservadores, deseducando a sociedade e afrontando a memória dos mortos, desaparecidos e torturados pela ditadura.
Nisto o pré-candidato do PSOL, Plínio Arruda Sampaio, não teve dúvidas e não tergiversou. Ele, que permaneceu 12 anos exilado no Chile e Estados Unidos durante a ditadura, considerou equivocada a decisão justamente porque crimes bárbaros como seqüestros e torturas não podem ser anistiados.
Outra conseqüência nefasta da decisão do STF foi passar para a sociedade a versão de que a Lei da Anistia foi fruto de um grande consenso, de uma saída negociada. Ora, vivíamos sobre um Estado de exceção, sob as armas e a vigilância de um regime autoritário. Como, nestas condições, a sociedade civil poderia ter dado aval para este acordo? O que houve foi uma saída por cima, que mais uma vez envolveu as elites e não o povo, uma forma de isentar e garantir a impunidade aos torturadores e dirigentes do regime militar.
Não podemos aceitar com naturalidade esta decisão, não podemos deixar de fazer a crítica e de procurar medidas que punam os torturadores e, ao mesmo tempo, garantam a reparação dos que foram vítimas de seus crimes. Não podemos aceitar que crimes de lesa-humanidade sejam aceitos como normais.
O Brasil ainda tem um acerto de contas a ser feito com seu passado, ainda mantém as feridas abertas. Ignorar isso é desrespeitar o povo brasileiro, negando seu direito à verdade e à memória.
Nos últimos meses, temos assistido a um recrudescimento do pensamento conservador e um recuo sistemático do governo federal justamente em torno desta pauta. Foi o que vimos em torno do debate do Programa Nacional de Direitos Humanos, o PNDH-3, e que agora se concretiza na declaração conformista da pré-candidata Dilma Rousseff.
Quando se trata de crimes de bárbaros, de seqüestros e torturas não cabe conformismo, não cabe a acomodação covarde ao pensamento conservador. Internacionalmente, aumenta a pressão para que a anistia a esses crimes seja abolida em todo o mundo. Aqui não podemos deixar a decisão do STF abalar as firmes convicções dos que lutam em respeito à memória do nosso povo e para que os autores de crimes infames respondam por seus atos.
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP