Por Raul Marcelo
Fazer jogo de empurra e tratar o problema como insolúvel em nada vai alterar o atual quadro. A população do Estado está de luto e indignada com as 75 mortes ocorridas até o momento e todo o prejuízo material ocasionado a outras milhares de famílias. Em uma situação como esta é preciso ousadia e estatura política para que medidas sejam tomadas.
“Há uma força motriz mais poderosa que o vapor, a eletricidade e a energia atômica: a vontade.”
Albert Einstein
O cientista mais popular do século XX, além de saber muito sobre física, também reconhecia a importância da vontade e do planejamento para as realizações humanas. Einstein deixou isto cristalino em seus apontamentos sobre nossa sociedade, registrados sob o título “Como eu vejo o mundo”. Esta referência é importante para refletirmos sobre as chuvas deste início ano, classificadas corretamente como fora do comum, mas cujos efeitos sobre os municípios e especialmente sobre a população pobre são recorrentes.
É a população mais pobre que paga pela falta de políticas de ocupação do solo urbano, em que pese já existirem dispositivos legais para tanto, como o Estatuto das Cidades. No entanto, poucos municípios implementam o Estatuto, e aqueles que o fazem no intuito de planejar a ocupação do solo urbano, distribuir justiça social e debelar a ocupação de áreas de risco, várzeas, margens de rios e encostas, esbarram na falta de recursos para viabilizar alternativa de habitação para as famílias que precisam ser removidas. É justamente neste ponto que o Governo do Estado tem responsabilidade.
Desde 1989, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprova, junto com o Projeto de Lei Orçamentário, o aumento da tributação do ICMS, em 1%. Este crescimento regular do percentual do imposto tem como destino a construção de moradias populares, tarefa de responsabilidade da CDHU.
Entretanto além dos já conhecidos problemas de improbidade, a CDHU também atravessa um problema de gestão, falta uma política que priorize as ocupações de risco do Estado. O orçamento da CDHU para este ano será de quase R$ 1,4 bilhão, o que possibilitará a entrega de mais de 32 mil moradias, além das regularizações e revitalizações de bairros. Com a ampliação destes recursos em mais R$ 3 bilhões, é possível construir mais de 100 mil moradias ainda este ano. Ou seja, com uma nova diretriz política na CDHU, é possível resolver imediatamente a situação de calamidade na qual nos encontramos.
Os recursos sairiam do próprio orçamento do Estado. O presidente da República, quando esteve recentemente em São Paulo, afirmou que teria interesse em executar um projeto de combate às enchentes em nosso Estado – o chamado de “PAC das enchentes”. Se esse não foi apenas mais um dos tantos discursos eleitoreiros do atual presidente, está dada a deixa para o governador do Estado enviar à Assembleia Legislativa uma proposta de alteração no orçamento. Assim, ao invés de destinarmos os R$ 8 bilhões previstos na lei orçamentária deste ano ao Governo Federal para fazer frente aos juros da dívida do Estado, que é praticamente toda federalizada, poderíamos enviar 40% menos, alterando este dispositivo no orçamento. O que possibilitaria ter os R$ 3 bilhões mencionados acima, viabilizando assim a remoção das famílias que habitam áreas de risco em nosso Estado de maneira planejada, respeitando a dignidade humana, e entregando-lhes outra casa e não um cheque despejo de R$ 5 mil reais, como tem feito até o momento a Prefeitura de São Paulo.
A Assembleia Legislativa não se furtaria em aprovar uma proposta de alteração na peça orçamentária com este condão, desde que o destino final, ou seja, construção de moradias para famílias que habitam áreas de risco, ficasse bem claro e impositivo no texto legal.
Pois bem, está lançada a proposta. Resta saber se de fato existe vontade política para enfrentar e debelar o problema, ou se vamos continuar lendo e ouvindo posições do tipo “as enchentes são de responsabilidade dos municípios”, como afirmou o vice-governador Alberto Goldman em entrevista à APJ. Ou, como recentemente disse a Secretaria de Estado de Saneamento e Energia, Dilma Pena, em um canal de televisão que, “em apenas 10 anos será possível resolver o problema”.
Fazer jogo de empurra e tratar o problema como insolúvel em nada vai alterar o atual quadro. A população do Estado de São Paulo está de luto e indignada com as 75 mortes ocorridas até o momento e todo o prejuízo material ocasionado a outras milhares de famílias. Em uma situação como esta é preciso ousadia e estatura política para que medidas sejam tomadas.
O governo Serra (PSDB) e o presidente Lula (PT) precisam assumir suas responsabilidades no que tange à construção de moradias no Estado de São Paulo, em local adequado. Falta de recursos não é desculpa: a fonte já esta apontada, basta saber se de fato existe interesse em acabar com o problema, ou se vamos culpar eternamente a natureza.
E, claro, é preciso que os prefeitos eleitos recentemente também intervenham no planejamento urbano dando ênfase nesta questão. Enquanto as águas de março não fecham o verão, todos os paulistas seguem convivendo com esta triste realidade. Esperamos que a memória não se apague após a passagem das chuvas torrenciais e que possamos, ao longo do ano, mobilizar e construir políticas que preparem e estruturem nossos municípios, para que esta certeza factual que são as chuvas de fim de ano não continuem vitimando e transtornando os cidadãos do nosso Estado.
Raul Marcelo, 30, é deputado estadual pelo PSOL/SP e líder da bancada na Assembleia Legislativa, onde integra as comissões de Direitos Humanos (CDH) e de Cultura, Ciência e Tecnologia (CCT).