Rui Polly – militante do PSOL de Embu/SP
Quando assumiu a pré-candidatura à presidência da República, o companheiro Martiniano Cavalcante lançou um manifesto apresentando as idéias e propostas que, desde então, vem defendendo nos debates realizados pelo partido em todo país. Apresenta-se como o único pré-candidato identificado com os acúmulos políticos alcançados pelo PSOL nos últimos anos, enquanto critica as demais pré-candidaturas como representantes de forças que pretendem dar “um perfil antagônico” ao que o PSOL teve até agora.
Os companheiros Plínio e Babá, segundo ele “buscam, conscientemente, o isolamento e pretendem dirigir a campanha e o discurso do PSOL apenas para a vanguarda socialista”. Para Martiniano, a correlação de forças desfavorável não permite posições radicais. Assim, afirma não ser possível apresentar uma “plataforma de caráter diretamente socialista por pura impossibilidade das condições concretas”. Em vez disso, propõe um “um programa anticapitalista com orientação socialista”.
À parte a forma questionável como tem se esforçado para elevar a temperatura do debate, não há o que questionar quanto à constatação das condições adversas enfrentadas pelo partido. Todos nós conhecemos as dificuldades e adversidades da conjuntura atual, mas também sabemos que essa constatação por si só é insuficiente, uma vez que dela podem ser derivadas diferentes análises e, portanto, diferentes táticas políticas. Do mesmo modo, a sua definição de programa é correta, porém é ainda abstrata, já que pode significar plataformas não só diferentes, mas até mesmo contraditórias.
Mas a insistência de Martiniano em enfatizar a correlação de forças desfavorável merece atenção, pois tem sido um elemento-chave de seu discurso, um verdadeiro parâmetro que define o que deve e o que deve constar no programa do partido. Todavia, prestando atenção no conteúdo de seu manifesto e suas intervenções, a conclusão a que chegamos é que serve muito mais para justificar as suas propostas do que apontar supostos equívocos “vanguardistas” de Plínio e Babá.
Possibilidades e incoerências
No “programa anticapitalista de orientação socialista” de Martiniano não há lugar para propostas de estatização, pois segundo ele “devemos ter clara consciência de que a correlação de forças não nos permite apresentar propostas gerais de estatização de setores econômicos, sejam da indústria ou dos serviços como educação e saúde”. Com relação à estatização das indústrias, seria interessante saber como Martiniano se posiciona sobre a bandeira da reestatização de empresas como a Vale e a Embraer. E se não deveriam ser nacionalizadas empresas de setores estratégicos como a agroindústria de sementes, hoje um setor oligopolizado sob controle de transnacionais da biotecnologia, que não só tem colocado em risco a soberania e a segurança alimentar da população brasileira, mas também ameaçado a própria existência do campesinato brasileiro, com os projetos apresentados pela bancada ruralista, como os vários projetos que pretendem modificar a Lei de Proteção aos Cultivares.
Mas o que espanta mesmo é a sua oposição categórica a qualquer proposta de estatização dos setores da saúde e educação que, junto a outros serviços públicos, estão em processo de sucateamento e sob ameaça de “privatização branca” pelo projeto de lei das fundações estatais de direito privado, que ainda tramita no Congresso Nacional. Um projeto de lei que também ataca os direitos dos funcionários públicos, retirando-lhes a estabilidade, entre outras coisas. Não seria propício colocar esse debate em um momento em que Lula e Dilma enfatizam o papel do Estado, despejando dezenas de bilhões de reais de dinheiro público nos caixas de empresas em dificuldades ou para promover processos de fusão e aquisição de conglomerados? Esta é uma questão que deve ser debatida pelo partido, e não ser descartada sem discussão e de maneira tão categórica, como faz Martiniano. Lembremos que a estatização de setores estratégicos da economia ou de serviços públicos não é uma bandeira diretamente socialista, mas democrática.
Tais propostas, nos diz, serviriam apenas para “chocar” a população e isso seria ruim. Em vez de provocar “choques”, Martiniano prefere fazer “um diálogo mediado e pedagógico com a população”. Entretanto, estabelecer tal diálogo pedagógico significa precisamente buscar o convencimento político da população, conquistá-la para propostas que achamos necessárias e viáveis, embora nas circunstâncias dadas a sua implementação não seja possível. Mas sabemos que um elemento central na correlação de forças é justamente a subjetividade, a consciência política da classe trabalhadora e das camadas exploradas e oprimidas. E é esse o grande desafio dos socialistas no mundo contemporâneo: as condições objetivas estão dadas, faltam as condições subjetivas.
Se nos limitássemos a apresentar propostas “executáveis” aqui e agora ou aceitáveis facilmente pelo senso comum, não haveria necessidade de um “um diálogo mediado e pedagógico com a população”. Pois o sentido e a necessidade de estabelecê-lo, discutindo e argumentando com paciência e clareza, consiste em apresentar propostas e soluções que são objetivamente viáveis e realizáveis, mas que só poderão ser executadas quando a correlação de forças mudar, isto é, quando a maioria da população estiver politicamente ganha.
É aqui que se manifestam os diferentes realismos políticos. Há o realismo político dos que acham que a política é a “arte do possível”, que invariavelmente se traduz em mera adaptação à adversidade, na defesa do que é possível ser colocado em prática, rebaixando a práxis política ao nível do que é aceitável pelo senso comum. E há um outro, o realismo político revolucionário que parte de uma análise rigorosa da realidade e das condições objetivas e subjetivas, não para descobrir o que é possível ser feito ou o que é aceitável para o senso comum. Mas para descobrir quais elos devem ser agarrados para o avanço da luta de classes e da consciência de classe. Em vez de uma “arte do possível”, o realismo revolucionário compreende a práxis política como a arte de criar novas possibilidades que permitam modificar a correlação de forças.
Aliás, quando o companheiro Plínio se refere a provocar um “choque” nas pessoas se refere exatamente a esse sentido pedagógico, de suscitar a reflexão e o avanço político das consciências através de uma relação dialógica e dialética com o senso comum. Capaz de incidir sobre a subjetividade e, portanto, sobre a própria correlação de forças.
Não defender propostas sob a justificativa de que a correlação de forças “não permite” é uma atitude que se esquiva da responsabilidade de remar contra a maré quando é preciso, cedendo sem luta às idéias da classe dominante presentes no senso comum e, assim, se abstém de tentar superar as condições políticas adversas através de “um diálogo mediado e pedagógico”…
É verdade que Martiniano apresenta uma formulação curiosa, de “desenvolver a linha da sintonia fina entre as grandes mudanças políticas e a aplicação de medidas democráticas profundas e incontestáveis”. Uma formulação tão pomposa quanto vazia, pois pode significar qualquer coisa e nada ao mesmo tempo. Uma mera frase de efeito.
Martiniano e o Estado
Surpreendentemente, ao mesmo tempo em que se opõe peremptoriamente a bandeiras democráticas como a estatização de serviços, Martiniano defende propostas que não só a “correlação de forças não permite”, mas que dificilmente podem ser consideradas viáveis. Destaco a idéia de “mudança deste caráter do Estado como instrumento privado a serviço de uma elite econômica e política, transformando-o, de fato, em instrumento a serviço da maioria do povo e por ele controlado”.
Para tanto, sugere uma proposta de “regulamentação do exercício da democracia direta prevista na Constituição”, além de defender “o fim do financiamento privado de campanha e a democratização dos recursos públicos e do tempo de propaganda no rádio e televisão”. Também aponta a necessidade de “apresentar propostas concretas que fortaleçam os conselhos e o controle social sobre o aparelho do Estado”. E, finalmente, para “implementar esta ruptura do círculo de ferro que aprisiona de maneira absoluta o poder político puramente aos interesses do capital, acredito que devemos defender uma Constituinte exclusiva para tratar da reforma política convocada através de um plebiscito nacional”.
Essas passagens condensam inúmeras concepções que são equivocadas e ilusórias. São temas complexos que exigem uma discussão conceitual que não cabe aqui.
Atentemos para o fato de que a proposta de Martiniano não é simplesmente de propor reformas para a democratização do Estado. Ele quer mudar o caráter do próprio Estado capitalista. É, assim, uma proposta de claro sentido estratégico. Intriga-nos que apresente tal proposta, pois é de se supor que considere tal proposta compatível com a atual correlação de forças.
Mas ainda não é este o problema central. Não consideramos que tal proposta seja possível de ser levada a cabo, pelo fato de que a questão central do Estado não é simplesmente de que esteja sendo usurpado para servir aos interesses do capital. Se isso fosse verdade, deveríamos resgatar a bandeira de “desprivatizar o Estado” que Lula e o PT defenderam por tanto tempo.
Como socialistas devemos defender todas e quaisquer medidas ou reformas que garantam mais democracia ou que se choquem com os interesses do capital. Assim, defendemos processos como plebiscitos ou referendos, não porque tenhamos ilusão em tais mecanismos, mas porque possibilitam um debate político mais amplo, permitem aos socialistas intervir com suas posições e são mais democráticos. Mas não é possível chamá-los de mecanismos de “democracia direta”, atribuindo-lhes uma qualidade inerente que não é real. Do mesmo modo, apoiar o financiamento público de campanhas pode coibir ou limitar, mas não impede de modo algum o apoio ostensivo das grandes corporações aos políticos burgueses, até porque estes ainda dispõem do apoio da mídia corporativa com seus canais de TV, rádio, jornais e revistas, além do apoio de outras instituições estatais privadas.
Quanto à ideia de “fortalecer os conselhos” trata-se de um erro crasso. Os conselhos atuais, deliberativos e consultivos, tão exaltados pelo governo como exemplos de “democracia representativa”, talvez com raras exceções, são um pouco mais que uma farsa. Um estudo que fizemos há um ano abrangendo a maior parte dos conselhos e órgãos colegiados federais demonstrou que todo o arcabouço desse sistema de “participação social” é apenas uma fachada democrática para encobrir processos decisórios controlados pelo governo e com enorme influência dos empresários. A participação da sociedade civil é limitada, e a sua própria representação merece ser colocada em xeque. O que é preciso é um debate amplo sobre novos espaços de decisão, que sejam realmente democráticos e garantam a participação popular.
Mas mesmo que todas as propostas de Martiniano fossem concretizadas, ainda assim não haveria uma mudança no caráter capitalista do Estado. Apoiados em uma leitura superficial e impressionista das experiências dos governos de esquerda, intelectuais como o petista Emir Sader definem o Estado como um “campo da luta de classes” cuja natureza de classe poderia ser modificada. Que a luta de classes se reflete, permeia e produz modificações na estrutura do Estado, é inegável. Mas há um limite à permeabilidade da materialidade institucional do Estado capitalista. E é o próprio Martiniano que nos indica isso, pois em seu manifesto mudar o caráter do Estado significa um “controle social” vago e indefinido. Assim, podemos concluir que esse Estado transformado – instrumento a serviço da maioria do povo – ainda é um Estado apartado da sociedade, uma vez que não é a expressão e a materialização da auto-organização da classe trabalhadora, mas um instrumento que a ela serviria e por ela seria “controlado”, numa relação de exterioridade e sobreposição.
Outra incoerência gritante é a defesa de convocação de uma Assembléia Constituinte, debate que já foi levantado no nosso partido há alguns anos. A grande incoerência de Martiniano é defender uma Constituinte ao mesmo tempo em que insiste em nos lembrar que a correlação de forças nos é desfavorável. Um processo constituinte é um reordenamento jurídico-político do Estado burguês que reflete as circunstâncias em que ocorre, podendo resultar em Constituições mais conservadoras ou mais democráticas e avançadas, dependendo exatamente da correlação de forças na sociedade. A convocação da Constituinte de 1988 ocorreu em um momento distinto, quando o país acabava de sair de uma ditadura militar, quando havia fortes e combativos movimentos sociais e um PT que ainda era radical. Essa situação levou, inclusive, as classes dominantes a convocarem não uma Constituinte exclusiva, mas um Congresso Constituinte. O seu resultado expressou essa limitação importante e, ao mesmo tempo, o “espírito da época”. E é sintomático que naquela constituinte alguns políticos de direita e centro-direita defenderam propostas que hoje os parlamentares do PT recusariam por serem “radicais”. Uma Assembléia Constituinte hoje significaria um retrocesso. Por isso, não tem qualquer sentido a proposta de Martiniano.
Em outro momento, ao discutir política econômica, Martiniano afirma que a própria crise internacional “desencadeada em 2008 nos dá excelente condição para defender uma intervenção mais forte do Estado na economia, uma vez que os grandes capitalistas do mundo inteiro socorreram-se, despudoradamente, dos recursos públicos para se salvarem da quebradeira geral”. Mais uma vez esse é o argumento que não só petistas como Emir Sader tem defendido, mas o próprio governo Lula. Sabemos que a posição de Martiniano é oposta à do governo Lula e seus ideólogos. Mas caberia, então, esclarecer o que ele entende por “intervenção mais forte” do Estado.
Além do mais, pensamos ser temerário adotar o discurso de “fortalecer o Estado”. Como socialistas, a nossa perspectiva estratégica é a de construir uma sociedade socialista a partir de baixo. O que pressupõe a substituição do Estado capitalista, e não a sua reforma. Não porque não seja desejável, mas porque a materialidade institucional do Estado capitalista é incompatível com a idéia de controle e gestão de todos os aspectos da vida social pela classe trabalhadora, pelos camponeses e por outros setores sociais explorados e oprimidos.
Como afirma o programa do PSOL:
“Uma alternativa global para o país deve ser construída via um intenso processo de acumulação de forças e somente pode ser conquistada com um enfrentamento revolucionário contra a ordem capitalista estabelecida. Nesta perspectiva é fundamental impulsionar, especialmente durante os processos de luta, o desenvolvimento de organismos de auto-organização da classe trabalhadora, verdadeiros organismos de contra-poder“. (grifo nosso)
Coerente com essa visão, a nossa meta não é fortalecer, mas enfraquecer o Estado capitalista com o objetivo de substituí-lo por um outro tipo de Estado que, segundo Lenin, seria um semi-Estado alicerçado justamente nos “organismos de contra-poder” citados no programa. O que devemos é fortalecer, sim, os movimentos sociais e a auto-organização popular. Em uma eventual vitória eleitoral do PSOL, deveríamos usar a máquina estatal, tensionando-a até o limite, para atacar frontalmente os interesses do capital, enfraquecer o poder do Estado capitalista e fortalecer e empoderar as organizações de todos os explorados e oprimidos.
As propostas de Martiniano, entretanto, nos afastam da visão presente no nosso programa partidário. Caberia uma pergunta. Não levaria também o partido a assumir um perfil antagônico àquele expresso no seu programa?
A política ambiental de Martiniano e Marina Silva
Pelo manifesto e pelas intervenções de Martiniano percebe-se que o companheiro não é muito afeito a fazer auto-crítica. Nossas opiniões foram apresentadas em um documento (“Marina Silva e PSOL: uma aliança insustentável”), e não iremos repeti-las aqui. Apenas agregar alguns argumentos brevemente.
Sobre o caso Marina Silva, Martiniano diz:
” (…) Não escolhemos o caminho simplista e cômodo de menosprezar aquela ruptura incompleta com o PT, rotulando-a de ecocapitalista e nos autoproclamando ecossocialistas. Procuramos dialogar com o movimento desencadeado por ela, com sua simbologia de política limpa vinculada à importantíssima questão ambiental e com a base social que ela representa. Propusemos que ela se juntasse a nós para combater, com coligação de esquerda, a polarização PT x PSDB. Esta atuação do PSOL demonstrou a todo o país, com fatos e não com discursos professorais, que ela e o seu PV preferiram se aproximar dos tucanos e dos demos, deixando-nos em posição privilegiada para combatê-la”.
Mais uma vez estamos diante de sofismas e subterfúgios. Não foi o caso de menosprezo da ruptura de Marina Silva com o PT, mesmo porque a senadora rompe com o PT após iniciar discussões com o PV. Quando rompe já havia feito a escolha. Portanto, não foi uma ruptura inconclusa. Ela rompeu pela direita. E foi então que a Executiva decidiu estabelecer uma discussão com a senadora. Assim, o que ocorreu foi a superestimação daqueles que aprovaram o diálogo com Marina Silva e a ilusão de que se poderia chegar a algum denominador comum com o fisiológico PV.
E o conjunto de pontos apresentados para a discussão programática com o PV também demonstra uma outra questão. Não havia um ponto referente à política ambiental. Sinal de que se aceitava sem discussão as posições de Marina Silva sobre o meio-ambiente. Talvez um sinal de desconhecimento da política ambiental do governo Lula e das políticas que foram adotadas por Marina Silva na condição de Ministra do Meio Ambiente. Mesmo quando a senadora já apontava, ao mesmo tempo em que discutia com o PSOL, a sua intenção de ter Guilherme Leal, um bilionário e um dos donos da Natura, empresa acusada várias vezes de biopirataria, a Executiva Nacional insistiu em sua ilusão.
Mas o argumento final de Martiniano é risível. Afirma que estamos em melhor condição para combater Marina Silva porque a atuação do partido demonstrou que ela preferiu se aliar aos tucanos e demos em vez de coligar com o PSOL. O mínimo que podemos dizer é que se trata de um insulto à inteligência dos militantes. O PV já estava coligado com esses partidos em todo o território nacional. E o país veria o PV se coligar com esses partidos independentemente de qualquer coisa. Martiniano não leva em conta a confusão causada nas fileiras partidárias com a aproximação com Marina Silva e PV. Perdemos tempo precioso em debates internos ásperos que serviram para fragmentar o partido, para escutarmos, a esta altura do campeonato, uma avaliação falaciosa como a que nos apresenta Martiniano.
Martiniano critica Plínio, sem citá-lo, por tê-la chamado de “ecocapitalista”. Como Martiniano define a política ambiental de Marina Silva? Como definir uma ex-Ministra que licenciou as usinas hidrelétricas do rio Madeira, que apresentou e conseguiu aprovar a Lei de Concessão de Florestas Públicas, que apoiou e licenciou o projeto de transposição do rio São Francisco, que contraiu um empréstimo programático do Banco Mundial para “aperfeiçoar” o sistema de gestão ambiental brasileiro? Que desmembrou o IBAMA via medida provisória, sem consultar ninguém, e que diante da greve dos funcionários adotou uma postura de enfrentamento aberto sem buscar o diálogo?
A Marina Silva de hoje é, fundamentalmente, a mesma Marina Silva de anos atrás. Cercada por defensores de um ecodesenvolvimento nos marcos do capitalismo. Apoiada por empresários e por ONGs de práticas e políticas questionáveis. Martiniano diz que “devemos aproveitar a campanha eleitoral para propagandear a concepção ecossocialista e expor pedagogicamente a incompatibilidade do sistema capitalista com a sustentabilidade ambiental”. Uma intenção louvável. Mas o parágrafo sobre política ambiental apresenta apenas um conjunto de propostas soltas que podem ser encontradas em alguma busca simples no Google ou em qualquer site de qualquer ONG, mesmo de ONGs tucanas.
A única proposta de fato, plausível de ser exposta como parte de um programa de governo, é a ideia de “criação de um grande empresa estatal, nos moldes do que foi a criação da PETROBRAS, que funcione como um centro nacional de pesquisa aplicada e produção sustentável baseada na biodiversidade da Amazônia, do Cerrado e da Mata Atlântica”. E defende que “o Brasil assuma a vanguarda mundial na luta por uma economia limpa e sustentável através de uma forte intervenção estatal que leve em conta também a necessidade de um programa nacional de educação ambiental que mobilize as forças do povo brasileiro”.
Primeiro, é preciso saber o que ele entende por “produção sustentável”, pois pode significar muitas coisas. Afinal, produção para que, para quem e por quem? O que significa uma produção sustentável baseada na biodiversidade dos biomas citados?
Segundo, a abordagem de Martiniano acaba tendo um viés tecnocrático ao achar que a solução está numa estatal que funcione como “um centro nacional de pesquisa aplicada” aos biomas citados. Antes disso, é preciso ter uma análise e uma política para cada um desses biomas. Isso significa levar em conta, em primeiro lugar e fundamentalmente, as comunidades e populações que promovem há muito tempo atividades econômicas adequadas às características dos diversos biomas. Antes de lançar qualquer proposta como essa, não seria o caso de envolver esses setores para, juntos com ambientalistas, técnicos e outros segmentos em uma ampla discussão? De qualquer modo, é preocupante o apego de Martiniano ao Estado. Mais uma vez nos fala de “forte intervenção estatal”, mas não cita os indígenas, camponeses, as comunidades e populações com seus conhecimentos tradicionais, nem os moradores das periferias urbanas que são os que tem sido atingidos por barragens, megaprojetos e pelos impactos de uma política econômica predatória e excludente.
Em vez de uma estatal, seria muito mais importante abrir uma discussão em torno de mecanismos que possibilitem incorporar a dimensão ambiental no conjunto das políticas. Afinal, as políticas com impacto socioambiental negativo são formuladas na Casa civil, Ministério de Minas e Energia, Ministério da Agricultura, Secretaria da Pesca, Ministério do Desenvolvimento, Ministério de Ciência e Tecnologia, etc. Esta é uma questão crucial a ser enfrentada por qualquer programa que lute pela sustentabilidade ambiental.
Muitos outros pontos mereciam discussão, mas essa será uma tarefa a ser levada a cabo após a III conferência, quando o partido deverá buscar dialogar e debater com movimentos sociais, ONGs sérias e comprometidas, intelectuais e ambientalistas, para elaborarmos um programa em sintonia com as bandeiras e reivindicações pautadas pela sociedade.
Um programa “anticapitalista com orientação socialista”
Concluindo, são inúmeras as inconsistências e incoerências nas propostas de Martiniano. Suas propostas pecam simultaneamente pelo seu caráter recuado (a “correlação de forças não permite”) e pelo caráter ilusório de algumas proposições referentes ao Estado. Como afirmamos no início o mantra da situação política adversa acaba sendo um biombo atrás do qual se escondem propostas que, longe de serem viáveis, contribuem parar desarmar politicamente a classe na medida em que semeia ilusões e falsas soluções.
Assim, a promessa de um programa anticapitalista com orientação socialista não se concretizou. Nem há sequer um esboço de um programa desse tipo. Pelo contrário, se a III Conferência Nacional aprovar um programa baseado nas propostas apresentados por Martiniano significará, aí sim, a adoção de um perfil político antagônico ao expresso no programa do PSOL. Certamente, como um dos fundadores do partido, Martiniano deve se lembrar do conteúdo programático aprovado em 2004.
Não temos dúvida de que será uma eleição extremamente difícil, em uma conjuntura complexa. Uma eleição marcada pelo consenso em torno do modelo de desenvolvimento de um governo Lula que além de contar com índices de popularidade altíssimos, tentará rebaixar o debate político a uma mera comparação de “quem fez mais”. Dilma se apresentará como a única capaz de continuar a obra do “mestre”. Serra tentará se credenciar como melhor administrador e se fará críticas ao governo Lula, não atacará os fundamentos da sua política econômica e seu modelo de desenvolvimento.
Romper esse cerco será um enorme desafio. Não temos dúvida de que podemos rompê-lo, mas isso exigirá uma intervenção qualitativa, com argumentos capazes de desconstruir esse modelo de desenvolvimento e com um programa que ao mesmo tempo incida sobre as reivindicações e necessidades da população brasileira e busque resgatar o projeto socialista, recolocando-o no debate político nacional. Tudo isso sem abrir mão de um discurso claro e didático na melhor tradição dos socialistas revolucionários.
Por essas razões pensamos que Plínio de Arruda Sampaio é quem melhor pode nos representar para assumir essa grande batalha política que se aproxima.
Rui Polly – militante do PSOL de Embu/SP