Por Maíra Kubik
(Uma blogueira feminista defendendo mais bunda e mais peito? Que ironia!)
Em tempos de discussões inflamadas sobre direitos humanos, não é só o autoritarismo da ditadura militar brasileira que deveria entrar em pauta. Exemplos de violação não faltam nos dias atuais: tráfico de seres humanos, trabalho escravo no campo, extermínios comandados pela PM do Rio de Janeiro e… – por que não? – a São Paulo Fashion Week.
Afinal, as modelos da edição 2010 estão absolutamente esqueléticas. Magras de doer. Só o osso, como se diz por aí.
Mas esse tempo já não tinha passado?
Bem, é verdade que há três ou quatro anos um movimento contra a anorexia e a bulimia ganhou as passarelas de todo o mundo e, de fato, conseguiu reverter essa tendência nada fashion de mulheres cadavéricas. Porém, segundo as agências, isso já é muito “last season”, démodé. De volta, então, ao cemitério!
Se havia alguma preocupação, tanto com a saúde física e psíquica das modelos, quanto com o ideal de beleza que os desfiles passavam para a sociedade, isso durou pouco. Antes, ouvia-se dizer que algumas grifes mantinham balanças nos bastidores e pesavam todos e todas um pouco antes dos holofotes, para evitar que pessoas magras demais entrassem na passarela. Hoje, porém, não há nem sinal disso. “Culpa da semana de moda de Paris”, dizem.
O resultado, já conhecemos: quem entra num manequim 36 é considerada muito “acima” da média. E, assim, ficamos sabendo que existem profissionais com um Índice de Massa Corpórea (IMC) semelhante ao de crianças de nove ou dez anos.
Sim, eu sei, a maioria delas mal saiu da infância. Pior ainda, pois além de não ter muita experiência para discernir o que é a importância do sucesso profissional versus a manutenção da saúde, estão em fase de crescimento, o que significa deveriam estar comendo ao invés de vomitando.
O editor de moda do jornal Folha de S. Paulo, Alcino Leite Neto publicou hoje, junto com a jornalista Vivian Whiteman, um artigo corajoso, denunciando a falsidade de opiniões em torno da questão: “uma rede de hipocrisia se espalhou há anos na moda, girando viciosamente, sem parar: os agentes de modelos dizem que os estilistas preferem as moças mais magras, ao passo que os estilistas justificam que as agências só dispõem de meninas esqueléticas. Em uníssono, afirmam que eles estão apenas seguindo os parâmetros de beleza determinados pelo “mercado” internacional – indo todos se deitar, aliviados e sem culpa, com os dividendos debaixo do travesseiro”. Faço minhas as palavras dele, que conclui o texto dizendo: “o filósofo italiano Giorgio Agamben escreveu que as modelos são ‘as vítimas de um deus sem rosto’. É hora de interromper esse ritual sinistro. É hora de parar com essas mistificações da moda, que prega futuros ecológicos, convivências fraternais e fantasias de glamour, enquanto exibe nas passarelas verdadeiros flagelos humanos”.
Maíra Kubík Mano é jornalista. Mestranda em Ciência Política na PUC-SP, estuda a relação entre a mídia e as mulheres. Foi editora-assistente da revista História Viva e já colaborou com diversas publicações. É editora de Le Monde Diplomatique Brasil. É militante do PSOL.