Pronunciamento do deputado Ivan Valente
Sra. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, venho à Tribuna neste dia para tratar de um tema que diz respeito à saúde de toda a população brasileira. Na semana passada, entrou em vigor a resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que proíbe as farmácias de todo o país de vender produtos de conveniência, como alimentos e bebidas, executar serviços bancários e de manter medicamentos expostos em prateleiras ao alcance dos consumidores.
Rapidamente, começou uma guerra de liminares na Justiça para impedir o cumprimento da resolução. A Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Abifarma), por exemplo, conseguiu para seus associados uma liminar desobrigando-os de cumprir a medida, alegando que muitos estabelecimentos não teriam condições econômicas de promover tais mudanças.
É preciso lembrar, no entanto, que as farmácias foram notificadas a respeito das alterações exigidas pela Anvisa há cerca de seis meses e que pouco fizeram para se adequarem às novas regras, que dispõem nada mais nada menos sobre a boa prática farmacêutica. Trata-se, Sr. Presidente, de um debate feito há décadas no Brasil, mas que não consegue avançar diante do poderoso lobby da indústria farmacêutica, controlada por laboratórios multinacionais, que busca lucros incalculáveis sob o risco da saúde de brasileiros e brasileiras.
Basta lembrar que há mais de 10 anos tramita no Congresso Nacional o substitutivo do Projeto de Lei nº 4.385, da ex-Senadora Marluce Pinto, que aborda exatamente este tema. Em 1997, fui relator desse projeto na então Comissão de Defesa do Meio Ambiente e do Consumidor. Naquele momento, fechamos um substitutivo que apontava para a assistência farmacêutica integral, como parte de uma política nacional de saúde, direito do cidadão, de não transformar medicamentos em mercadoria. O objetivo é que a farmácia não seja mais vista como um estabelecimento comercial qualquer, onde não sejam vendidas baterias de carros, sorvetes, ração para animais, roupa, sabão em pó, espetinhos de churrasco e até produtos prejudiciais à saúde. O substitutivo define a farmácia como estabelecimento sanitário, ponto de linha do SUS, e prevê a presença obrigatória do farmacêutico profissional, responsável pela dispensação em tempo integral.
Ou seja, garante a orientação necessária para que se consuma um produto que não é o mesmo que qualquer mercadoria. Um dos mais significativos objetivos da proposta é acabar com a chamada “empurroterapia”, em que o balconista de farmácia recomenda ao cliente qual medicamento utilizar, sem ter competência para tal instrução. Todas as estatísticas provam que a ingestão de medicamentos sem receita e orientação ocupa o primeiro lugar nos casos de morte e intoxicação no país. As pesquisas também mostram que os índices indiscriminados de auto-medicação têm aumentado com o passar do tempo.
Pela proposta, o farmacêutico e o proprietário exercerão a responsabilidade solidária, realizando todos os esforços no sentido de promover o uso racional de medicamentos. As farmácias terão cinco anos para se adequar a lei. Nos municípios com menos de 15 mil habitantes o prazo de transição pode ser prorrogado por mais dois anos.
Nosso substitutivo foi apoiado em todas as Comissões e está na Mesa da Câmara pelo menos desde 2001 para ser votado. Trata-se de uma proposta apoiada pelo Ministério da Saúde, por todas as entidades que defendem a saúde pública neste país, por todas que defendem a assistência farmacêutica integral. Em 2008, inclusive, fruto da mobilização da Federação Nacional dos Farmacêuticos, lançamos nesta Casa uma Frente Parlamentar de Assistência Farmacêutica. Enfim, Sr. Presidente, é um projeto de utilidade pública que ataca exatamente o mesmo problema apontado na recente resolução da Anvisa.
Para termos idéia da gravidade da situação das farmácias brasileiras, desde a entrada em vigor da resolução da Anvisa, a fiscalização da Agência já interditou dezenas de drogarias em diferentes estados brasileiros, além de ter efetuado prisões. Numa inspeção realizada em São Paulo e Belo Horizonte, por exemplo, as irregularidades encontradas incluíram venda de medicamentos para disfunção erétil falsificados, anabolizantes e abortivos contrabandeados e medicamentos controlados sem receita. Foram apreendidos 15 mil comprimidos de venda controlada e 500 quilos de medicamentos sem registro. Sem falar dos estabelecimentos que não tinham nenhum farmacêutico no local durante o horário de funcionamento.
Neste sentido, manifestamos nosso apoio integral à resolução da Anvisa, que ao fiscalizar o alcance fácil de remédios por clientes em farmácias encontrou no caminho problemas muito mais sérios que precisamos combater. Para isso, é preciso a união de esforços do Executivo, do Judiciário e do Legislativo. Esta Casa tem um papel a cumprir, que não pode levar mais tempo, enquanto a saúde de brasileiros e brasileiras corre riscos. Vamos votar definitivamente o substitutivo do PL nº 4.385, mostrando o compromisso da Câmara dos Deputados com a defesa da saúde pública.
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP
Plenário da Câmara dos Deputados – 24/2/2010