Por Plínio de Arruda Sampaio
No caso das enchentes, há um bloqueio da opinião pública quanto a medidas fora daquilo que o senso comum considera razoável
Enchentes e desabamentos de morros monopolizam o noticiário. São cenas recorrentes em todos os verões, agravadas agora pelas transformações ambientais e pelo acúmulo de pessoas sem condições de morar em lugares adequados.
Recorrentes também são as críticas da oposição e as justificativas dos governos. Contudo, ambas apresentam as mesmas propostas: remoção de populações, auxílio monetário para alojamento, verbas para afundamento da calha dos rios, obras de proteção de encostas. Paliativos logo esquecidos.
O diagnóstico do problema é simples: “alagamentos decorrem da ocupação do leito dos rios; desabamentos, da ocupação de terrenos impróprios para a construção de casas. Só que não há nada a fazer, porque obviamente não é possível desocupar as casas nas áreas de risco nem construir outras para todos os moradores ameaçados. O custo ultrapassaria o limite do possível”.
Resposta padrão, repetid a monotonamente para todos os demais problemas do país: violência nas favelas e morros, situação dos presos, abandono dos menores, fracasso do sistema educativo etc.
Resposta que revela a incapacidade das classes dominantes de resolver qualquer problema que implique a restrição de seus privilégios.
Mais grave, porém, é o bloqueio da opinião pública a respeito de qualquer medida fora daquilo que o senso comum considera razoável. Qualquer proposta que saia desse script é logo descartada por reducionista, propagandística, radical.
Num quadro desse tipo, não haverá possibilidade de solucionar o problema das enchentes e dos desabamentos, bem como todos os outros graves problemas que caracterizam a situação de barbárie social em que se encontra o país.
É indispensável, por isso, enfrentar esse bloqueio e propor as soluções efetivas dos problemas nacionais, ainda que, num primeiro momento, elas possam não ser entend idas pela maioria do eleitorado.
Por exemplo: no caso das enchentes, é preciso propor a desocupação da calha dos rios.
No caso das favelas, é preciso propor o adensamento da malha urbana, com a construção de edifícios para abrigar a população das áreas impróprias nas zonas centrais das cidades, perto de seus locais de trabalho.
Mas atenção! Primeiro proporcionar habitações aos moradores dessas áreas de risco, depois efetuar a operação de devolução do leito e das encostas à natureza. Novamente, atenção! Não apenas os moradores devem sair. Empresas como a Bauduco, a Votorantim e várias outras que se estabeleceram nessas várzeas também devem ser retiradas desses lugares.
Mas e o dinheiro para isso? O dinheiro virá das mesmas fontes que irrigaram o sistema financeiro para evitar o colapso dos bancos e para premiar especuladores.
Uma população condicionada ao conformismo não se arrisca a exigir seu direi to nem consegue solidarizar- se com os demais para enfrentar coletivamente a dominação.
Caio Prado Jr. e Celso Furtado mencionaram várias vezes que o maior problema brasileiro era a ignorância acerca de suas limitações e de suas possibilidades. Por isso, alimenta ilusões de grandezas que não tem e descarta as ações que estão dentro das suas possibilidades.
Dispomos de todos os recursos necessários para resolver o nosso gravíssimo problema social. Mas, como esses mesmos autores esclareceram, a decisão de resolver os problemas implica o enfrentamento com adversários externos e internos e, consequentemente, o risco de sofrer retaliações.
É o preço da independência. Um povo que descarte essa hipótese, na verdade, não a merece.
PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO 79, advogado, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e Diretor do “Correio da Cidadania”. Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).
Fonte: Folha de São Paulo/Tendências e Debates