Por Nathalie Drummond, Thiago Trindade de Aguiar e Bárbara Vallejos
O ano de 2009 ficará marcado na história da maior Universidade brasileira. A USP e a sociedade paulista assistiram, estarrecidos, aos insólitos acontecimentos de junho, quando a Polícia Militar, a mando de José Serra e da reitora Suely Vilela, pela primeira vez em décadas, invadiu o campus universitário e reprimiu brutalmente uma manifestação pacífica. Contra a política de precarização da educação pública, há muito levada adiante pelos governos do PSDB – expressa pelo programa UNIVESP (que pretende formar professores para a rede estadual através do ensino à distância) –, os ataques à carreira docente e a repressão à organização sindical, estudantes, professores e funcionários da USP mobilizaram- se em torno da necessidade de mais democracia na Universidade.
A intervenção da militância do PSOL na USP foi decisiva no questionamento às arbitrariedades do governo paulista, que pretende fazer vergar todos os que se coloquem à frente das pretensões presidenciais de Serra. A partir da politização cotidiana e da aposta na construção política ampla com o conjunto de estudantes, impulsionamos a campanha dos blusas-amarelas, exigindo a saída da reitora Suely Vilela. No segundo semestre, a falta de democracia ficou ainda mais clara na escolha para o reitor da Universidade. A partir da indignação da comunidade universitária, debatemos a necessidade da democratização e da realização de eleições diretas para reitor. Em um processo evidentemente antidemocrático, foi escolhido João Grandino Rodas – mentor da entrada da PM no campus e segundo colocado em uma lista elaborada pela cúpula universitária.
Mesmo em tal cenário de indignação no qual se conseguiu, em alguns momentos, aglutinar uma parcela importante de estudantes, a mobilização ao longo do ano restringiu-se aos setores organizados da vanguarda do Movimento Estudantil. A relativa apatia e desmobilização, especialmente durante o segundo semestre, deve-se à política do PSTU, cujo centro de intervenção à frente do DCE foi a construção de sua entidade nacional e não o estímulo a que crescesse a mobilização estudantil a partir da politização do sentimento de indignação frente à entrada da PM e a falta de democracia na universidade. De outro lado, optaram por servir de linha auxiliar ao Sindicato dos Trabalhadores da USP que, embora combativo, nunca esteve disposto a dialogar com as consciências dos estudantes, mas sim a fazer com que os estudantes sejam, a todo custo, linha auxiliar da política sindical.
Frente à falta de alternativa ampla de mobilização, a direita ganha espaço na USP
Apesar dos ataques à Universidade e ao movimento social organizado e da indignação que causaram, o sentimento conservador manifestou-se com força nas eleições para o DCE. Apoiada pelo establishment direitista universitário, a chapa “Reconquista” entrou na disputa afirmando-se a opção apartidária, que lutaria por “segurança, autonomia e liberdade”. Com discurso contrário à mobilização estudantil e apoiando o regime universitário e suas escolhas ao longo de 2009, na realidade, esse grupo confunde-se com os setores mais reacionários da sociedade paulista. Não à toa, recebeu apoio do jornal Estadão em sua cobertura e de outros órgãos de imprensa. A vitória desse setor, em uma conjuntura dificílima para a esquerda e, em especial, numa Universidade cuja direção manifesta fidelidade canina aos interesses tucanos, significaria uma enorme derrota para o Movimento Estudantil e para seu histórico de décadas de luta em defesa da educação pública de qualidade, além de um reforço de peso para a campanha de Serra e do PSDB na elitizada USP.
Uma política aparelhista e afastada dos estudantes é incapaz de oferecer respostas
O PSTU, que até então dirigia o DCE da USP, mostrou a serviço de que está sua política e foi, ao longo desse processo, fragorosamente derrotado. Ao longo do ano, fez a opção sectária de buscar, a todo o momento, a construção de (sua) pretensa nova entidade nacional. Partindo do diagnóstico correto dos limites e contradições da UNE, autoproclamou- se a vanguarda nacional dos estudantes capaz de contrapor-se ao governismo com a ANEL – um novo aparelho que nasceu tão hegemonizado quanto a UNE. Na realidade, essa política dividiu e desarmou uma série de lutadores, já que o grande desafio da esquerda no Movimento Estudantil é ganhar as consciências de milhares de estudantes para um projeto conseqüente e radical de transformação. Ao optar por colocar o DCE da USP a serviço da construção de seu aparelho e pela discussão exclusiva com a vanguarda, o PSTU virou as costas ao conjunto de estudantes da USP e abriu espaço para que a política silenciosa e rasteira da direita ganhasse fôlego entre os estudantes. Tais escolhas custaram caro aos companheiros e servem de lição a todos os lutadores do movimento social. Seis meses após sua criação, já não há – na verdade, nunca houve – o que se chamar de ANEL além da militância de juventude do PSTU. A política aparelhista do PSTU não foi apenas derrotada no DCE da USP, mas na UFMG e na UERJ entre outras universidades.
O papel que cumpre a UNE e os limites da política governista
Fica claro que também o governismo não é uma saída. Com uma participação menos que medíocre nas eleições e agora sob suspeita de corrupção na condução da UNE, leva uma política que anestesia os estudantes e que foi incapaz de oferecer qualquer resposta ao processo de fortalecimento da direita tradicional nas eleições para o DCE mais importante do Brasil. A única forma de disputar setores de massas com uma política de esquerda é a partir de bandeiras reais que respondam às necessidades estabelecidas. Somente assim, abrem-se as possibilidades de fazê-los avançar, de combater o governismo e, também, de abrir fissuras de disputa na UNE.
O rechaço que um amplo setor de estudantes da USP deu à política da direita é a mostra de que o acúmulo de mais de 30 anos de lutas estudantis, do qual a UNE é fruto, segue presente em sua memória. O esvaziamento político desse setor e a vitória que tivemos contra a direita deixam claro que é possível fazer um contundente enfrentamento pela esquerda à política dos governos sem recorrer à afirmação de aparelhos artificiais deslocados da disputa real das consciências dos estudantes.
Lições que a disputa da USP deixa à militância socialista
A vitória no DCE da USP, conquistada voto a voto, com muito sacrifício militante, deixa algumas lições à esquerda combativa. A direita segue fortalecendo- se e numa preocupante ofensiva mesmo nos mais tradicionais redutos do pensamento e militância política de esquerda. Infelizmente, os frágeis aparelhos, os gritos autoproclamató rios e o conforto da (minúscula) vanguarda não são suficientes para derrotar o poder da mídia e a política ladina e golpista da direita, representada, na USP, pela “Reconquista”. É necessário buscar agrupar amplos setores e fazer avançar uma política de massas. Na USP, mostramos tal ser possível, buscando o contato e construção – cotidianos e não eleitoreiros – com os ativistas dos cursos e diretores de Centros Acadêmicos em torno de bandeiras claras que canalizaram a indignação com a falta de democracia e a corrupção do regime universitário. Foi necessária muita ousadia e militância para estar ao lado de um setor estudantil de massas, uma vanguarda ampla que procura uma outra saída para além dos pretensos aparelhos de luta e da política direitista que rechaça a organização coletiva e a mobilização.
Nossa construção política ao longo de 2009 na USP e as eleições que vencemos também permitem iluminar o importante debate que, nesse momento, se dá no seio da militância socialista brasileira comprome
tida com a construção, que fortemente apoiamos, de uma nova central sindical. Está claro que a necessária unidade entre trabalhadores e estudantes só será obtida quando uma política combativa e de esquerda conseguir aglutinar, em torno de si, a partir de bandeiras reais, massas estudantis comprometidas com a transformação da sociedade. A USP deixa a todos um importante alerta: a política aparelhista levada a cabo pelos companheiros do PSTU em torno da chamada ANEL desmobilizou os estudantes, afastou-os dos trabalhadores, abriu espaço para a reação da direita e conduziu-os a uma grande derrota. A pretendida formação de uma nova central dos trabalhadores que agrupe agora estudantes é uma invenção desse setor e não tem nada a ver com a realidade. Organizar os estudantes, derrotar politicamente a direita e o governismo, canalizando a indignação de amplos setores, é o que melhor pode fazer o Movimento Estudantil para aliar-se aos trabalhadores em luta contra a retirada de direitos e os ataques dos patrões. A importante campanha pelo “Fora Yeda”, no Rio Grande do Sul, parece-nos exemplar nesse sentido.
O árduo e importante esforço que fizemos demonstra que é possível vencer mesmo numa conjuntura adversa. A tarefa que agora assumimos é a de fazer avançar o sentimento democrático, anticorrupção e contrário à política de direita a que responderam os estudantes da USP. Assim, abre-se espaço para que o PSOL pleiteie sua influência política entre amplos setores da USP. Isso significa que é fundamental o intercâmbio de nossa experiência com as experiências de outros camaradas do partido na busca da unificação de uma política estudantil do PSOL. Nosso partido, além disso, deve tomar nosso triunfo no DCE mais importante do Brasil como um triunfo de todo o PSOL! É fundamental que nossos companheiros tomem conhecimento do difícil processo que aqui vivemos e da aguerrida resposta que teve nossa militância. Através de nossos parlamentares e de todas as tribunas que ocupamos, será necessário, mais do que nunca, o apoio de nosso partido nas lutas que virão. Se o presente é de luta, o futuro é da gente!
Nathalie Drummond
Thiago Trindade de Aguiar
Bárbara Vallejos
Militantes do MES/PSOL – USP
Janeiro de 2010