“Santa Maria, 27 de janeiro de 2010.
Querido Chico,
Dos netos, das memórias e das flores, vou cuidar quando ficar velho. Por hora, vou cuidar do Brasil, que sempre foi o que deu sentido à minha vida.
Respondo brevissimamente às suas questões, porque estou ansioso por obter o seu apoio ainda em tempo útil.
1) A modernização de algumas indústrias não caracteriza nenhum processo de modernização e é marginal no volume dos investimentos que tem sido feitos. Plininho tem análises bem elaboradas sobre isto. Enviarei a você uma cópia quando chegar em SP. O grosso do investimento está sendo feito no grande negócio da montagem de uma enorme economia de exportação de produtos primários, esse investimento não tem nada de modernizador, nem técnica, nem socialmente: há estudos mostrando que trabalhadores das “modernas” usinas de SP estão morrendo de fadiga.
2) Entregar cem reais a uma família miserável sem lhe oferecer emprego digno não pode ser considerado assistência real.
3) Não fiz uma proposta de restringir a campanha presidencial aos “politizados”, mas apenas uma previsão baseada no grau de politização do povo. O que disse é que não devemos rebaixar nosso discurso para nivelarmos ao nível de compreensão das massas. Mas isso não significa a necessidade de um grande esforço didático para ser compreendido por todos (Platéia/ não vou andar em cima de um elefante na avenida Getúlio Vargas para atrair público para a panfletagem).
4) Tenho um texto detalhado sobre a metodologia que entendo apropriada para compor o nosso programa: ouvir e incorporar as demandas dos movimentos populares autênticos. Esses movimentos falam diretamente com as grandes massas e, portanto, podem nos transmitir suas aspirações. O que disse e reafirmo é que: feito isso, no nível do discurso, é preciso, didaticamente, acrescentar a limitação dessas soluções e a necessidade de uma perspectiva mais ampla que já aponte para o socialismo (com inteligência e bom senso, Chico).
5) Saudei a entrada de Marina no páreo com um artigo no Correio, mas deixei nesse artigo as condições para que sua rebeldia possa ser
6) Minha crítica a Lula é explicita desde 1998, quando ele rejeitou a proposta de campanha que lhe fiz. Creio já ter relatado o episódio a
você com detalhes. Lula desertou do socialismo. O PT tornou-se um partido da ordem, por isso saímos dele você e eu.
7) Obviamente, a campanha tem o objetivo de ajudar na eleição dos deputados. Cuidarei pessoalmente disso. O que não pode acontecer é que a quebra de valores políticos e éticos para atingir esse objetivo (vide Gerdau). O dever do socialista é conscientizar a população. Por isso, este é o objetivo principal.
Em 1986, escrevi um texto sobre o problema da educação e o expus a 5 mil escolas católicas reunidas na AEC. Não falei em estatizar. Falei em
educação pública, ou seja, retirar o serviço educacional do comércio, impedir que a educação seja uma mercadoria. A educação pública não é
incompatível com as escolas comunitárias confessionais. Os educadores católicos escadalizaram-se mais com minha proposta do que alguns companheiros socialistas. Como pretendo abordar o assunto?
Defenderei os itens do programa do ANDES e das entidades de professores de professores secundários e, no discurso, apontarei as limitações dessas soluções e a necessidade de olhar mais adiante.
Forte abraço
Plinio”
Caríssimo Plínio
Carta do deputado federal Chico Alencar (PSOL/RJ) ao camarada Plínio Arruda Sampaio, um dos pré-candidatos do partido à presidência da República. Pelas questões colocadas, que servem como um verdadeiro roteiro para vários dos pontos em debate na militância socialista neste momento, tomamos a liberdade de publicá-la. Eis a carta:
“Caríssimo Plínio:
Duas preliminares: em primeiro lugar, saúdo sua admirável disposição de estar a serviço da causa, enfrentando esta ‘pedreira’, numa conjuntura tão adversa – a começar pelas debilidades do nosso próprio partido. V. já poderia, merecidamente, estar, nessa “3ª infância”, curtindo netos e observando a vida da janela do seu sítio… Em segundo lugar, não considerei o melhor método de construção política aquele lançamento do seu nome – por algumas correntes, meio de surpresa – no tumultuado Congresso do partido, inclusive sem a sua presença, dando uma embocadura que me pareceu muito estreita para quem tem uma trajetória larga e fecunda.
Vida que segue, e o quadro agora já é bem outro. Faço, como combinamos, as seguintes ponderações, de forma objetiva (e limitada, por isso e pelos meus próprios limites de análise):
1- o Plínio “histórico” – todos somos, na vida pública, uma continuidade – é, a meu juízo, o melhor nome que temos a oferecer para a dificílima disputa de um projeto nacional. Mas o Plínio de algumas posições mais recentes – objeto dos itens a seguir – pode trazer problemas. Quero muito o primeiro, incisivo e sereno, amplo e posicionado, socialista mas que entende que o socialismo, hoje, vive uma crise até do seu significado: será ele?
2- V. considera mesmo que o Brasil apenas reprimarizou sua economia, numa “regressão neocolonial”? Não há um pólo moderno – e crescente, dos grandes conglomerados – que dá uma nova configuração ao capitalismo no Brasil, nos insere no clubinho do G-20 (até como modelo dos periféricos, fortalecendo o discurso da “soberania”) , promove assistência real a setores dos espoliados (base para a popularidade de Lula) e nos desafia a refinarmos categorias de análise, percepção de estrutura de classes, a ideia do “desenvolvimento” etc?
3- Qual a importância da questão ambiental, que, na minha visão, tem centralidade na escolha de caminhos de sobrevivência da humanidade, mas que a esquerda não conhece direito, nem valoriza, mencionando apenas ‘en passant’, de maneira meramente retórica, deixando essa bandeira para os ecocapitalistas? A ecologia, na medida em que se relaciona com matriz energética, forma de exploração dos recursos e hábitos cotidianos (i. é, economia e política), não implica, de nossa parte, em profunda chacoalhada na nossa visão de mundo e de intervenção na realidade?
4- Uma campanha eleitoral nacional deve priorizar a propaganda do socialismo, estimulando genericamente a formação de uma “rede de núcleos socialistas”, no viés de “anticandidatura” questionadora, ou apresentar maneiras alternativas de lidar com problemas concretos da população, sem perder o rumo estratégico da transformação social? Deve fazer o máximo esforço para atingir a massa do povo ou contentar-se com ser compreendida por setores dele, a chamada “vanguarda”?
5- O que pretendemos, na campanha, fazer o PSOL significar, nessa conjuntura de assemelhamento partidário rebaixado e descrença total nas virtudes da política? Internamente, como pretende receber as diferentes contribuições, inclusive de setores mais especializados (por ex., sobre segurança pública, ambiente, cultura, previdência), para a formatação do programa, que não é do candidato e sim do partido/coligação?
6- A pré-candidatura Marina, com suas evidentes anemias e anomias, a começar pelas programáticas, não devia ser reconhecida tb. pelo aspecto positivo, de mais uma ruptura com o embuste do PT e com o monolitismo popularíssimo do governo lulista?
7- Qual o eixo principal da crítica mais substantiva à era Lula, considerando que ele é aplaudido pela massa popular, que o sente ainda como um Silva, “um dos nossos”, e assimilado por crescentes setores da “inteligência” como “avanço possível”, “esquerda realista” etc e tal? Como equilibrar-se nessa crítica para não levar água ao moinho de tucanos e demos, isto é, do reacionarismo, nem acabar sendo linha auxiliar do petismo, que já “esquerdiza” seu discurso? Afirmar que se Lula cumprisse o programa original do PT seria derrubado não é absolvê-lo?
8- Se v. considera que, para a sobrevivência do partido com um pé na institucionaldade, é prioritário eleger parlamentares, visto que para cargos majoritários nossas chances são ínfimas, se tanto, como isso será tratado, na sua campanha?
9- V. acredita mesmo que é viável propor a “estatização de toda a educação”, acabando com o papel complementar das escolas privadas (onde estudam muitos filhos da classe média e tb., nas pequenas unidades, gente do povo), e fazer o mesmo com a saúde, em um quadriênio?
10- Que razões tem para acreditar que PCB e PSTU se coligarão conosco, abrindo mão de candidaturas próprias que, em todas as projeções, teriam um percentual de votos (bem baixo) similar ao nosso? Aliás, quais as diferenças que v. vê entre eles e nós, enquanto organizações partidárias com ideario socialista?
É isso, querido companheiro. Fico no aguardo. Como v. sabe, pertenço a uma “corrente”: a da equipe do mandato, que no dia 1º de fevereiro vai discutir conjuntura e PSOL nela. Se puder até lá receber um posicionamento seu sobre isso que problematizei, vai nos ajudar muito.
Sigamos com fé.”
Chico A.(lencar) – Dep. Federal PSOL-RJ