Heloísa Helena me comunicou, por telefone, o falecimento, hoje (12 de janeiro) de Daniel Bensaid. . Heloísa o conhecia há muitos anos. Bensaid era um dos principais dirigentes do Secretariado Unificado da IV Internacional e foi um dos fundadores da Liga Comunista Revolucionária – LCR (vejam a nota da secretaria de relações internacionais do PSOL).
Sei que Bensaid lutava fazia anos contra a doença. Mas resistia e produzia de modo maravilhosamente bem. Tive o prazer de conversar um bom tempo com ele durante duas oportunidades. A primeira vez foi no Fórum Social Mundial, o primeiro deles, em 2001. Estava em meu solo, Porto Alegre. A reunião foi com ele e com Pedro Fuentes. Pedro já o conhecia, mas fazia anos que não se encontravam. Embora não fossem amigos pessoais, eram da mesma geração de militantes revolucionários dos anos 60.
Quem na verdade Bensaid conhecia muito bem era o irmão de Pedro, Luis Pujals, que foi assassinado com cerca de 20 anos pela ditadura argentina. Luis era da ala trotsquista e um dos chefes do ERP, uma das organizações da guerrilha argentina. Era, então, aliado direto de Bensaid, da sua mesma fração internacional. Bensaid, aliás, entrou algumas vezes clandestino na Argentina, no início dos anos 70, participando de plenárias e polêmicas políticas com a organização em que Pedro militava.
Pedro era da corrente de Nahuel Moreno, a mais forte corrente trotskista argentina. Pois foi com Pedro, neste momento já no Brasil, que encontrei Bensaid num café em Porto Alegre. Ele estava com François Sábado, também da direção do SU e da Liga. Eles pediram a reunião. Queriam saber nossa estratégia para o PT. Se mostraram preocupados com o curso da DS. A Democracia Socialista, corrente petista com o qual Bensaid estava ligado no Brasil e que integrava o SU, tinha peso fundamental no governo estadual petista. Nós, eu e Pedro, representávamos o MÊS, na época também uma corrente do PT. Encabeçávamos uma oposição interna minoritária no PT gaúcho, sendo muito críticos ao curso da DS. Nossa influencia mais importante era no poderoso sindicato dos professores e funcionários de escola. Nossa estratégia era de uma oposição clara e de enfrentamento com a direção. Na reunião tivemos a boa surpresa. Os franceses estavam ativos, mostravam interesse pelo Brasil e estavam críticos ao curso da DS, com muitos elementos de identidade com a nossa caracterização de que a corrente dirigida por Raul Pont e Miguel Rosseto estava se integrando no estado burguês.
Encontrei Bensaid dois anos depois. Desta vez em sua cidade, Paris. Almocei com ele e com François Sábado. Novamente a pauta foi Brasil, as relações com o PT e a DS. Era maio de 2003. Desta vez nosso esforço era para obter um apoio formal da Liga francesa ao nosso projeto de novo partido. Em janeiro, no mês da posse de Lula, caracterizamos o curso à direita irreversível do PT e do governo. Nossa estratégia de ruptura estava traçada. Heloisa Helena, que era da DS, começava seu enfrentamento com a sua própria corrente histórica. Não aceitou a indicação de Sarney como presidente do senado e a indicação de Meirelles para a presidência do Banco Central. O PT quis centralizar sua posição no senado e não levou.
O MÊS, com Luciana Genro como porta voz, assumia então como sua principal tarefa a construção de um novo partido. Tivemos na primeira hora a parceria do velho querido Babá, então deputado federal pelo Pará. Poucos estavam de acordo com nossas avaliações na esquerda brasileira. Na verdade muito poucos, um pequeno punhado. A DS estava com outra posição, totalmente diferente. Estava inclusive com um ministro – Miguel Rossetto – integrado no governo Lula. Estavam na linha firme de defesa de Lula.
Em maio de 2003 Bensaid não hesitou. Pediu que tivéssemos paciência porque eles não poderiam atuar abertamente, de público, em defesa da necessidade do novo partido porque não queriam romper totalmente seus esforços de recuperação da DS para uma linha política que eles consideravam necessária, de princípio. Deixaram claro, porém, que estavam a favor do novo partido. Foi alentador. Sabíamos neste caso que mais cedo que tarde contaríamos com o apoio dos franceses. Os mais decididos entre os integrantes do SU eram os dirigentes da Suíça, Charles Udry e o Uruguaio Ernest Herrera. Eles insistiram muito para que os franceses fossem mais decididos. A história é conhecida na esquerda. Embora não tenha sido defensora da reunião de fundação do Movimento da Esquerda Socialista e Democrática – antecessor do PSOL – realizada no Rio de Janeiro em 19 de janeiro de 2004, a Liga francesa e com ela Bensaid foram claros defensores do PSOL quando o partido foi fundado em meados de 2004.
Quando a Liga junto com outros socialistas franceses impulsionou o Novo Partido Anticapitalista na França, em 2009 – o PSOL oficialmente apoiou. Luiz Araújo, então secretário geral do nosso partido, Pedro Ruas e Luciana Genro estiveram presentes no Congresso de abertura. A DS por sua vez se retirou do Secretariado Unificado da IV Internacional. Na DS, porem, tivemos honrosas exceções. A primeira foi a própria Heloísa, impulsionadora da reunião de janeiro de 2004 e logo presidente do PSOL. Depois Mário Agra e João Machado, ambos também fundadores do PSOL, este último amigo pessoal de longa data de Daniel Bensaid.
Assim, o PSOL sente a morte de Bensaid. Nossa corrente, o Movimento Esquerda Socialista (MÊS) tem se construído aprendendo também com ele. Pessoalmente, tive a sorte de encontrar seus artigos e livros. Tenho aprendido muito com eles. Estou trabalhando num pequeno livro sobre elementos do pensamento de Marx no qual a leitura do livro de Bensaid, “Marx, o Intempestivo” foi de grande ajuda. Trata-se de um dos melhores livros marxistas sobre filosofia. Não vou dizer que concordo com tudo, mas mesmo o que discordo ou o que não me convenceu, me fez e segue me fazendo pensar. Não terminei de dialogar com este livro, e partes dele, como disse, me serviram de pontos de apoio. Não será a primeira vez que me apoio em Bensaid. Num livro que escrevi em 2003 (Uma visão pela esquerda) anotei “que a genialidade de Lênin estava precisamente em conhecer o momento do tempo em que se concentra a máxima necessidade de girar o País, de quebrar o poder burguês, uma genialidade muito bem apreciada por Daniel Bensaid em seu ensaio sobre “Lênin, ou a política do tempo partido”.”(pág 91). Continuo considerando que este artigo de Bensaid é um dos melhores – senão o melhor texto – escrito nos últimos anos sobre o pensamento de Lênin.. Foi editado em português pela Xama (Marxismo, modernidade e utopia), um livro dele em parceira com Michael Lowy. Realmente vale a pena ler este artigo e o livro todo.
Bensaid escreveu outros livros. Os que tive a chance de ler, gostei. Li um sobre a nova internacional – que não está editado em português – no qual aponta suas avaliações sobre o movimento alterglobalização e reivindica os fóruns sociais mundiais. Outro sobre o trotskismo, uma obra que eu também conheço apenas em francês. Há anos atrás li naquelas fotocópias o livro dele sobre o Maio de 68 escrito em conjunto com Henri Weber, na época também da LCR e hoje, creio, que deputado ou ex-deputado do PS francês. Também uma edição antiga me chegou às mãos de um livro sobre a burocratização da URSS e a revolução política. Trata-se de uma clássica posição trotskista. O último livro dele, pelo menos editado aqui, no Brasil, foi “Os irredutíveis”. Comprei e não li. Quando dei uma primeira folhada o livro não me prendeu.
Mas com certeza foram meus olhos que não conseguiram ver. “Marx, o Intempestivo” me serviu de lição. A primeira vez que o li não consegui chegar ate o final, de forma ininterrupta. Vários meses depois, quase dois anos, mais preparado em filosofia, voltei à carga e não parei.
Bem, agora perdemos Daniel Bensaid. Infelizmente um cérebro extraordinário parou de pensar. Assim sua perda se soma a perda de outros cérebros privilegiados do trotskismo como Aníbal Ramos, Ernesto Gonzáles e meu amigo Eduardo Espósito. Seguiremos a luta de todos eles. Seguiremos o exemplo de Bensaid, de sua vida militante e revolucionária. Sua obra, felizmente, fica para nos ajudar nesta empresa. Foi uma obra fundamental. Ficam seus artigos, seus livros, e seu partido, a Liga Comunista Revolucionária e o Novo Partido Anti Capitalista (NPA). Saberemos todos – e por isso lutamos – aproveitar esta herança e trabalhar a favor dos resistentes irredutíveis.
Roberto Robaina
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