Por WAGNER GIRON DE LA TORRE
*Artigo publicado edição especial do Jornal Contato como encarte da 438ª edição comemorativa do 364 aniversário de Taubaté-SP.
Como pondera, com certeira maestria, o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, modelos econômicos pautados em atividades monoculturais serão sempre incompatíveis com o meio ambiente sadio e equilibrado, pois “a monocultura revela, desde o início, que é uma prática que não visa satisfazer as necessidades das regiões e dos povos que produzem. A monocultura é uma técnica que em si mesma traz uma dimensão política, na medida em que só tem sentido se é uma produção que não é feita para satisfazer quem produz. Só um raciocínio logicamente absurdo de um ponto de vista ambiental, mas que se tornou natural, admite fazer a cultura de uma só coisa”.
Esse pensamento reúne em si todos os elementos necessários a evidenciar que qualquer monocultivo em escala industrial, em especial o afeto ao plantio de milhões de árvores clonadas de eucalipto, é incompatível com o propalado desenvolvimento sustentável.
Se há alguns anos eventuais críticas sobre os danos socioambientais provocados pelo cultivo extensivo do eucalipto se revestiam pelo místico espectro das lendas, hoje a constatação desse flagelo ambiental em vários pontos da região alcançou patamar de triste e cotidiana verdade.
Têm-se registrado, nos dramas humanos vivenciados pelo campesinato local, que a eucaliptização do Vale do Paraíba está a gerar uma série sem precedentes de devastação ambiental, com aniquilação de fontes d’água, desertificação de grandes áreas de terras, contaminação de ecossistemas pelas toneladas e toneladas de pesticidas químicos utilizados no manejo desse monocultivo, morticínio de número imensurável de espécies animais, vegetais, e supressão de atos devocionais e ações agrícolas dos povos originários afligidos pelo êxodo rural insuflado pela escalada de desemprego derivada desse novo ciclo de concentração fundiária.
Isso tudo em função da omissão homérica dos organismos fiscalizadores públicos (englobando estado e municípios), que a tudo se submetem para possibilitar a vertiginosa expansão da sacrossanta tríade monocultura –agronegócio- biotecnologia, mesmo que a um custo socioambiental irreversível e ainda não devidamente mensurado em razão dessa precisa e demarcada omissão fiscalizatória.
Por conta da total ausência de monitoramento estatal, as corporações empresariais responsáveis pela escalada oceânica do eucalipto na região não respeitam norma ambiental alguma, e semeiam o deletério monocultivo sobre topos de morro, em afronta a áreas de mananciais, em violação à matas ciliares e, especialmente em Taubaté, no interior até mesmo da bacia do Rio Una (manancial responsável pelo abastecimento de água potável para as populações de Taubaté e Tremembé) que, embora oficialmente tombada pela municipalidade Taubateana por sua significativa riqueza hídrica, paisagística e ecológica, encontra-se tomada por grandes plantações de eucalipto, em patente e impune afronta às leis de proteção ao meio ambiente que expressamente vedam a implementação de atividades silviculturais no seio de unidades de conservação ambiental como se configura a espoliada bacia do Una.
Imagens aéreas colhidas em meados deste ano pela Defensoria Pública de Taubaté, mostram a escalada oceânica do eucalipto por sobre o mar-de-morros caracterizador da bacia do Una, evidenciam que os eucaliptais invadem as áreas que deveriam ser reservadas às matas ciliares, contribuindo com o avanço do processo irrefreado de assoreamento, diminuição da capacidade hídrica e contaminação de tão relevante corpo hídrico, isso, a olhos vistos, em absoluta impunidade por conta da histórica omissão dos órgãos do Estado que deveriam, por força de preceitos constitucionais, lidar pelo controle mínimo a esse modelo econômico exauriente dos recursos naturais.
Além de tudo, a monocultura do eucalipto não pode ser aceita como floresta, posto que não cumpre o ciclo biológico de devolução dos nutrientes tão característico das florestas nativas e é incompatível com a biodiversidade.
Com efeito, os eucaliptais clonados, até mesmo por força de sua baixa capacidade foliar (volume parco de folhagens) intercepta muito pouco as águas provenientes das chuvas, e, como são plantados sobre topos de morro, quase toda a água oriunda das precipitações atingem diretamente o solo, escorrem pelo chão descoberto e seco, levam os ínfimos nutrientes contribuindo para a desertificação das áreas de plantio e o assoreamento dos corpos hídricos localizados nos baixios.
Ademais, diante do rápido crescimento das árvores clonadas (os eucaliptos possuem um ciclo de corte que hoje gira em torno de 6 anos a contar do cultivo das mudas), todos os nutrientes exauridos da terra pelas árvores são transferidos e aniquilados no processo industrial da pasta de celulose, num processo tecnicamente conhecido como exportação de campo, deixando para trás as terras devastadas, a paisagem lunar, enormes áreas sobrecarregadas com os tocos mortos, legado último desse até aqui descontrolado cultivo.
A agravar ainda mais os efeitos nocivos ao meio ambiente, temos o fato incontroverso de que o monocultivo do eucalipto se alimenta com aplicação de toneladas e toneladas de herbicidas, à base de glifosato (elemento químico altamente nocivo ao meio ambiente e cancerígeno) que, via de regra aplicado nos topos de morros, acabam, com as influências gravitacionais e elementos climáticos, a escorrer para as áreas baixas, contaminando mananciais, rios, fontes d’água num ciclo ainda não devidamente demarcado de devastações sem precedentes, como a ocorrida recentemente em Piquete, onde, pela incidência do glifosato, foram mortos mais de 8 mil quilos de peixes, centenas de suínos, pássaros silvestres, anfíbios e árvores frutíferas, para não se falar na contaminação dos moradores do entorno de grande latifúndio de eucalipto responsável pela aplicação descontrolada desse deletério agrotóxico.
Cada árvore de eucalipto consome, em média, 30 litros de água diários. Não estamos a falar de meia dúzia de árvores, mas de milhões.
Para se ter uma idéia das dimensões dos impactos do monocultivo, estima-se que entre os municípios de São Luiz do Paraitinga, Redenção da Serra e Taubaté existam mais de 70 milhões de eucaliptos plantados.
Em estudo que se tornou marco sobre o tema, o cientista AUGUSTO RUSCHI, assegura-nos que o consumo assombroso de água derivado da monocultura do eucalipto é responsável pela deficiência hídrica verificada no já devastado norte do Espírito Santo, ao ponderar que:
“Como já explanei em outras palestras, a fisiologia de algumas espécies, como o Eucalyptus Saligna, o mais plantado no Espírito Santo, exige um consumo monumental de água (…)a partir do terceiro ano de vida uma planta desta espécie consome por ano 19,6 milhões de litros de água, e um hectare com 2.200 árvores consome 49,6 bilhões de litros de água, dando esse total uma equivalência pluviométrica de 4.000 mm de chuva por ano. Se considerarmos que na região dos eucaliptos a precipitação anual chega em média a 1.400 mm/ano de chuva, a diferença necessária de mais de 2.000mm é retirada do solo e subsolo, tanto pela função osmótica como pela função de sucção das raízes”.
Afora isso, a formação de enormes latifúndios recobertos pelo exótico cultivo acaba aniquilando a diversidade cultural das localidades campesinas, inviabilizando o desenvolvimento da agricultura familiar, da pequena pecuária que há séculos eram implementadas pelas populações locais vitimadas pela escala hipertrófica da monocultura, fazendo com quê se extinguam manifestações culturais tradicionais como festejos populares, atos devocionais emanados de lugares tidos como sagrados pela população originária, agora suprimidos pelos grandes latifúndios do eucalipto, consumando tudo de ruim que se possa perceber numa região já assolada pelo avanço do monocultivo.
Todos esses questionamentos socioambientais, já estão sendo realizados, com êxito, pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo que, em três ações civis públicas ajuizadas em São Luiz do Paraitinga, Distrito de Catuçaba e Piquete, conseguiu acessar decisões judiciais suspendendo os projetos futuros do monocultivo nessas localidades até que as empresas responsáveis pela exploração desmedida dos recursos naturais realizem os necessários Estudos de Impactos Ambientas (EIA/RIMA) em cada plantio, devidamente guarnecidos com as audiências públicas junto às populações afetadas.
Como se percebe, os questionamentos que cingem o modelo agroindustrial encetado ao país pela elite dirigente são consistentes, exigindo um debate mais aprofundado para que a sociedade tenha acesso a informações mais completas a respeito dos imensuráveis impactos desse modelo de produção nos recursos naturais e seus reflexos junto às populações vitimadas.
O verde que recobre a agroindústria, como vemos, é enganador. As vastas plantações de eucalipto não são florestas, não se prestam a restaurar as infindáveis áreas de matas nativas suprimidas por esse insano modelo econômico e não geram nem a décima parte da oferta de empregos bradada por seus empreendedores. O que fica, especialmente por parte dos integrantes dos movimentos sociais que vivem a denunciar essa série sem precedentes de devastações, é a absoluta omissão do Estado no necessário controle a essa escalada desabrida de exploração do ecossistema e a espera, sem fim, de que seu custoso sistema de fiscalização cumpra as normas de proteção ao meio ambiente e passe a exigir, como manda a lei, a realização de Estudos de Impactos Socioambientais para cada plantio, como medida mínima para possibilitarmos chances mínimas de sobrevivência às gerações futuras.
WAGNER GIRON DE LA TORRE, é Defensor Público no Estado de São Paulo e Coordenador da Defensoria Regional de Taubaté.