Maria Guimarães
Revista Fapesp – Edição Impressa 166 – Dezembro 2009
Pesquisa FAPESP –
No corre-corre da vida urbana, o estresse vem de carona. Entre trabalho, trânsito, família, tarefas domésticas e lazer, os afazeres se sucedem e as horas de sono que o corpo pede com insistência são um luxo cada vez mais raro. Não é só o físico que resiste mal à tensão e à falta de repouso. A motivação e o desempenho sexuais também são vítimas, segundo estudos recentes. Além de sabotar uma atividade prazerosa e vital, reduzindo o desejo e causando impotência, o estresse pode também provocar infertilidade feminina e, portanto, a dificuldade de muitos casais terem filhos. “O sexo é essencial à preservação da espécie”, resume a biomédica especialista em sono Monica Andersen, do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), para justificar seu interesse científico no assunto.
© Alan Pappe/Corbis/Corbis (DC)/Latinstock
De manhã cedo, quando vai à Unifesp nos finais de semana, Monica passa por jovens saindo dos bares no bairro paulistano Vila Mariana. Não pode deixar de pensar nos possíveis efeitos de trocar o dia pela noite com frequência nos dias de folga. Noites de pouco sono – a forma de estresse mais comum que a vida urbana moderna impõe ao organismo – afetam a memória, reduzem a capacidade de manter a atenção, causam hipertensão e atiçam a fome e a necessidade específica de ingerir comidas calóricas, que levam ao aumento indevido de peso, entre outras consequências indesejadas. Nos últimos meses o grupo da Unifesp liderado por Sergio Tufik, médico e diretor do Instituto do Sono, um dos 11 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela FAPESP, vem mostrando uma consequência da privação de sono talvez mais preocupante, para os homens, do que os males que põem a vida em risco: dormir mal pode causar impotência.
O resultado emergiu do levantamento epidemiológico Episono, que analisou a qualidade do sono de mais de mil habitantes da cidade de São Paulo com idades entre 20 anos e 80 anos. Realizado no Instituto do Sono, esse estudo já havia revelado que um terço das mulheres que vivem em São Paulo tem insônia e um terço dos paulistanos sofre de apneia do sono, interrupções na respiração que provocam o despertar momentâneo (ver Pesquisa FAPESP nº 158). Agora põe às claras os danos que a privação de sono causa à saúde sexual.
Durante o Episono, Monica fez a 467 homens uma série de perguntas sobre seu desempenho e desejo sexuais. Uma das questões em especial definia se o homem sofria de disfunção erétil: “Como você descreveria sua capacidade de ter e manter uma ereção adequada para um intercurso satisfatório?” Para a surpresa da pesquisadora, 17% deles responderam que “às vezes” ou “nunca” conseguiam. Essa taxa, que já é muito alta, sobe ainda mais depois dos 50 anos, quando 63% dos homens passam a reclamar de disfunção erétil, como detalha a equipe da Unifesp em artigo em processo de publicação na Sleep Medicine. Dos 20 aos 29 anos de idade, o problema é menos comum: 7% dos jovens se queixam do próprio desempenho sexual – mesmo assim, uma proporção completamente inesperada para essa faixa etária.
A idade é o principal fator de risco para a disfunção erétil – depois dos 40, o risco aumenta. Ao avaliar a saúde e os questionários junto com resultados de polissonografias, o exame mais completo para avaliar a qualidade do sono, Monica constatou que as noites maldormidas também são um verdadeiro atentado contra as ereções. O que ela demonstrou agora valer para os homens já havia sido observado anos atrás entre camundongos pelo pesquisador norte-americano David Gozal, da Universidade de Chicago, um dos maiores especialistas mundiais da área, que esteve em São Paulo em novembro para o 3o Congresso Internacional de Medicina do Sono.
O efeito prejudicial da privação de sono sobre a ereção nem deveria ser tão surpreendente assim. Afinal, o bom funcionamento do pênis depende de um sistema circulatório eficiente, o que está longe de caracterizar as pessoas que têm distúrbios de sono. Em busca de marcadores genéticos ligados à propensão a desenvolver problemas eréteis, a equipe da Unifesp corroborou a complexidade que caracteriza a fisiologia da ereção. Segundo artigo que deve ser publicado em breve no Journal of Sexual Medicine, a revista mais renomada dessa área de pesquisa, a disfunção erétil aparece associada a diabetes, hipertensão, severidade de apneia do sono, idade e índice de massa corporal (a principal medida de obesidade). Todos esses problemas de saúde também estão de algum modo relacionados aos distúrbios do sono, o que torna difícil dissociá-los. O grupo pesquisou variações na sequência genética responsável por produzir a óxido nítrico sintase endotelial (eNOS), enzima responsável pela produção do óxido nítrico, um neurotransmissor com função crucial na ereção. Esse gene parecia um bom candidato para ajudar a prever os riscos de disfunção erétil, mas pelo visto não é. Ao menos na população paulistana e na alemã. “Talvez porque essas populações tenham mais tendência à obesidade”, especula Monica. Fatores de risco como o excesso de peso poderiam mascarar a associação entre alterações no gene e impotência, detectada por estudos feitos no México, em Taiwan e na Turquia. Diante desse resultado, a especialista em sono e sexo não desistiu e já encontrou outro gene promissor a indicar os riscos de disfunção erétil, que relata em artigo ainda não publicado.
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