Biossegurança: Órgão vai votar o fim do monitoramento dos efeitos sobre a saúde humana e dos animais
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) votará, nesta quinta-feira, o fim do monitoramento dos efeitos adversos de organismos geneticamente modificados sobre a saúde humana e animal, o ambiente e os vegetais. A modificação desobrigará as empresas de biotecnologia de realizar estudos científicos de avaliação de risco e de apresentar planos de monitoramento pós-liberação comercial de transgênicos no país.
A nova regra deve “anistiar” os 25 produtos transgênicos (plantas, vacinas e enzimas) que já obtiveram liberação comercial e beneficiará outros 11 pedidos sob análise do colegiado, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A alteração na Resolução Normativa nº 5, em vigor desde março de 2008, dependerá do voto de apenas 14 dos 27 membros titulares da CTNBio. O grupo favorável à mudança somaria hoje 16 votos.
A iniciativa da CTNBio dispensará as empresas de de apresentar informações complementares e novos dados científicos para atender às exigências dos estudos de análise de risco sobre os efeitos adversos potenciais de transgênicos e seus derivados nos vários aspectos. A medida também beneficiará diretamente a indústria alimentícia brasileira. Dirigentes da associação da indústria (Abia) escreveram ao ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, para reclamar o fim do monitoramento e ameaçariam derrubar a exigência na Justiça.
O presidente da CTNBio, o médico bioquímico Walter Colli, confirma a proposta de alteração na regra. “Essas coisas não fazem mal. E, se fizerem, ninguém vai saber porque não tem como monitorar todo mundo. O argumento jurídico que se coloca é que monitorar só se justificaria se houvesse dúvida na análise de risco. Se o produto é idêntico ao convencional, não há razão para monitorar”, diz. “Estamos propondo deixar isso como não obrigatória. A comissão dirá em quais casos seria necessário”.
Professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), Colli está no segundo mandato de presidente da comissão. “É um absurdo fazer monitoramento de efeitos em humanos porque 15 mil produtos têm derivados de soja na sua composição. Como saber se o problema é do produto ou da água que uma pessoa bebeu?”, questiona.
O presidente da CTNBio garante que o fim dos monitoramentos não causará problemas à população. “O monitoramento humano e animal foi uma esparrela, uma bobagem que fizemos. Cedemos pelo cansaço. Agora, a indústria alimentícia está sujeita a uma ação jurídica do Ministério Público por uma regra inepta da CTNBio. Cometemos um erro e quero corrigir isso”, afirma.
A proposta de alteração reacendeu a disputa política e a oposição de um grupo minoritário de cientistas e ONGs dentro da CTNBio. Representantes dos ministérios da Saúde, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário e da Pesca prometem questionar o fim do monitoramento. E acusam Colli de usar como pretexto uma carta do governo do Canadá contra a resolução para “retalhar” as normas.
“É um absurdo isso. Vão colocar como desculpa a carta do Canadá para algo que já queriam fazer. É um processo primário”, diz o representante do Ministério do Meio Ambiente, o geneticista Paulo Kageyama. “O Ministério da Saúde também reagiu contra isso, ameaçou se retirar da última plenária”
Em defesa da alteração, Walter Colli reafirma a autonomia da CTNBio. “Entendo a desconfiança, mas é bobagem. Isso prejudica toda a indústria. Tenho suporte e um parecer jurídico do Ministério da Ciência e Tecnologia. Não estou fazendo porque o Canadá reclamou. A Abia [associação da indústria de alimentos] já mandou carta para o ministro sobre isso”, afirma.
Colli diz que “essa resolução sempre me incomodou” e admite que a atual regra só foi criada porque o processo de liberações comerciais de transgênicos passou a exigir, por iniciativa do Ministério Público, “monitoramento” das aprovações. “Senão não poderia liberar”. Colli afirma que a resolução “está errada” e que “dá responsabilidade a quem não tem obrigação, interfere na cadeia onde não temos direito”. “Isso cai em qualquer instância da Justiça”.
Fonte: Valor Econômico