Por Maurício Costa – da Executiva Estadual do PSOL/SP
Companheiros,
Envio essa contribuição com o intuito de abrir um debate.
Tenho recebido alguns e-mails que de forma enviesada têm feito a discussão sobre a tática eleitoral do PSOL para 2010 defendendo a candidatura própria quase como uma questão de princípio, sem a qual o PSOL comprometeria sua vocação estratégica de alternativa para a classe trabalhadora. Para esses setores a nossa posição deve ser a de rejeitar qualquer diálogo com a Marina Silva.
Acho importante que essa visão absolutamente equivocada seja combatida. Independentemente da posição que tomemos até a Conferência Eleitoral de março, temos a obrigação de politizar o debate no PSOL.
Quando discutimos eleições estamos construindo uma tática para o partido e isso implica que além da orientação estratégica, as articulações e a tomada de decisões devem partir de uma análise concreta da situação concreta.
A situação nacional que se anuncia no horizonte do próximo ano é de uma grande estabilidade do regime, contradizendo as visões mais alvissareiras sobre o impacto que a crise econômica provocaria no país. O Brasil de 2010 será o país que, além de defender habilmente os negócios de sua burguesia, logrou alcançar também um destacado papel na tentativa de reestabilizar a acumulação capitalista internacional. Não é por acaso que a Copa do Mundo e as Olimpíadas acontecerão por aqui. O governo Lula nunca esteve tão fortalecido, com tanto apoio, tão blindado.
Anuncia-se então um fortalecimento da falsa polarização entre PT e PSDB em eleições que estarão marcadas por um cenário absolutamente conservador na política nacional. O espaço à esquerda está de fato reduzido e ainda que Lula não seja o candidato, pelo peso que a política do governo adquiriu, penso que haveria muitas dificuldades para que o PSOL aparecesse como alternativa mesmo se a nossa candidata fosse a Heloísa Helena.
Ao que tudo indica Heloísa não será mesmo candidata. Isso nos abre duas hipóteses: candidatura própria ou apoio à Marina Silva. Se optarmos pela primeira o cenário é mais certo: estaremos participando de forma marginal do processo eleitoral do ano que vem. A realidade de hoje é que não há outro candidato no PSOL que tenha possibilidade de incidir de fato no cenário nacional e afirmar uma alternativa para amplos setores contra a falsa polarização como fizemos em 2006. Será a opção por uma tática essencialmente propagandista.
O apoio à candidatura da Marina Silva é diferente. Nascida como parte da crise da degeneração total do projeto petista, Marina simboliza aos olhos do povo uma alternativa, uma possibilidade de mudança, de não continuidade dos projetos anteriores. Sua ruptura com o PT pode ser entendida em parte pelo desgaste do governo no apoio a Sarney e na generalização da corrupção mas, sabe-se que a busca de Marina por outro caminho deve-se substancialmente por seus desacordos com a política anti-ambiental do governo.
Não é por acaso que a questão ambiental combina-se aos olhos do povo com a possibilidade de mudança. O desenvolvimento crítico e insustentável do capitalismo principalmente nas grandes metrópoles que se generalizam pelo mundo tem provocado reações de todos os tipos, colocando a defesa do meio ambiente na ordem do dia. Isso se dá porque, de acordo com Chesnais, “há uma combinação desta crise econômica que se iniciou com uma situação na qual a natureza, tratada sem a menor consideração e golpeada pelo homem no marco do capitalismo, reage agora de forma brutal”. Embora não possamos exagerar ao ponto de dizer que o debate ambiental é o motor da luta de classes do país, a ruptura de Marina e a viabilidade de sua candidatura a presidente já é demonstração suficiente da importância que esse tema vem adquirindo no Brasil, abrindo inclusive espaà §o para o surgimento de novas vanguardas mudancistas preocupadas com a questão dessa “crise da humanidade”.
Ainda que não votem em Marina por um projeto de esquerda, os eleitores que a escolherem em detrimento de PT ou PSDB estarão fazendo a opção por uma nova alternativa. Mesmo que seu programa eleitoral não seja o que o PSOL levou adiante nas últimas eleições presidenciais e os perfis sejam bastante distintos, o espaço político-eleitoral que Marina abre tem sua semelhança com o que Heloísa ocupou em 2006. Há um campo a ser explorado que não quer a continuidade dos projetos anteriores, mas não necessariamente coaduna com as posições do PSOL. Esse espaço que tanto Marina quanto Heloísa vêm ocupando – mais à direita ou à esquerda – é muito maior que o PSOL, está em disputa e não pode ser desprezado se queremos de fato postular uma influência de massas. Até mesmo porque, dependendo do desenrolar do debate eleitoral, Marina pode inclusive ir mais à esqu erda e sua candidatura pode assumir um contorno de candidatura-movimento que abarque setores mais amplos. Abandonar esse espaço ao PV e afins seria um grave erro da nossa parte.
Evidentemente temos que ter caracterizações precisas do que são Marina e PV sem alimentar ilusões. Uma eventual composição com Marina para disputarmos pela esquerda a base social com a qual dialoga não implica de nenhuma forma uma adesão ao programa burguês que ela vem apresentando muito menos qualquer perspectiva de relação mais significativa com o PV. Lembro que em 2002 muitos setores – o MES dentre eles – já caracterizava a falência do PT e do projeto lulista. Contudo, mesmo sabendo do acordo de Lula com o FMI, da carta aos banqueiros, da aliança com o PL e todo o fisiologismo, esses setores mantiveram-se no PT e fizeram campanha para o Lula. Estava correto porque sem aquela acumulação não existiria o PSOL. Eu, que estava fora do PT, votei no PSTU e não dialoguei com ninguém.
Evidentemente não dá pra transpor o contexto anterior a este, mas a essência é a mesma: entender o papel tático das eleições. Por isso, mesmo que venhamos mais para frente a fazer a opção por candidatura própria, ela jamais poderá ser vista como condição de permanência dos princípios estratégicos do PSOL. Assim seria apenas para os que concebem o PSOL de maneira estreita, inflexível e dogmática e têm se afastado cada vez mais da realidade.
No mesmo sentido – e ainda evitando a transposição mecânica – nos serve a retomada do exemplo histórico da polêmica entre Lênin e os esquerdistas ingleses detalhada no “Esquerdismo…”. Contra a coalizão de direita estabelecida entre os liberais e os consevadores, Lênin defendia que os comunistas ingleses adotassem a tática do voto no Partido Trabalhista dos dirigentes Henderson e Snowden, chamados por ele de “reacionários irrecuperáveis”. Para tanto dizia que
“O Partido Comunista propõe aos Henderson e Snowden um "compromisso", um acordo eleitoral: marchemos juntos contra a coalizão de Lloyd George e os conservadores, repartamos os postos no parlamento proporcionalmente aos votos dados pelos operários ao Partido Trabalhista ou aos comunistas (…) conservemos a mais completa liberdade, de agitação, propaganda e ação política. Sem esta última condição é impos sível, naturalmente, fazer a aliança, pois seria uma traição. (…)
Se Henderson e Snowden aceitarem a aliança nessas condições, sairemos ganhando, pois o que nos interessa não é, absolutamente, o número de cadeiras no parlamento. (…) Teremos ganho porque levaremos nossa agitação às massas num momento em que o próprio Lloyd George as terá "irritado’, e ajudaremos não só o Partido Trabalhista a formar mais depressa o seu governo, como também as massas a compreenderem m elhor toda nossa propaganda comunista, que realizaremos contra os Henderson sem nenhuma limitação, sem nada silenciar.
Se Henderson e Snowden
repelirem a aliança conosco, nessas condições, teremos ganho ainda mais, pois teremos mostrado na hora às massas (…) que os Henderson preferem sua intimidade com os capitalistas à união de todos os trabalhadores.”
Mesmo que venhamos a falhar, buscar uma proposta que desloque a Marina para uma posição que nos favoreça mais é hoje a melhor maneira de atuar sobre a conjuntura para tentar alterar a correlação de forças a favor da construção de uma alternativa de esquerda de massas no Brasil. Por isso defendo com toda a força que devemos rapidamente abrir negociações com a opção mais viável que temos atualmente para que o PSOL reafirme seu projeto e sua vocação estratégica.
Saudações socialistas e libertárias,
Maurício Costa
Da Executiva Estadual de SP e da Direção Nacional do PSOL
Texto escrito no início de novembro – Correspondência ao Diretório Estadual em 04/11/09