Pronunciamento do deputado Ivan Valente
“Sr. Presidente, Sras e Srs deputados,
No último mês, foi aprovado pela Comissão de Finanças desta Casa, o Projeto de Lei 5228 de 2005, de autoria do deputado José Mentor (PT-SP), que anistia o crime de evasão de divisas e de sonegação fiscal, propondo a repatriação de dólares remetidos ilegalmente ao exterior aos cofres de instituições brasileiras. Um levantamento presente no relatório da CPI do Banestado estima que algo entre R$ 90 e R$ 150 bilhões saíram do país nessas condições.
Segundo o Projeto, quem optar por legalizar os recursos no exterior pagará um imposto de 6%. A repatriação custará míseros 3%. A anistia fiscal será para os tributos e contribuições federais devidos, a multa, de mora ou de ofício, e os juros de mora. Também serão anistiados os crimes relacionados com o envio desses valores ao exterior e, durante o procedimento de legalização dos recursos, não poderá ser feita a identificação do infrator. O fato sequer pode ser divulgado. O responsável pela repatriação poderá promover a legalização dos recursos não declarados mesmo na hipótese em que os mesmos já tenham, na data da promulgação da eventual Lei, ingressado no Brasil mediante operação simulada de empréstimo com pessoa física ou jurídica localizada em país com tributação favorecida – leia-se, os paraísos fiscais.
O pedido do deputado Mentor é para que a Comissão de Constituição e Justiça sequer analise o projeto, encaminhando-o diretamente para a votação em plenário. Neste sentido, Sr. Presidente, venho a esta Tribuna para chamar a atenção para os riscos que este PL cria, já me posicionando de forma contrária a esta proposta de anistia a criminosos financeiros.
Uma das principais justificativas para o projeto é que a saída dos capitais para o exterior aconteceu por conta da instabilidade econômica e da elevada carga tributária do país. Por isso, o deputado Mentor acredita que, numa nova situação econômica e com a anistia das multas e também da possibilidade de punição criminal, esses recursos rapidamente voltariam ao país. Ora, Sras e Srs Deputados, como lembrou o próprio relatório do Projeto na Comissão de Finanças e Tributação, o fato desses recursos terem sido enviados de forma ilegal para fora do país não é porque o Brasil proíbe esta prática, mas porque esses recursos são oriundos de práticas ilegais praticadas dentro do país, como lavagem de dinheiro, corrupção, improbidade administrativa, roubo, tráfico de drogas, contrabando de armas, sequestro e crimes das mais diferentes espécies.
O Projeto de Lei não se aplica a pessoas físicas que tenham sido condenadas pela prática desses crimes. Mas entre a prática resultante desses recursos e sua condenação definitiva pela Justiça Brasileira há um imenso caminho que será apagado com a autorização da repatriação desses recursos via anistia aos criminosos. Assim, a justificativa econômica apresentada do retorno ao país de eventuais bilhões de dólares – que seriam importantes, sim, para o funcionamento da nossa economia – não pode legitimar essa medida, que joga no lixo a defesa da ética ao desconsiderar a origem dos capitais.
A repatriação proposta também cria uma situação de injustiça com aqueles que declararam e arcaram com os tributos de remessas ao exterior feitas de forma legal. Estaríamos premiamento, em busca de um benefício duvidoso para os cofres do país, os infratores, dando margem para o fortalecimento da cultura da ilegalidade e impunidade que vigora em nosso país.
Como afirmou o juiz federal Fausto de Sanctis, especialista em lavagem de dinheiro e crimes financeiros, em artigo sobre o tema publicado recentemente na Folha de S.Paulo, a anistia constitui um verdadeiro esquecimento jurídico de infrações penais e só deve ser admitida em casos excepcionais. Neste caso do PL do deputado José Mentor, a situação é extremamente grave, porque ela retroage para apagar até o crime cometido no passado, ainda que a sentença penal condenatória tenha sido definitiva.
Portanto, Sr. Presidente, tratar esta proposta como uma prática recorrente em outros países e como um mecanismo legítimo para a repatriação de divisas, sem analisar as verdadeiras consequências para o nosso país, significa, mais uma vez, colocar o pragmatismo acima da ética. Podemos, sim, construir mecanismos de repatriação de dólares, mas o formato proposta por este Projeto de Lei está longe de ser o melhor caminho. Antes de, institucionalmente, lavarmos as mãos de criminosos financeiros, devemos é fortalecer os mecanismos de fiscalização e controle do fluxo de capitais no país, criando condições para investigações mais profundas para viabilizar as evasões irregulares e, assim, recuperando recursos enviados ilegalmente para fora do país. Este deve ser o nosso objetivo prioritário neste momento.
Muito obrigado.”
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP
Câmara dos Deputados – 03/11/09