O Círculo Palmarino, corrente socialista do movimento negro, vem a público manifestar o seu repúdio à vitória das forças conservadoras e racistas que redundou na NÃO aprovação do Estatuto da Igualdade Racial na Câmara dos Deputados. Ao contrário de setores do movimento negro que, desde o início, se colocaram contrários à proposta e que hoje, vem se manifestar criticamente sobre a sua não aprovação, o Círculo Palmarino foi uma corrente do movimento que sempre defendeu a aprovação do Estatuto no sentido de garantir ao povo negro direitos sociais historicamente negados. Setores que se opuseram ao Estatuto, menos por questões ideológicas e de conteúdo e mais pelo modus operandi de privilegiar a disputa em torno do protagonismo das lideranças negras quanto a iniciativas que beneficiem o nosso povo – o que, ao nosso ver, leva ao esvaziamento e a desmobilização das entidades negras. A fragmentação do movimento negro – a ausência de mobilização dos “de baixo” –possibilitou o acordão CONEN-UNEGRO- DEM-PSDB no verdadeiro mercado de sonhos e utopias que se transformou o Congresso Nacional.
A versão original do Estatuto da Igualdade Racial foi ao Congresso Nacional como produto da Marcha 300 anos da Imortalidade de Zumbi dos Palmares, que reuniu mais de 30 mil militantes negros e negras em Brasília, hegemonizadas por um bloco de forças negras de caráter democrático, socialista e popular. Ou seja, foi construída com lastro e legitimidade social e no calor da luta política. Catorze anos depois desta vitoriosa Marcha, os setores que antes se destacavam na luta contra o racismo – Conen e Unegro – protagonizam um espetáculo melancólico e vexatório aos olhos do povo negro que luta contra a opressão racista e pela construção de uma nova sociedade. A direita racista – PSDB, DEM e asseclas – comemorou a NÃO aprovação do Estatuto: o projeto que foi aprovado não serve a população negra e sim mantém o status quo das elites que a mais de 500 anos controlam o poder político deste país. Este não é o Estuto possível é, na verdade, um presente a direita racista, oferecido, melacolicamente, pelo setores lulo-petistas do Movimento Negro.
No dia 10 de setembro passado, CONEN e UNEGRO – perfilados a PT, PCdoB, DEM e PSDB – chacelaram o pacto racial conservador que retira do povo negro direitos e garante os privilégios das elites brancas e racistas. Ao invés de apostarem na mobilização “de baixo pra cima” que garantiria a aprovação do Estatuto, preferiram a conciliação e os acordos de bastidores. O realismo das compensações e dos avanços simbólicos venceu a política feita com as massas e com a mobilização do povo negro. O projeto aprovado não tem qualquer relação com a proposta original do Estatuto: excluiu o direito históricos dos quilombolas a seus territórios, a política de cotas, a presença negra nos meios de comunicação e reduziu de 30% para 10% as candidaturas negras nas eleições; além disso, nada acrescenta à lei 10.639/03 (alterada pela lei 11.645/08) sobre a obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afrobrasileira nas escolas. Apesar das declarações de lideranças negras saudando a aprovação do projeto, ficou evidente a vitória das forças conservadoras, reacionárias e racistas representadas pelos ruralistas do DEM e os racistas do PSDB. Ao mesmo tempo, o poder de atração do governismo e do lulismo – em continuidade de suas medidas anti-povo que se inscrevem no projeto político das elites burguesas e racistas – arrastou definitivamente o que existia de vivo e atuante no movimento negro de entidades históricas como a Conen e a Unegro. Hoje, meros penduricalhos do projeto lulista, Conen e Unegro refluíram de movimento social a movimento para-institucional: a institucionalidade, ao invés de meio, se tornou fim.
A NÃO aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, em nosso ponto de vista, demanda que revejamos imediatamente a estratégia política das entidades que se colocam como representantes do povo negro: é necessário romper com o oportunismo sectário e hegemonista de setores do MNU (que paralisam o movimento negro e não apresentam nenhuma proposta factível ou bandeira de luta concreta, e que estão também representados por setores governistas que tem bastante peso e representatividade dentro daquela entidade) e com movimentos de caráter para-institucional representados por CONEN, UNEGRO e o bloco de entidades que se ligam a eles. Desta maneira, devemos fazer a luta negra avançar para além da disputa hegemonista entre setores do MNU, CONEN e UNEGRO que se autoproclamarem legitimos representantes das Entidades do Movimento Negro com (pseudo) poderes de “negociar” o que bem entendem com os governos (sem respeitar fóruns ou espaços coletivos de deliberação do próprio movimento).
Desta maneira, o Círculo Palmarino faz um chamado às entidades negras que querem construir um projeto coletivo, democrático e independente dos governos de ocasião: este é o momento de lançarmos as bases de uma nova entidade nacional do movimento negro – a Aliança Negra Brasileira (ANB). O principal desafio ao construir a ANB é mostrar que a NÃO aprovação do Estatuto não representa o fim das lutas do povo negro: tramitam no Congresso Nacional diversos projetos de Leis que beneficiam a população negra, sejam leis afirmativas ou reparatórias, e estes passam a ser o grande alvo da luta dos/as militantes na busca destes marcos legais que promovam, efetivamente, alteração dos indicadores sociais do cotidiano da população negra e seus terrtórios. É necessário lutar contra o processo de extermínio, encarceramento, desterritorialização e pauperização dos territórios negros urbanos que denunciamos como uma verdadeira Faxina Étnica, a serviços dos interesses da burguesia branca e racista.
Em nosso ponto de vista, a Assembléia Final do CONNEB, em Salvador, é o espaço privilegiado para delinearmos os principais eixos de luta, de forma unificada, na busca destas conquistas, sendo que desta vez sem porta vozes e sim com uma ampla mobilização dos lutadores sociais, negras e negros, redundando numa grande marcha em Brasília. Ainda temos muito o que lutar.
Círculo Palmarino
Contra a faxina étnica, fortalecer a consciência anticapitalista do povo negro!