173 anos da Revolução Cabana: uma luta em curso
Manoel Amaral
Após esses 173 anos de Revolução Cabana, que foi coordenada por homens simples, anônimos, que escreveram, a partir da vontade coletiva, algumas das mais importantes páginas da história do povo brasileiro e em especial do povo paraense, a motivação desta vontade coletiva pode ser explicada, emprestando as palavras de Maria G. Gohn (1997, p.54): “enquanto a humanidade não resolver seus problemas básicos de desigualdades sociais, opressão e exclusão, haverá lutas, haverá movimentos”. A situação por que passava a maioria do povo pobre do Pará foi o ingrediente mais do que justificável para que homens e mulheres das mais variadas cores e religiões pudessem se organizar e, de armas em punho, gritassem uníssonos por liberdade, justiça e igualdade.
Várias formas de se apropriar do legado da Cabanagem foram utilizadas. Em princípio Domingos Rayol tomou a Cabanagem como um motim de desalmados, irracionais que tinham como desejo a expressão da ira e do terror, argumento perfeito para consolidar a repressão sanguinária que derivou sua apreciação, gerando um genocídio neste Estado que dizimou um terço da população masculina paraense.
Mas Vicente Salles, um dos mais importantes historiadores paraenses, identifica uma luta de classes que eclode em 1835 com a Cabanagem. Relata a expressão política de membros excluídos da sociedade paraense, que era baseada nos grandes proprietários e comerciantes portugueses, por trás da simples oposição entre portugueses e brasileiros – havia uma heterogeneidade de posições que se somaram, formando um quadro político instável na província. De acordo com ele, de um lado estava o colonizador, uma minoria que controlava o poder e os meios de produção; em oposição, estava o colonizado, “massa heterogênea de camponeses e peões”, pertencente à categoria de homens livres sem terra “vivendo à margem da escravidão”. Em muitos momentos, a condição do colonizado era pior até que a situação dos escravos.
Como o subtítulo diz, o livro de Vicente Salles é a “história do pensamento político-revolucionário do Grão-Pará”, pensamento cujas raízes estão nas grandes transformações ocorridas no final do século XVIII e no início do século XIX. A Cabanagem é a soma do reflexo da ação desempenhada por idéias liberais, republicanas e libertárias. A Revolução Francesa, a Revolução Americana e a Revolução da Guiana Francesa, principalmente, exerceram papel importante na propagação de idéias políticas entre diferentes camadas da sociedade do Grão-Pará.
Vicente Salles faz uma apresentação de diversos pontos que contribuíram para esse momento de explosão das massas, como ele se refere. Vicente Salles se centra em uma análise estrutural para definir quem é quem na estrutura social da época e, conseqüentemente, dentro do movimento cabano. São índios, negros e caboclos ou, ainda, lavradores e pequenos proprietários que lutam contra portugueses. Ao se
pensar no esquema de interpretação de crise política e revolução proposto por Lênin, no qual está a luta interna entre as classes dominantes, a pauperização das classes populares e sua ascensão política, vê-se que tais elementos implícitos estão na análise proposta por Vicente Salles. O crescimento político das classes populares é um fator intensamente relatado, Vicente Salles aborda a difusão das idéias do socialismo utópico elaboradas por Saint-Simon na Europa, sugere que no Brasil, essas idéias estiveram limitadas por não haver a organização de uma classe operária. Os intelectuais brasileiros educavam-se, em sua maioria, na Europa e lá tomavam contato com as idéias do início do século. Entre elas estavam o socialismo utópico e o livre comércio.
No campo político, na década de 80 o governo de Jader Barbalho, apoiado em parâmetros populistas tenta se apropriar da Cabanagem para dar uma roupagem popular em seu governo.
Na década de 90, o governo municipal de Edmilson Rodrigues materializou os ideais de democracia cabana e promoveu as ações populares e democráticas que caracterizou seu governo como o quarto governo cabano, o povo de Belém pôde, durante oito anos, promover uma verdadeira revolução nas ações governamentais participando ativamente do processo de construção do orçamento e definindo metas estruturais do governo municipal. O povo de Belém pôde mais uma vez segurar as rédeas de seu futuro.
Obviamente que se deve destacar os limites de um governo municipal frente os ataques cotidianos da burguesia local e nacional frente a ações que despertavam os trabalhadores (as) paraenses.
Como podemos notar, a Cabanagem representa a identidade do povo paraense, ainda pouco utilizada, mas capaz de mobilizar importantes parcelas da sociedade, seja do ponto de vista acadêmico, seja na prática política institucional.
Nunca foram tão atuais os preceitos que motivaram as centenas de homens e mulheres no Estado do Pará em 1835. Em tempos de acumulação do capital e da aplicação de medidas que afastam os trabalhadores (as) das principais decisões políticas, é evidente a necessidade de ações que possam colocar em xeque medidas anti-populares de caráter autoritário e populista do atual governo.
Os fatos que presenciamos hoje, como a vergonhosa escalada do crime organizado, a chaga aberta na sociedade do trabalho escravo, os cortes de verbas governamentais para a educação e saúde, que servem ao pagamento da dívida “eterna” brasileira, o abandono de principio caros à esquerda por parte de partidos tidos como aliados dos trabalhadores em troca da manutenção da ordem política burguesa, a violência no campo que faz sucumbir os direitos fundamentais do homem, a degradação da natureza em troca do lucro pelo lucro, o comportamento antiético que impera nas ações gerais da maioria dos (as) político (as) brasileiros (as), a submissão sem medida ao capital internacional que soterra nossa soberania, nos faz pensar que passados esses 173 anos do janeiro em que o povo tomou o poder do Pará pelas mãos e instituiu seu próprio governo não só é merecedor de referência como é um exemplo a ser seguido.
Ao povo do Pará que agora, mais uma vez, se vê enganado por falsas promessas, resta notar que a verdadeira mudança será fruto de sua participação efetiva. Evitar aqueles que escondem suas idéias passadas e as substituem por novas (mais frutos de velhos pensamentos) e que editam as mesmas propostas que antes criticavam, deve ser razão de esperar um rumo novo para o povo paraense, um rumo de horizonte ribeirinho, um norte Cabano.
Viva a cabanagem e seu povo; viva o seu legado e o seu exemplo, viva os negros e negras, índios e índias, brancos e brancas, mulatos e mulatas que construíram essa página na história paraense e que até hoje nos orgulha.
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Manoel Amaral é Professor, Assessor do Senado Nery – PSOL e Coordenador do Centro Memorial Cabano – Pa.
Por Manoel Amaral (Escrito em 17/01/2008)
Após esses 173 anos de Revolução Cabana, que foi coordenada por homens simples, anônimos, que escreveram, a partir da vontade coletiva, algumas das mais importantes páginas da história do povo brasileiro e em especial do povo paraense, a motivação desta vontade coletiva pode ser explicada, emprestando as palavras de Maria G. Gohn (1997, p.54): “enquanto a humanidade não resolver seus problemas básicos de desigualdades sociais, opressão e exclusão, haverá lutas, haverá movimentos”. A situação por que passava a maioria do povo pobre do Pará foi o ingrediente mais do que justificável para que homens e mulheres das mais variadas cores e religiões pudessem se organizar e, de armas em punho, gritassem uníssonos por liberdade, justiça e igualdade.
Várias formas de se apropriar do legado da Cabanagem foram utilizadas. Em princípio Domingos Rayol tomou a Cabanagem como um motim de desalmados, irracionais que tinham como desejo a expressão da ira e do terror, argumento perfeito para consolidar a repressão sanguinária que derivou sua apreciação, gerando um genocídio neste Estado que dizimou um terço da população masculina paraense.
Mas Vicente Salles, um dos mais importantes historiadores paraenses, identifica uma luta de classes que eclode em 1835 com a Cabanagem. Relata a expressão política de membros excluídos da sociedade paraense, que era baseada nos grandes proprietários e comerciantes portugueses, por trás da simples oposição entre portugueses e brasileiros – havia uma heterogeneidade de posições que se somaram, formando um quadro político instável na província. De acordo com ele, de um lado estava o colonizador, uma minoria que controlava o poder e os meios de produção; em oposição, estava o colonizado, “massa heterogênea de camponeses e peões”, pertencente à categoria de homens livres sem terra “vivendo à margem da escravidão”. Em muitos momentos, a condição do colonizado era pior até que a situação dos escravos.
Como o subtítulo diz, o livro de Vicente Salles é a “história do pensamento político-revolucionário do Grão-Pará”, pensamento cujas raízes estão nas grandes transformações ocorridas no final do século XVIII e no início do século XIX. A Cabanagem é a soma do reflexo da ação desempenhada por idéias liberais, republicanas e libertárias. A Revolução Francesa, a Revolução Americana e a Revolução da Guiana Francesa, principalmente, exerceram papel importante na propagação de idéias políticas entre diferentes camadas da sociedade do Grão-Pará.
Vicente Salles faz uma apresentação de diversos pontos que contribuíram para esse momento de explosão das massas, como ele se refere. Vicente Salles se centra em uma análise estrutural para definir quem é quem na estrutura social da época e, conseqüentemente, dentro do movimento cabano. São índios, negros e caboclos ou, ainda, lavradores e pequenos proprietários que lutam contra portugueses. Ao se
pensar no esquema de interpretação de crise política e revolução proposto por Lênin, no qual está a luta interna entre as classes dominantes, a pauperização das classes populares e sua ascensão política, vê-se que tais elementos implícitos estão na análise proposta por Vicente Salles. O crescimento político das classes populares é um fator intensamente relatado, Vicente Salles aborda a difusão das idéias do socialismo utópico elaboradas por Saint-Simon na Europa, sugere que no Brasil, essas idéias estiveram limitadas por não haver a organização de uma classe operária. Os intelectuais brasileiros educavam-se, em sua maioria, na Europa e lá tomavam contato com as idéias do início do século. Entre elas estavam o socialismo utópico e o livre comércio.
No campo político, na década de 80 o governo de Jader Barbalho, apoiado em parâmetros populistas tenta se apropriar da Cabanagem para dar uma roupagem popular em seu governo.
Na década de 90, o governo municipal de Edmilson Rodrigues materializou os ideais de democracia cabana e promoveu as ações populares e democráticas que caracterizou seu governo como o quarto governo cabano, o povo de Belém pôde, durante oito anos, promover uma verdadeira revolução nas ações governamentais participando ativamente do processo de construção do orçamento e definindo metas estruturais do governo municipal. O povo de Belém pôde mais uma vez segurar as rédeas de seu futuro.
Obviamente que se deve destacar os limites de um governo municipal frente os ataques cotidianos da burguesia local e nacional frente a ações que despertavam os trabalhadores (as) paraenses.
Como podemos notar, a Cabanagem representa a identidade do povo paraense, ainda pouco utilizada, mas capaz de mobilizar importantes parcelas da sociedade, seja do ponto de vista acadêmico, seja na prática política institucional.
Nunca foram tão atuais os preceitos que motivaram as centenas de homens e mulheres no Estado do Pará em 1835. Em tempos de acumulação do capital e da aplicação de medidas que afastam os trabalhadores (as) das principais decisões políticas, é evidente a necessidade de ações que possam colocar em xeque medidas anti-populares de caráter autoritário e populista do atual governo.
Os fatos que presenciamos hoje, como a vergonhosa escalada do crime organizado, a chaga aberta na sociedade do trabalho escravo, os cortes de verbas governamentais para a educação e saúde, que servem ao pagamento da dívida “eterna” brasileira, o abandono de principio caros à esquerda por parte de partidos tidos como aliados dos trabalhadores em troca da manutenção da ordem política burguesa, a violência no campo que faz sucumbir os direitos fundamentais do homem, a degradação da natureza em troca do lucro pelo lucro, o comportamento antiético que impera nas ações gerais da maioria dos (as) político (as) brasileiros (as), a submissão sem medida ao capital internacional que soterra nossa soberania, nos faz pensar que passados esses 173 anos do janeiro em que o povo tomou o poder do Pará pelas mãos e instituiu seu próprio governo não só é merecedor de referência como é um exemplo a ser seguido.
Ao povo do Pará que agora, mais uma vez, se vê enganado por falsas promessas, resta notar que a verdadeira mudança será fruto de sua participação efetiva. Evitar aqueles que escondem suas idéias passadas e as substituem por novas (mais frutos de velhos pensamentos) e que editam as mesmas propostas que antes criticavam, deve ser razão de esperar um rumo novo para o povo paraense, um rumo de horizonte ribeirinho, um norte Cabano.
Viva a cabanagem e seu povo; viva o seu legado e o seu exemplo, viva os negros e negras, índios e índias, brancos e brancas, mulatos e mulatas que construíram essa página na história paraense e que até hoje nos orgulha.
Manoel Amaral é Professor, Assessor do Senador Nery – PSOL/PA e Coordenador do Centro Memorial Cabano – PA.