Por Aldo Santos
O artigo 227 da Constituição federal afirma: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Segundo Miki Breier,o artigo acima “teve o peso de um milhão e meio de assinaturas, a partir da emenda popular denominada ‘Criança, prioridade nacional’, liderada pelo Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e Pastoral do Menor, que mobilizou a sociedade brasileira de norte a sul, e que não deixou sombra de dúvida quanto ao anseio da população por mudanças e pela remoção daquilo que se tornou comum denominar entulho autoritário – que nessa área se identificava com o Código de Menores”.
Em decorrência dessa ampla manifestação popular, a Lei 8069 de 13 de julho de 1990, instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma experiência propositiva que fez a diferença ao longo dos 19 anos de existência.
Com dezenas de artigos, alguns já alterados por conta de inúmeras manifestações da sociedade civil e da comunidade organizada, a lei está em vigor e é nosso dever fazer cumprir o inteiro teor da mesma, sem abrir mão das conquistas alcançadas, impedindo mudanças que revogue princípios e elementos centrais do escopo da lei.
Nesses 19 anos, muitos comentários e críticas existiram (para o bem ou para o mau) sobre essa lei. Segundo os conservadores e reacionários, a mesma dá muito poder a criança e aos adolescentes, sendo por alguns, “responsabilizada” pela liberdade abusiva que tem fomentado a juventude brasileira.
Os democratas e progressistas, vêem nessa lei um direito histórico e inerente a pessoa humana, portanto, portadora dos interesses de uma significativa parcela da sociedade brasileira que são as crianças e adolescentes.
O que se observa é que a criança e o adolescente ainda são vítimas de uma sociedade de valores “adulterados” que desconsidera os direitos elementares da pessoa humana , independentemente da idade ou porte físico correspondente.
Na verdade o que falta é mais democracia, respeito, acolhimento e acompanhamento sobre esse universo que até então era reprimido e ignorado nos mais variados períodos da história da Sociedade. Os opressores que tentam criminalizar as crianças e adolescentes, via de regra, são os mesmos que criminalizam os movimentos sociais, as liberdades humanas e outros seguimentos da sociedade em que vivemos.
Tentam de todas as formas condenar a existência dessa lei, amordaçando e silenciando as nossas crianças e adolescentes, produzindo assim, gerações de “imbecilizados” obedientes, subalternos e aliciados, induzidos os ao acatamento das leis, (mesmo equivocadas ou prepotentes).
Várias iniciativas nesse sentido como o toque de recolher, a tentativa de alterar a maioridade penal, a permanência do trabalho infantil, são um retrocesso, uma ilegalidade e uma tentativa de se descaracterizar essa importante lei que é fruto da conquista do movimento organizado e dos democratas que buscaram instituir valores, direitos e deveres democráticos no âmbito pedagógico, e das liberdades humanas.
Na verdade, é preciso criar mecanismos de Estado para assegurar mecanismos de participação popular, e vice versa. O Estado tem que assumir sua parte no tocante as políticas públicas, a melhoria educacional com investimentos na Educação até o patamar de 15% do PIB brasileiro.
Os conflitos existentes nas escolas significam a inoperância do estado brasileiro, pois medidas como a diminuição do número de alunos em salas de aula, merenda escolar para todos os alunos do ensino médio, instituir nas escolas as comissões de convivência e normas pedagógicas como fator determinante na recuperação e socialização de crianças e adolescentes que por ventura tenham cometido algum delito. Essas medidas somadas a valorização profissional dos educadores com aumento salarial e condições de trabalho, resolveriam ou amenizariam significativamente os conflitos existentes. De nada adianta criar mecanismos cujo cerne seja os aparatos repressivos do Estado como a iniciativa de força tarefas que no limite simbolizam a própria falência do Estado Brasileiro em relação à liberdade e a democracia que devem nortear toda e qualquer política para as crianças e adolescentes e da juventude brasileira.
É fundamental contextualizar a vida e as condições econômicas da nossa juventude excluída, submetida a novos paradigmas do ponto de vista das mudanças que vem ocorrendo em relação aos conceitos de certa forma superados na sociedade atual. Dados recentes apontam que a mortalidade em adolescentes é pior do que qualquer guerra em curso no momento, uma vez que os dados publicados recentemente não deixam dúvidas: ao manter as atuais políticas e as precárias condições de vida da juventude, estima-se que 33 mil adolescentes serão assassinados no período de 2006 a 2012. Isso equivale ao extermínio de 13 adolescentes por dia. Ou seja, é lastimável , mais o país convive com uma guerra permanente contra sua juventude.
Dentro desse contexto, o debate e a instituição do ECA é uma grande conquista, diante de uma sociedade que culturalmente vê na criança e no adolescente uma miniatura de pessoa, desprezível e sem direitos, que historicamente tem sido submetida a toda forma de tortura psicológica, exploração ético/ moral /sexual e econômica, como ocorreu no início das relações de exploração capitalista com a revolução industrial e ainda ocorre em grande parte nos dias atuais.
A ausência do estado, por exemplo, em relação à falta de creches é uma constatação do descumprimento da lei, do abandono de incapazes pelo estado, uma vez que os pais são obrigados a trabalhar para assegura o mínimo do sustento familiar.
Segundo o IBGE em 2006, dos 11 milhões com idade de 0 a 3 anos, somente 1,7 milhão, estariam matriculados nas creches. A falta de creches é a ponta do aiciberg, pois a violência social, policial, assédio sexual, trabalho infantil e outros, compõem um quadro de verdadeiro massacre para com nossas crianças e adolescentes que, embora “protegidos por lei”, ainda são vitimados de uma sociedade com tradição autoritária, de exclusão e de morte precoce para com os filhos (as) da população pobre e negra de nossa sociedade.
Uma jovem lei num país de jovens desprotegidos, deve enfrentar a tudo e todos, conquistar espaço e maturidade, preservando e ampliando direitos que se traduzem na preservação da vida dos filhos da indigência do nosso país.
Mudar, mobilizar e revolucionar é preciso!!!
Aldo Santos é sindicalista, membro do Diretório Nacional e Presidente do Psol de São Bernardo do Campo.