O livro A Crise Estrutural do Capital, de István Mészáros, apresenta as principais teses e formulações de István Mészáros, escritas ao longo de mais de três décadas e que são agora publicados em um momento decisivo deste século XXI, onde tudo que parecia sólido no capitalismo se liquefaz. Os trilhões de dólares que feneceram nos últimos meses são expressão contundente. A crise do sistema financeiro global, a retração da produção industrial, agrícola e de serviços, também são demasiadamente evidentes. Desde 1929 que o capitalismo não presenciava um processo crítico tão profundo, aflorando inclusive no próprio discurso dos detentores do capital, seus gestores e principais gendarmes políticos.
Ricardo Antunes – Revista Sem Terras
E István Mészáros tem sido, nas últimas décadas, um dos críticos mais densos, profundos, qualificados e radicais. Se pudéssemos condensar algumas das principais teses que configuram a atual crise estrutural do capital diríamos que Mészáros faz uma crítica devastadora às engrenagens que caracterizam o sistema do capital.
Sua aguda investigação, debruçando-se ao longo de todo o século XX, o leva a constatar que esse sistema, por não ter limites para a sua expansão, acaba por se converter num modo de produção incontrolável e profundamente destrutivo, gerando a corrosão do trabalho e o desemprego estrutural, além de impulsionar uma destruição da natureza em escala global.
Ao contrário dos ciclos de expansão que conformaram o capitalismo ao longo de sua história, alternando períodos de expansão e crise, encontramo-nos, desde fins dos anos 1960 e inícios de 1970, mergulhados no que István Mészáros denomina como depressão continua, que exibe as características de uma crise estrutural, presenciando a eclosão de precipitações cada vez mais freqüentes e contínuas.
Tratando-se, portanto, de uma crise na própria realização do valor, Mészáros desenvolveu a sua tese central, de que o sistema de capital não pode mais se desenvolver sem recorrer à taxa de utilização decrescente do valor de uso das mercadorias como mecanismo que lhe é intrínseco. O que significa que uma mercadoria pode variar de um extremo a outro, isto é, desde ter seu valor de uso realizado imediatamente ou, no outro extremo, jamais ser utilizada, sem deixar de ter, para o capital, a sua utilidade essencial. E, na medida em que a tendência decrescente do valor de uso reduz drasticamente o tempo de vida útil das mercadorias, ela se converte num dos principais mecanismos pelos quais o capital realiza seu processo de acumulação pela via da destruição do tempo de vida útil das mercadorias.
O que acentua uma contradição vital que o mundo mergulhou ainda mais intensamente neste início de século: se as taxas de desemprego continuam se ampliando, aumentam explosivamente os níveis de degradação e barbárie social oriunda do desemprego. Se, ao contrário, o mundo produtivo retomasse os níveis de crescimento anteriores, aumentando a produção e seu modo de vida fundado na superfluidade e no desperdício, teremos a intensificação ainda maior da destruição da natureza, ampliando a lógica destrutiva hoje dominante. De modo que, totalmente diferenciada das análises que circunscrevem a crise ao universo dos bancos, à “crise do sistema financeiro”, à “crise de créditos”, para István Mészáros, a “imensa expansão especulativa do aventureirismo financeiro – sobretudo nas últimas três ou quatro décadas – é naturalmente inseparável do aprofundamento da crise dos ramos produtivos da indústria (…). Agora, inevitavelmente, também no domínio da produção industrial a crise está ficando muito pior. Naturalmente, a conseqüência necessária da crise sempre em aprofundamento nos ramos produtivos da ‘economia real’ (…) é o crescimento do desemprego por toda a parte numa escala assustadora, e a miséria humana a ele associada. Esperar uma solução feliz para esses problemas vinda das operações de resgate do Estado capitalista seria uma grande ilusão”.
Se o neokeynesianismo do estado todo privatizado tem sido a resposta encontrada pelo capital para sua crise estrutural, as respostas das forças sociais do trabalho devem ser radicais. Somente uma ação política extraparlamentar, sustentada nas forças sociais do trabalho poderá reorientar radicalmente a estrutura econômica e desse modo superar o domínio social do capital e sua lógica destrutiva.
O desvendamento mais profundo dos significados da crise atual, seu sentido global, estrutural e sistêmico, essa é a principal contribuição deste poderoso (pequeno) livro de István Mészáros. Ele que deve ser lido por todos aqueles que, nas lutas sociais, em seus embates cotidianos, confrontam, de algum modo, o sistema de metabolismo social hoje dominante e essencialmente destrutivo para a humanidade e a natureza. Até porque a resolução deste quadro crítico dependerá, fundamentalmente, da força dos embates e das lutas entre as classes fundamentais que se confrontam na sociedade controlada pelo capital.
*Esse artigo é uma síntese da Apresentação que fizemos ao livro A crise estrutural do capital, de István Mészáros, no prelo pela Boitempo, São Paulo.
*Ricardo Antunes é professor de Sociologia do IFCH/UNICAMP e autor, entre outros livros, de Os Sentidos do Trabalho (Boitempo) e Adeus ao Trabalho? (Cortez). Coordena as coleções Trabalho e Emancipação (Ed. Expressão Popular) e Mundo do Trabalho (Boitempo).
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