Por Bruno Padron ”Porpeta”
Hoje, queria falar somente sobre uma cobrança de falta. Mas as faltas fora de campo continuam a sobressair às de dentro. O jogo entre Cruzeiro e Grêmio, pela Libertadores, teve de tudo. Dentre isso, mais um “recibo” do quanto estamos longe de trazer para o futebol as mesmas regras que valem para todos os cidadãos.
Logo que vi o gol de falta marcado por Souza, do Grêmio, me veio à cabeça escrever sobre o gol em si, e toda a importância que ele pode ter tido na decisão de qual time brasileiro terá a oportunidade de lutar pelo tricampeonato da Libertadores. Cruzeiro e Grêmio, ambos bicampeões do torneio, fizeram um jogaço, daqueles que nos dariam várias horas de prosa no boteco. E deram! Mas por algo tão comum quanto diferente.
Quando se fala em um grande jogo, logo se pensa em vários gols, chances criadas, grandes defesas, belos dribles. Nada disso faltou. O Grêmio até foi melhor por 25 minutos, não aproveitou as chances, e deu moral ao Cruzeiro que, jogando no Mineirão, quis mostrar quem mandava. Fez três gols e poderia até ter feito mais.
Com 3 a 0 no placar, o Grêmio voltaria ao Rio Grande do Sul com a obrigação de vencer por 4 a 0 no Olímpico. Bastava um golzinho e essa obrigação reduzia-se para 2 a 0. Difícil, mas nada impossível para o Imortal gaúcho.
E ele saiu, graças a uma cobrança de falta perfeita de Souza. Um chute daqueles que, desde a posição do pé com relação à bola, pode ser considerado perfeito. A chuteira encontra o “ponto G” da bola, aquele que prenuncia o prazer do gol, tal como o gol de Carlos Alberto na final da Copa de 70. Só havia um lugar onde o pé poderia bater. E foi lá mesmo que ele bateu!
A trajetória aproveita-se da baixa estatura da barreira armada por Fábio, goleiro do Cruzeiro, e vai morrer no fundo do gol sem que o arqueiro tenha sequer a possibilidade de posar para as fotos. Fica parado, olhando o que a bola já sabia desde quando foi chutada.
Este gol foi fundamental para manter o Grêmio vivo na Libertadores. Em apenas alguns segundos, o que seria um amistoso de luxo tornou-se mais uma batalha para os guerreiros tricolores gaúchos e celestes mineiros. Promessa de mais um grande jogo!
Porém, o dia seguinte ao primeiro jogo não foi dedicado aos bons lances da partida, mas sim a um único lance. O gremista Maxi Lopez, atacante argentino, e o zagueiro cruzeirense Elicarlos discutiam na intermediária do campo de ataque do Cruzeiro quando, de repente, o meia Wagner do time celeste empurra Lopez e inicia-se um princípio de tumulto às costas do árbitro. Pelas câmeras de TV, percebe-se que Wagner sinaliza que houve alguma referência preconceituosa por parte de Lopez contra Elicarlos, pelo fato do zagueiro ser negro.
Após o fim do primeiro tempo, Elicarlos deu entrevista à beira do campo onde acusou Lopez de tê-lo chamado de “macaco”, e ao ser perguntado se prestaria queixa por crime de racismo, negou.
Ao fim do jogo, soldados da Polícia Militar de Minas Gerais estavam posicionados na saída dos jogadores gremistas e afirmavam que esperavam Lopez para levá-lo à delegacia, prestar esclarecimentos sobre a acusação de racismo, feita após a partida.
Pois bem, aí começa a sensação de que seria mais um caso de racismo no futebol. Daqueles que são incendiados pela imprensa com a mesma facilidade com que são apagados.
Elicarlos e um superintendente de futebol do Cruzeiro depõem na delegacia do Mineirão. De repente, a polícia não permite a saída do ônibus do Grêmio, querendo ouvir o depoimento de Lopez sobre a acusação de injúria qualificada. Como assim, injúria qualificada?
O crime de racismo é prescrito na legislação penal brasileira, dá cadeia, é inafiançável e não caduca em nenhuma hipótese. Qualquer ofensa à alguém por conta de sua raça é considerada racismo! Injúria é, a grosso modo, chamar a alguém com nariz grande de narigudo, e quando qualificada significa ofender alguém se valendo de alguma condição depreciativa que o outro possa vir a ter. Alguém consegue explicar o porque da não caracterização do racismo? Eu não entendi.
Daí por diante, deu-se a saga do ônibus, que não saía do lugar, tanto quanto Lopez, que não descia do mesmo. A direção do Grêmio tentava preservar o atleta, argumentando que o depoimento deveria ser prestado no hotel onde concentrou-se a delegação gremista, por questões de segurança.
Ora, bolas! Se a polícia não tem condições de oferecer segurança a um acusado e/ou testemunha em um inquérito, o que faz a polícia da vida? Para que serve?
Depois de acertarem o retorno ao hotel, todos mudaram de ideia, e resolveram que toda a delegação desceria do ônibus para acompanhar o depoimento de Lopez. Enquanto isso, a imprensa lembrava-se do caso Desabato, ex-zagueiro do Quilmes da Argentina, acusado pelo atacante sãopaulino Grafite pela mesma situação em um jogo de Libertadores. Hoje, Desabato é só uma lembrança, mas punição que é bom, nada! A maioria esquece-se do caso Antônio Carlos, até outro dia Diretor de Futebol do Corinthians, mas enquanto jogador do Juventude/RS foi filmado praticando ofensas racistas em campo. Sua pena? Andar pelas ruas livremente, gozando o que seu dinheiro pode comprar.
Mas não acaba por aí! Ainda houve tempo para declarações infelizes de Paulo Autuori, que classificou como “hipocrisia” a acusação feita por Elicarlos, atribuindo-a aos cruzeirenses, como forma de tumultuar o ambiente no Grêmio. E ameaçou, dizendo que o clima que estava sendo criado para Porto Alegre era de guerra.
Fica a pergunta, algum branco já foi chamado de “macaco” por alguém? Se fosse, acharia que está tudo certo, que as coisas se resolvem no campo? Ou sequer se ofenderia, afinal de contas, o termo “macaco” é usado somente contra negros, porque é justamente por essa condição que existe?
E apesar de alguns adotarem a ginástica verbal do Direito para desconstruir o óbvio, o que aconteceu ontem, e acontece sempre, é racismo! E não só no futebol, mas em quaisquer ocasiões no Brasil. Mas a gente vai passando por cima, nada que um bom tapete não possa encobrir.
Bruno Padron ”Porpeta”, é bancário e, diante da inabilidade para praticar esportes, passa sua vida falando deles.
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