Na última quinta-feira (30), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) revogou, por sete votos a quatro, a Lei de Imprensa (52350/1967). A decisão foi resultado da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, apresentada pelo Deputado Federal Miro Teixeira em nome do seu partido, o PDT, que considerava norma inconstitucional por conflitar com o direito fundamental à liberdade de expressão, assegurado no Artigo 5º da Carta Magna de 1988.
Além do relator da proposta, Carlos Ayres Britto, votaram a favor da supressão total da Lei os ministros Eros Grau, Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Celso de Mello. Os ministros Marco Aurélio Mello, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa se posicionaram contrários à revogação integral por considerarem que alguns artigos, como aqueles relativos à compensação pelos abusos cometidos por órgãos de imprensa, deveriam ser mantidos.
Mariana Martins – Observatório do Direito à Comunicação*
Entre os principais argumentos contra a Lei de Imprensa utilizados pelo proponente da ADPF e endossados por parte dos ministros estava o fato da norma ter sido sancionada durante a ditadura militar, ter em sua ementa a regulação da liberdade de manifestação de pensamento e de informação e trazer entre seus artigos o ranço do autoritarismo militar que fechou jornais e prendeu jornalistas.
O STF já havia sinalizado favoravelmente a este entendimento quando, no início de 2008, suspendeu 20 dos 77 artigos da Lei de Imprensa considerados mais autoritários e, portanto, contraditórios com a Constituição Federal. A resolução das questões tratadas pelos artigos interditados passou então a ser disciplinada pelos códigos Civil e Penal.
Críticas à supressão integral
Em outra linha, se posicionou o ministro Joaquim Barbosa, que destoou da maioria do plenário da Corte pelas críticas ao conflito de liberdades e à concentração dos meios de comunicação. Enquanto a maioria dos magistrados questionou as restrições legais à liberdade de imprensa, Barbosa ponderou sobre o conflito entre o direito à liberdade irrestrita da imprensa e o direito à intimidade do cidadão comum, por exemplo.
Segundo matéria sobre o julgamento publicada no site do STF, “Joaquim Barbosa defendeu que não basta ter uma imprensa livre, mas é preciso que seja diversa e plural, de modo a oferecer os mais variados canais de expressão de idéias e pensamentos. Ele criticou a atuação de grupos hegemônicos de comunicação que, em alguns estados, dominam quase inteiramente a paisagem audiovisual e o mercado público de idéias e informações, com fins políticos. De acordo com ele, a diversidade da imprensa deve ser plena a ponto de impedir a concentração de mídia que, em seu entender, é algo extremamente nocivo para a democracia.”
A posição de crítica à revogação integral defendida por Barbosa é partilhada por vários críticos da Lei de Imprensa. O jornalista Alberto Dines, apresentador do programa Observatório da Imprensa e um dos principais opositores da referida norma, é contra deixar um vácuo legal para a regulação das atividades da imprensa.
“Havia alguns artigos que deveriam ser expurgados. Mas havia alguns que, na falta de outra coisa, teriam que ser mantidos, e isso quem diz não sou eu, mas grandes juristas como o Miguel Reale Jr. Um novo estatuto deveria ter sido feito antes. Mas preferiu-se deixar esse vácuo por uma questão simbólica. A grande imprensa brasileira queria acabar com o nome [Lei de Imprensa] para que a imprensa seja desregulada”, avalia Dines.
A mesma avaliação é compartilhada pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). “Obviamente éramos contra essa Lei de Imprensa dos tempos da ditadura militar, mas também não somos partidários de ficarmos sem nenhuma lei. Queremos agora que o congresso trabalhe para aprovação de uma nova lei”, argumenta José Carlos Torves, Diretor da Federação.
Empresariado questiona vácuo
A presidente da Associação Brasileira de Jornais (ANJ), Judith Brito, publicou na página eletrônica da entidade, antes mesmo da votação da ADPF, um artigo no qual externa a posição da associação. Judith Brito alerta para a importância de relacionar a evolução da sociedade à plena liberdade para o debate, a troca de opiniões e para a divulgação de informações. “Essa Lei de Imprensa é tão absurdamente fora do contexto democrático brasileiro que mal vinha sendo aplicada pelo Poder Judiciário. Mas é preciso jogá-la de vez na lata de lixo da história.”
Porém, a presidente da ANJ não defende um vácuo legal para a imprensa. No citado artigom ela considera ser “óbvio que eventuais erros cometidos no jornalismo têm que ser punidos. Para isso, deve haver legislação que preveja direito de resposta e penas contra calúnia e difamação dentro de critérios objetivos e equilibrados.” E explica: “uma legislação mínima, que garanta os direitos individuais diante do direito maior da sociedade à liberdade de expressão, mas que nunca possa significar intimidação contra essa liberdade.”
Nova legislação
Contudo, não será preciso partir do zero para elaborar um novo marco legal para a imprensa brasileira. Segundo José Torves, tramita no Congresso há mais de uma década projeto de lei do deputado Vilmar Rocha (PFL-GO) cuja redação agrada tanto aos jornalistas como às empresas de rádio e televisão, mas que nunca foi votada. “A FENAJ, junto com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), vai iniciar uma campanha nacional para a imediata aprovação de uma nova lei. Não podemos ficar sem lei que regulamente a imprensa no Brasil”, diz o sindicalista.
Na opinião de Alberto Dines, o projeto de lei de Vilmar Rocha não vai para frente porque o “legislativo hoje só discute a si mesmo”. Ainda segundo o jornalista, “[o PL] não foi tocado adiante porque interessa manter a imprensa sem regulamentação. Agora estamos diante desta situação, que é muito pior. Em alguns casos, o código penal é até mais duro. Não se atentou para o dia a dia ao tomar esta decisão.”
Dines é categórico ao defender a necessidade de uma lei específica. “Meios de comunicação precisam ser regulados. Não podem ficar na mão da livre iniciativa. Agora fomos levados a um pântano por causa do politicamente correto, sob a justificativa de que era preciso acabar com o ‘entulho da ditadura’”, argumenta.
Por isso, o desafio agora é pressionar o Congresso para a aprovação de uma lei e também fazer com que o Conselho de Comunicação Social seja convocado. “O que vai fazer falta é uma disposição de criar instrumentos. Seria preciso convocar novamente o conselho de comunicação social, representativo, e neste âmbito discutir estas questões”, defende Dines.
Sem regulamentação
Já a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) é mais reticente sobre a aprovação de uma nova legislação que regulamente o setor. Para o presidente da associação, Maurício Azêdo, a imprensa não carece de leis específicas. “A ABI segue a mesma linha da decisão do ministro relator da proposta Ayres Britto e considera dispensável a regulação por lei de qualquer aspecto relacionado à imprensa, pois a Constituição Federal deixa claro que a imprensa é livre de qualquer tipo de restrição e não carece de leis infraconstitucionais.”
Azêdo avalia a revogação total da Lei de Imprensa como um avanço muito importante para preservar a liberdade de expressão e de imprensa e também para a constituição do Estado Democrático e de Direito tal como estabelecido na Constituição de 1988. “A lei tinha disposições típicas de uma ditadura e que vai de encontro com os textos constitucionais.”
Quanto aos aspectos mais questionados da revogação, a regulamentação do direito de r
esposta e também das responsabilidades civil e penal dos jornalistas e das empresas de comunicação, a ABI acredita que o assunto é dever da justiça. “Cabe à justiça em consonância com o estabelecido na Constituição Federal julgar os casos de responsabilização civil e penal e também a garantia dos direitos de resposta”, complementa.
Omissão da grande mídia
Para Alberto Dines, a grande imprensa não deu a devida atenção e não promoveu o debate sobre a votação da revogação da lei de imprensa. “A grande imprensa só se manifestou no dia 3 [quando saiu um editorial da Folha de S. Paulo]. Até então, a imprensa toda ficou calada porque sabia que a tendência era o voto simbólico. Na avaliação de Dines, o autor da ADPF agiu de forma a tentar agradar a grande imprensa que queria a revogação completa da lei. “Miro Teixiera foi leviano nesta questão. Ele é um político e sabe que fazer algo simpático à grande imprensa, pois sempre dá votos”, dispara.
* Com colaboração de Henrique Costa
Publicado originalmente no Observatório do Direito à Comunicação – 05.05.2009