Por Marcus Kollbrunner
O novo pacote habitacional do governo Lula, “Minha Casa, Minha Vida”, desperta a esperança de milhões de brasileiros que sonham com a casa própria. Grande parte dos recursos serão destinados as famílias de baixa renda. Infelizmente, para a grande maioria, esse pacote vai se tornar uma nova decepção e, provavelmente, ficará longe de atingir a meta de 1 milhão de novas casas. Consciente disso, Lula não quis estabelecer um prazo para conclusão do projeto.O pacote não resolverá os problemas básicos por detrás do enorme déficit habitacional, já que ele não mexe com os grandes interesses econômicos que tiram proveito desta situação. Ao contrário, quem mais lucrará serão as construtoras e os especuladores imobiliários.
O pacote serve também aos interesses eleitorais do governo. Além de tentar sustentar a economia para evitar uma maior queda do PIB, mas de uma maneira ineficiente, a idéia por trás do pacote é colar a imagem de Dilma Rousseff em a um projeto popular. Até o ano que vem o governo vai poder mostrar uma minoria que conseguiu uma casa própria e manter o sonho vivo, antes da decepção chegar. Pelo menos, essa é a idéia.
Enorme déficit habitacional
Segundo uma pesquisa da Fundação João Pinheiro, faltam 7,9 milhões de moradias no país. Isso significa que um em cada sete domicílios (14,5%), dos 54,6 milhões de domicílios no Brasil. No estado de São Paulo, por exemplo, faltam 1,5 milhões de casas ou apartamentos. Além disso, há 11,2 milhões de casas inadequadas e sem infraestrutura (energia elétrica, água encanada, esgoto, coleta de lixo, etc.). Mais de 90% das famílias que precisam de moradia têm renda mensal de até três salários mínimos (R$ 1.390).
Por outro lado, existem 6 milhões de casas vazias, segundo o IBGE, e inúmeros terrenos inutilizados em áreas urbanas, que só servem para especulação imobiliária.
São grandes interesses econômicos por trás dessa especulação imobiliária e na construção civil em geral. As grandes construtoras, junto com os bancos, são as maiores financiadoras das campanhas eleitorais do PT e PSDB. Por isso os governos são incapazes de tocar na raiz do problema.
A reforma urbana no Brasil anda a passo de tartaruga. Demorou 13 anos antes que os direitos de habitação estabelecidos na constituição de 1988 fossem concretizados no Estatuto das Cidades em 2001. Mas essas ferramentas, como o IPTU progressivo, desapropriação de terrenos e ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), não são utilizadas, a não ser quando movimentos de sem-tetos ocupam terrenos e conseguem mobilizar a população para fazer uma forte pressão social.
Aumenta a exclusão social
Na verdade, a tendência é de uma contínua contrareforma urbana e aumento da exclusão social. Em São Paulo, o prefeito Kassab continua sua política de higienização do centro da cidade. O plano diretor de 2002 já abria para interesses privados via as “Operações Urbanas”. Mas Kassab fez uma revisão recente, bem antes da revisão prevista para 2012, que aumentará a exclusão social, por exemplo, retirando parte das ZEIS do centro. No final de março, foi aprovada a política de “Concessão Urbana”, que na prática, privatiza o planejamento urbano. Interesses privados que recebem o direito de expropriar, demolir e construir novos prédios, para lucrarem com a valorização imobiliária. O projeto “Nova Luz” é o primeiro exemplo disso.
A política de higienização está também presente no Rio de Janeiro. No período dos Jogos Panamericanos a prefeitura implementou uma política de limpeza urbana, algo que deve se repetir na Copa do Mundo de futebol em 2014 e de novo em 2016, caso a cidade sedie os Jogos Olímpicos. A construção do muro para barrar e cercar as favelas é uma outra expressão disso.
Enorme fonte de corrupção
O setor imobiliário é um dos mais corruptos. Sem dúvida, a mistura de R$ 34 bilhões de dinheiro público, construtoras, terrenos, prefeituras etc., só pode levar a uma coisa: corrupção. Isso significa que uma parte dos recursos vão sumir em propinas, superfaturação, etc.
Essa é uma das razões pela qual o pacote habitacional do governo vai fracassar. De acordo com o pacote, serão as construtoras que definirão a construção das novas moradias. O governo federal entra com os recursos, e os governos estaduais e municipais entram com doação de terrenos e redução de impostos (o que significa tirar recursos de outros setores, como saúde, educação, etc.) para as construtoras. As construtoras entram com sua única qualidade, sua infinita sede por lucros.
Os programas anteriores não foram grandes sucessos. Sob o PAR (Programa de Arrendamento Residencial), foram feitas 268 mil casas em 10 anos. No ano eleitoral de 2006, Lula prometeu 600 mil casas populares ao custo de 18,7 bilhões. Até agora, só saíram 116 mil casas por R$ 9,5 bilhões. R$ 82 mil por casa, ao invés dos R$ 31 mil planejados.
A pressão das construtoras já fez o governo aumentar em até 30% o valor máximo das casas custeadas pelo programa para a faixa mais pobre. O valor máximo do imóvel popular ficará R$ 52 mil para apartamentos e R$ 48 mil para casas. Porém, sem mais “incentivos”, é improvável que a meta de 400 mil casas para as famílias na faixa de 0-3 salários mínimos seja alcançada. Para as construtoras é mais lucrativo construir para as faixas que vão de 3 a 10 salários mínimos, onde a margem de lucro é maior.
Os primeiros dados do programa já mostram essa tendência. Nas duas primeiras semanas do programa, até o fim de abril, 268 projetos foram apresentados. No total se trata de 50.648 unidades, com um investimento de R$ 3,6 bilhões (R$ 72 mil por casa). Mas somente 22% eram destinadas a faixa de 0 a 3 salários mínimos, comparado com a meta de 40%. O gasto por casa em média é 38% acima do máximo que a casa para os mais pobres pode custar.
O interesse é de fato muito grande pelo programa, especialmente para os mais pobres, que não conseguem se qualificar para os programas de financiamento já existentes. Em Pernambuco, 45 mil pessoas se inscreveram até 30 de abril, mas a cota é de apenas 18 mil, comparado com o déficit habitacional no estado que é de 400 mil moradias.
A falta de terrenos, e a falta de política para expropriar terrenos dos especuladores, faz com que a perspectiva para as famílias de baixa renda vai ser de construção de novos guetos nas periferias, onde falta infraestrutura e serviços públicos como escolas, postos de saúde, transporte público, etc.
Os gastos finais do programa podem ficar bem acima do programado, mesmo com menos casas construídas. O governo federal, a Caixa Econômica Federal (o FGTS vai arcar com os gastos por um longo tempo). Em cima disso, o gasto para cobrir as inadimplências pelo “Fundo Garantidor”, podem ficar bem acima do previsto, especialmente quando as previsões otimistas do governo sobre o crescimento se mostrarem falsas.
Reforma urbana pra valer
Uma reforma urbana de fato não é possível sem enfrentar os grandes interesses econômicos do setor imobiliário e de construção. A construção de casas populares poderiam ser feitas de uma maneira muito mais barata e eficiente se forem feitas sob a forma de mutirões, ou com construtoras públicas sob o controle dos trabalhadores. Um estudo da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) mostra que se seria possível construir casas populares por R$ 12 mil, se feito em forma de mutirão nacional. Por R$ 72 bilhões seria possível construir 6 milhões de casas.
As grandes construtoras e fornecedoras de materiais de construção devem ser estatizadas. Moradia tem que ser um direito social e não uma mercadoria ou objeto de especulação.
Mas reforma urbana vai muito além da construção de casas. É necessário acabar com a especulação imobiliária, o que iria liberar milhões de casas e muitos terrenos.
Também é necessário um programa de investimentos em infraestrutura: energia elétrica, água, saneamento básico, serviços públicos, escolas, creches, hospitais, transporte público, empregos, etc. As favelas e ocupações urbanas existentes têm que ser regularizadas e urbanizadas. Também é necessário lutar por empregos para todos, e para quem perder seu emprego, que tenha apoio para pagar o aluguel ou as prestações de casa.
Para financiar todo isso é necessário uma inversão das prioridades atuais, começando pelo fim do superávit primário e pagamento da dívida pública. No ano passado a dívida pública consumiu R$ 282 bilhões de reais, ou 30,57% do orçamento, comparado com 0,02% que foi destinado para habitação.
Vivemos em um sistema em que isso não é possível. O que rege no capitalismo é o lucro e não a necessidade da população trabalhadora. Por isso a luta pela reforma urbana também é uma luta contra esse sistema nefasto, e uma luta para uma transformação socialista da sociedade.
Marcus Kollbrunner é militante do PSOL, núcleo Santa Cecília – São Paulo/SP.