Por Aldo Santos
Nestes 121 anos que nos separam da farsa da “abolição” da escravatura no Brasil, os negros carregam dupla herança de exploração e exclusão: enquanto pobres, submetidos à marginalização imposta pelo capitalismo, comum à imensa maioria da população brasileira; enquanto negros, ainda hoje sofrem com as conseqüências do racismo, embora escancarado, não assumido.
A discriminação se dá nos variados setores da sociedade, desde a falta de acesso ao mercado de trabalho (e à salários compatíveis com brancos em mesma função), à educação, bem como e sobretudo à ausência nas instâncias de poder e decisão, quer nos setores políticos, sociais ou religiosos.
Do ponto de vista teológico, a escravidão foi justificada a partir do relato bíblico, (gênesis. 9,18-27), conforme consta do livro (Racismo, Preconceito e Intolerância de Edson Borges, Carlos Alberto Medeiros, Jaques D´Adesky, pág, 15, editora Atual, terceira edição.).”Em decorrência da praga rogada por Noé-Maldito seja Canaã, filho de Cam-, a história registrou diversas leituras preconceituosas daquele mito bíblico, como a que relata que, desde então, a vontade divina repartiu o mundo entre os filhos de Jafé (Europeus), Sem (Semitas) e Cam (africanos)”. ”O pecado original dos negros e a maldição de Cam são temas abordados também pelo professor de literatura brasileira Alfredo Bosi, em um brilhante trabalho intitulado Sob o signo de Cam, no qual analisa os dois mais belos poemas de Castro Alves, Vozes d´África e o navio negreiro, concluindo que esses velhos mitos bíblicos serviram ao novo pensamento mercantil para justificar o tráfico negreiro”. O mesmo livro faz referência a publicação de Edílson Marques da Solva que em seu livro “ negritude e fé, afirma que uma teologia de caráter racista esteve na base de todo o processo de colonização do Brasil”.
A história oficial, sob a ótica dos brancos-colonizadores, impregnou na sociedade por mais de quatro séculos a visão preconceituosa que associa o negro à escravidão, à improdutividade e à inferioridade. No entanto, o resgate histórico das experiências de resistência da raça negra e de outros segmentos da maioria oprimida é uma prática recente e que nos remete a heróis como Zumbi dos Palmares e sua luta de libertação.
O Quilombo de Palmares foi uma ousada aventura libertária que resistiu quase 70 anos às investidas do governo colonial. Lá viveram em torno de 20 mil escravos que lutaram por sua liberdade, organizando um novo modelo de sociedade. A história do Brasil na leitura e perspectiva do negro aponta o marco da verdadeira Consciência Negra como sendo o Dia 20 de Novembro, data em que assassinaram Zumbi dos Palmares, no ano de 1695.
Se a exploração e o massacre marcaram e marcam até hoje a história dos negros no Brasil, também é verdade que a utopia dos quilombos alimenta a fome de liberdade e de identificação desta raça, que ainda hoje,apesar de discriminada e violada em seus direitos básicos e em sua dignidade, resiste com sua cultura e seu poder de resistência a toda e qualquer violência perpetrada pelos atuais senhores da Casa Grande.
Ao contrário de representar uma reparação às atrocidades e desrespeito com a raça negra, (a abolição de 13 de maio de 1888 foi uma saída de mercado. A proibição do tráfico negreiro (lei Eusébio de Queiroz, 1850) foi motiva por pressões externas de países onde o capitalismo já avançava em sua fase industrial, processo este liderado pela Inglaterra. Longe de ser um gesto humanitário da Senhora Isabel, este ato significou a mudança nas relações econômicas e no padrão de consumo. As transformações econômicas, porém não significaram mudanças na qualidade de vida da população negra. Da escravidão abjeta e desumana, o povo negro foi atirado no abandonando passando a perambular em busca de abrigo e alimento, muitas vezes doente e moribundo, sem amparo dos senhores de engenho e do Estado, tanto Monárquico quanto o Estado Positivista “Ordem e Progresso” Republicano.
A importação de escravos transformou-se em contrabando, elevando o preço do escravo e a sua utilização enquanto mão de obra anti-econômica. Assim, paralelamente o governo monárquico brasileiro passou a incentivar a importação de trabalhadores europeus.
Desta forma se dá a transição do trabalho escravo negro para o trabalho “livre”. Por não atenderem mais as necessidades do mercado, milhões de trabalhadores negros se viram abandonados, sem direitos, sem trabalho, sem casa, sem família, destituídos de lugar social.
Como bem expressa o texto produzido pelo Fórum Nacional dos Trabalhadores Negros: “Saímos, então, das mãos dos sinhozinhos e caímos na marginalidade por falta de trabalho remunerado e casa para morar. Este é um dos motivos que neste dia 13 de maio não podemos comemorar a libertação. Pelo contrário, hoje o preconceito racial está mais vivo do que nunca”.
Com a palavra os trabalhadores negros: “Nós negros somos discriminados e marginalizados, nossas crianças são vítimas da violência. Cerca de 70% dos assassinatos de menores no Brasil na faixa de 13 a 17 anos são de negros. A maioria é nascida em favela e pertencem a famílias com uma renda inferior a um salário mínimo “. (Documento da Anistia Internacional).
As mulheres negras estão sendo esterilizadas, sem ao menos ter o direito de escolha… A maior ocorrência tem sido nas regiões Norte e Nordeste… Somos discriminados no local de trabalho. Os jornais trazem anúncio solicitando pessoas de “boa aparência” – racismo velado – para contratação. Na verdade há diferenças salariais. Tem negro que faz o mesmo tipo de trabalho de um branco e recebe salário menor – os brancos representam 57% da força de trabalho e ficam com 72% do rendimento, enquanto os negros e pardos representam 40% da força de trabalho, ficando apenas com 25% do rendimento – Os negros são alvo de preconceito também pela polícia. Basta um negro ficar na rua à noite e não ter registro em carteira para ser considerado marginal – Pesquisa da Datafolha, realizada com 1080 entrevistados, dois dias após a exibição do vídeo pela TV, onde policiais militares de Diadema apareceram torturando e extorquindo civis e dando o tiro que matou o mecânico Mário José Josino, parado durante a blitz na favela Naval, mostrou que os negros são abordados com maior freqüência pela polícia, recebem mais insultos e mais agressões físicas que os brancos ou qualquer outro grupo étnico. Entre os entrevistados da raça negra, quase a metade (48%) já foi revistada alguma vez. Desses, 21% já foram ofendidos verbalmente e 14%. agredidos fisicamente. Enquanto entre os brancos, 34% já passaram por uma revista policial, 17% ouviram ofensas e 6% já foram agredidos, ou seja, menos da metade da incidência com negros.
Contra fatos não há argumento.
O racismo existe e deve ser exterminado da sociedade.
– Contra a discriminação racial no mercado de trabalho;
– Contra a discriminação da mulher;
– Contra a violência policial sobre pobres e negros;
– Pela extinção dos conteúdos discriminatórios e xenófobos nos livros e materiais didáticos;
– Pela inclusão de fato da História da África no currículo escolar;
– Em defesa das políticas de reparações históricas e a instituição das cotas para negros nas faculdades públicas, autarquias e particulares .
– Pelo feriado de Nacional de 20 de novembro.
– Pela implantação da capoeira na grade curricular das escolas públicas municipais e estaduais.
– Pela organização do “Museu da Raça Negra” nas cidades Brasileiras.
– Pela implantação nos municípios de Secretarias de Gênero etnia, para encaminhar as demandas gerais e específicas.
Aldo Santos é ex-vereador de São Bernardo do Campo, membro do Diretório Nacional e presidente do PSOL em São Bernardo do Campo.