Por Pedro Ekman
Insurgente parece ser a característica que melhor representa o povo mexicano. Herdeiros de indignação de Emiliano Zapata e Pancho Villa cravada no tecido social pela revolução mexicana de 1910, os povos indígenas que representam a maioria esmagadora do país fronteiriço do império frequentemente se levantam em duros enfrentamentos contra o governo nacional, ou melhor dizendo, multinacional.
Apesar da rebeldia inata deste povo, o partido conservador PRI (Partido Revolucionário Institucional) governou o México por 70 anos ininterruptos que só tiveram fim em 2000 com a eleição do direitista Vicente Fox do PAN (Partido Acción Nacional). Através das recentes eleições de 2006, o PAN se manteve no poder com Felipe Calderón apesar das denúncias de fraude eleitoral por parte do partido de esquerda PRD (Partido de la Revolución Democrática), que quase elegeu Lópes Obrador presidente da República.
Esse conservadorismo eleitoral é extremamente contrastante com o grande número de organizações e eventos insurgentes do país. A greve da UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México) que durou um ano (1999 – 2000) extrapolou os limites do campus universitário e balançou o país expondo suas contradições.
Outro exemplo vem de Oaxaca, onde centenas de organizações e comunidades indígenas se unificaram na APPO (Asamblea Popular de los Pueblos de Oaxaca) que tomou o controle da cidade em junho de 2006 na chamada “Comuna de Oaxaca”. A APPO surge em resposta a forte repressão do movimento docente regional e em novembro de 2008 organiza 100 mil manifestantes em um protesto na capital mexicana.
São contemporâneos a estes levantes populares uma quantidade considerável de organizações armadas como o PDPR-EPR (Partido Democrático Popular Revolucionário – Ejército Popular Revolucionário) ou o mais conhecido mundialmente EZLN (Ejército Zapatista de Liberación Nacional). Os zapatistas,como são conhecidos os integrantes do EZLN, são indígenas mayas que se levantam em armas em busca da sua autonomia. O movimento zapatista merece atenção especial uma vez que sua história se faz na resistência à implantação do neoliberalismo se instala no território mexicano.
Em 1992 o governo reforma do artigo 27 da Constituição tornando as terras indígenas de propriedade coletiva passíveis de venda ao capital privado, o que na realidade preparava o caminho para o que se estabeleceu 2 anos depois: o Tratado de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA). Em primeiro de janeiro de 1994 – mesmo dia em que entra em vigor o NAFTA – o EZLN assume o controle de San Cristóbal de las Casas e de mais 6 cidades da província de Chiapas. Suas exigências: as mesmas de Zapata – Terra e Liberdade.
A guerra em Chiapas se estende até 1996 onde se firma o Acordo de Paz de San Andrés, no qual o governo se compromete a reconhecer constitucionalmente a autonomia dos povos indígenas. Ao passo que o EZLN se colocava em trajetória pacífica, o governo na contra mão promovia a ação de grupos paramilitares. Em 1997 os paramilitares promovem o massacre de Acteal onde morrem 45 indígenas, dentre eles 25 mulheres e 15 crianças.
Com o fracasso de San Andrés, o zapatistas se lançam em uma campanha de mobilização nacional que reivindicava o cumprimento dos acordos de paz. Em 2001 o movimento atinge seu ápice levando um milhão de pessoas a o centro da capital federal. Intelectuais como José Saramago, Noam Chonsky e Eduardo Galeano saem em apoio do movimento. Entretanto, neste mesmo ano é aprovada uma reforma constitucional elaborada por todos os partidos incluindo o PRD que não garantia a autonomia dos povos indígenas. O EZLN considera traição a conduta parlamentar do PRD e encaminha
330 representações contrárias a reforma na Suprema corte de Justiça, que depois de um ano de letargia jurídica são denegadas.
Perante o esgarçamento das relações institucionais da luta travada pelos povos indígenas, o EZLN rompe relações com o poder político e decide construir pelos próprios meios a autonomia que lhes foi negada constitucionalmente. Alguns erros de movimentação como a aproximação com o grupo armado europeu ETA afastam também a classe intelectual do movimento e com isso os zapatistas passam de um super exposição midiática para sua nova fase de resistência e sobrevivência política. A voz pública do movimento, o sub-comandante Marcos avalia que eles estão agora de maneira muito próxima a como estavam em 1994 onde estavam sós e a mídia não os anunciava, com a diferença de que agora o povo mexicano e o mundo já os conhecem.
Nessa nova fase os zapatistas se concentram na organização e estruturação e interna onde constituíram os caracóis, que são unidades de governança política dos municípios autônomos, os 38 municípios autônomos são organizados em 5 caracóis, os quais possuem, cada um, uma Junta do Bom Governo. Essas juntas são eleitas em assembléia tem um mandato de 10 dias (em média) na intenção de não permitir que se estabeleça uma direção política acomodada nem um coletivo acomodado com determinada direção política. Nestes caracóis atividades locais, regionais, nacionais e até internacionais são realizadas. Em 1996 no caracol de Oventic, nos altos de Chiapas, se realizou o Primeiro Encontro pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo com a participação de aproximadamente 5 mil pessoas de mais de 40 países.
Nesta fase o avanço da luta também muda de tática, as armas se restringem para a defesa de seus territórios e a ampliação da fronteira de autonomia com uma construção política que incursiona todo o país – é a outra campanha. Se chama outra campanha por que acontece concomitantemente as campanhas presidenciais de 2006. Nela o delegado zero Marcos visita diversas comunidades para ouvir os problemas dos povos, avaliar sua disposição de se levantar contra eles, propor que busquem suas próprias formas de organização e criticar o desempenho dos partidos políticos, inclusive do PRD.
Não apenas com os zapatistas, mas também com boa parte dos movimentos sociais mexicanos o viés anarquista que Zapata conferiu a revolução mexicana segue dando o tom do enfrentamento deste povo contro o neoliberalismo. Todavia Marcos observa:
“En realidad, Venezuela y Bolivia nos llaman la atención, y tratamos de seguirlos de cerca, sin explayarnos mucho hasta no saber bien qué onda, se es posible que un político se mueva al mismo tiempo “abajo y arriba”. Nosotros decimos que em México no se puede. No decimos que em otras partes no se puede, estamos esperando a ver qué pasa em Venezuela y Bolivia.”
Para o subcomandante zapatista Fidel Castro e Che Guevara se encontram no mesmo patamar que Emiliano Zapata e Pancho Villa.
“Y quienes pensamos que los grandes processos históricos son obras de pueblos enteros, no de individuos, no podemos negar que as veces aparecen hombres exepcionales. Uno de ellos es Fidel Castro. Otro es el Che.”
Desta forma, ao se posicionar sobre os processos latino americanos Marcos simpatiza com os feitos cubanos e mantém Chavez e Morales em observação. Lula já não tem sequer o benefício da dúvida.
Pedro Ekman é arquiteto e Secretário Geral do Diretório Municipal de São Paulo.