José Arbex Jr.
Enquanto isso, um único banqueiro espertalhão dá um golpe de 50 bilhões de dólares em Nova York; restaurantes em São Paulo cobram milhares de reais por uma garrafa de vinho; as diárias dos hotéis em Dubai, novo paraíso dos “ricos e famosos” superam os 20 mil dólares; um jovem jogador de futebol que, até anteontem, brincava como os amigos nas praias de Santos paga agora, só de multa, a soma de um milhão de dólares, valor considerado normal no circuito bilionário do futebol europeu. Ah, sim, e os astros de Hollywood ganham 20 milhões de dólares para participar da dose cotidiana da indústria da hipnose que torna a vida suportável. E nunca se gastou tanto em armas, drogas e entretenimento – das megaproduções cinematográficas às copas e olimpíadas mundiais.
(Por vezes, o delírio dos atores de Hollywood atinge tal proporção que eles passam a assumir na “vida real” o papel que lhes é reservado na tela. Logo após o ataque dos Estados Unidos ao Iraque, em 2003, o brutalhão Bruce Willys, especializado em interpretar herói de filmes de guerra, chegou a oferecer uma recompensa de um milhão de dólares a quem fornecesse pistas sobre o paradeiro de Sadam Hussein. Pobre idiota!)
A opulência do mundo espetacular é a contrapartida necessária à miséria do mundo “normal”, das pessoas comuns e anônimas que jamais alcançarão seus quinze minutos de fama. É necessário circo, muito circo, mesmo quando não há pão. É o circo que embrutece, hipnotiza, atiça o desejo, mobiliza a libido, prepara o animal para a guerra, naturaliza o absurdo. É normal que a herdeira Paris Hilton gaste milhões em festas, viagens e orgias na companhia de amigas como Britney Spears, tanto quanto é desejável participar desse mundo frenético de brilhos e festas. É razoável que modelos ganhem milhões para exibir o corpo em passarelas. E, por que não, é justo que um piloto ganhe fábulas para cometer a proeza de andar cada vez mais rapidamente para chegar ao mesmo lugar de onde saiu. Resta ao comum dos mortais consumir as fofocas divulgadas por programas e revistas especializadas, projetando em seus ídolos os desejos que não pode realizar aqui fora, no monótono e ridículo mundinho real.
No mundo do circo, o palco colorido e devidamente iluminado – não importa se é o estúdio televisivo ou a página impecavelmente diagramada de um jornal -, com tudo arrumado e colocado em seus devidos lugares, eliminado o caos e a desordem do mundo real, é possível ao apresentador, ao artista, à personalidade, ao especialista proclamar aproximadamente qualquer absurdo, que tudo passa no ritmo frenético do vídeo clipe: das “armas cirúrgicas que não matam seres humanos” ao “vale tudo por dinheiro”, dos “terroristas palestinos”cujo crime é lutar em defesa de sua própria terra ao “tapinha que não dói”, das festas suntuosas às favelas miseráveis tudo é mostrado em sequências planas, “naturais”, como se a vida fosse isso mesmo: um amontoado sucessivo de cenas sujo sentido é dado pelos ícones midiáticos que tudo explicam e nos acalmam.
Os ícones do novo mundo circense midiático ocupam os lugares que antigamente eram propriedade dos deuses do Olimpo. São eles que explicam o mundo, iluminam o que merece aparecer, jogam à obscuridade o dejeto, o lixo, o resto. A cantora Madonna tinha consciência disso quando, ao declarar publicamente o seu desejo pelo então relativamente desconhecido ator espanhol Antônio Banderas, afirmou que, apenas com essa declaração, havia dado a ele um presente que valia milhões de dólares. De fato, ungido pelo olhar da multimilionária máquina Madonna, Banderas foi rapidamente “capturado” pelo Olimpo Hollywood e hoje faz parte da engrenagem. Atrás do sonho, um garoto de 14 anos sai clandestinamente de seu país, na África, passa três dias sem comer nem beber nos porões de um navio animado pelo sonho de chegar ao Brasil e virar estrela de futebol.
Barack Obama é o mais novo pop star. Seu sorriso, a ginga de seu corpo e a sua história de vida enchem de confiança os miseráveis dos Estados Unidos, dos vários continentes e até alguns palestinos em Gaza. Mas há um limite para tudo isso. As engrenagens da barbárie continuam em ação, e o mundo se encaminha para um esgotamento. O circo pode adiar a explosão, mas não resolve a crise. É impossível saber quando se dará o ponto de basta, isto é, o momento em que o processo de desagregação da humanidade atingirá o seu ponto de ruptura. Mas ele acontecerá, inevitavelmente. Não é infinita a quantidade de horror que a humanidade pode suportar.
Fonte: Revista Pangea – http://www.clubemundo.com.br/revistapangea/