Lênin disse nunca haverá uma crise final do capitalismo a menos que surja uma alternativa. É absolutamente verdade. O capitalismo já passou antes por numerosas crises e as resolve, de um jeito ou de outro, com repressão. Mas passará por elas a menos que surja uma alternativa no âmbito nacional e global. Os movimentos dos jovens indignados são importantes, mas precisam dar um salto, que é a criação de novas formações políticas. A análise é de Tariq Ali, em entrevista a Al-Akhbar.
Firas Khatib – Al-Akhbar
O historiador, novelista e ativista Tariq Ali, membro do Conselho Editorial de Sin Permiso, falou com Firas Khatib para a revista al-Akhbar sobre os desafios que enfrentam as Revoltas Árabes, o futuro da política dos EUA no Oriente Médio depois da “retirada de tropas” do Iraque, e a importância da tomada de ruas e praças de cidades no mundo todo pelo atual movimento de dissenso.
As revoltas árabes
Firas Khatib: Você concorda com o argumento de que a mudança no mundo árabe foi incompleta?
Tariq Ali: Estou a favor dos levantes massivos no mundo árabe. Quando recém surgiram os comparei com a Europa de 1848. [Então] houve imensos levantes que estabeleceram o quadro geral dos cem anos seguintes. Mas quando ocorreram estes levantes na Europa houve muitas derrotas e reveses, e penso que é o que provavelmente vamos presenciar e viver. Espero que não seja assim, mas até agora parece que as autoridades recuperarão a situação prometendo umas poucas reformas por aqui e por ali, enquanto mantém em seu lugar o sistema. É o que está acontecendo na Tunísia e no Egito.
Líbia é outra história totalmente diferente, onde intervém o Ocidente, supostamente pelos direitos humanos e para evitar que Bengasi fosse tomada por Kadafi, e termina por combater na guerra, e a OTAN vem bombardeando este país durante mais de seis meses. E os resultados, a meu ver, serão uma bagunça. Argumentei que, quem quer que ganhe na Líbia, o povo líbio vai a perder em virtude do que está acontecendo. A Líbia é importante para eles não pela sua geografia, mas pela sua geologia: contém imensas reservas de petróleo e gás natural e não permitirão que lhes fuja do controle.
FK: Se passaram meses desde a explosão da “Primavera Árabe”. Como avalia a reação de Obama?
TA: A reação inicial dos EUA foi de surpresa e medo. Surpresa porque isso havia acontecido e estava aumentando, e temor de que pudesse derrubar toda a fachada na região com conseqüências imprevistas e imprevisíveis. Na Tunísia, os estadunidenses trataram tardiamente, a través dos franceses, de manter Ben Ali no poder. O governo francês, Sarkozy e seu ministro de Defesa, ofereceram enviar soldados franceses para manter Ben Ali no poder, mas era tarde demais. Ben Ali já ia de avião à Arábia Saudita.
No Egito, trataram de controlar a situação, primeiro com a esperança de manter Mubarak no poder. Logo começaram numerosas negociações nos bastidores e, finalmente, notando que a situação podia ficar fora de controle e possivelmente levar a disputas no exército, os EUA aceitaram que Mubarak devia ir embora, portanto lhe colocaram uma camisa de força e o arrastaram, gritando e lutando, fora da cena política. E depois temos uma situação na qual sacrificaram Mubarak, mas querem ficar, persistir, como fazem no Paquistão, na Tunísia e em outros países onde as forças da morte e os ditadores foram removidos. E permitiram que se estabelecesse uma fachada civil, mas foi muito cuidadosamente negociada e coreografada. Não está dando muito bons resultados, porque o ataque de forças de segurança aos manifestantes cristãos na cidade do Cairo na semana passada mostra até que ponto a situação é frágil.
FK: Por que, depois de uma vitória similar para o povo do Egito, houve tantos reveses?
TA: Os levantes de massas são absolutamente vitais para derrubar um ditador, mas o que se coloca depois no lugar se dá com verdadeiros meios políticos. E a respeito disso, é de grande importância o fato de que estes novos movimentos no mundo árabe não tenham produzido novas formações políticas. Nesse aspecto, o contraste com a América do Sul é muito visível. Na América do Sul, durante todos os anos noventa e no Século XXI, estamos diante de uma combinação de massivos movimentos sociais, que produzem novas formas de organizações políticas. Essas organizações participaram de eleições e chegaram ao poder democrática e eleitoralmente e depois implementaram reformas estruturais, desafiando o controle do capitalismo neoliberal. Não ao capitalismo em seu conjunto, mas esta forma particular de capitalismo. Sem novas formas de organizações políticas, as estruturas políticas existentes como a Irmandade Muçulmana, especialmente no Egito, têm uma imensa vantagem.
FK: Qual é o futuro da relação entre o exército egípcio e os EUA?
TA: Isso depende em boa parte do que aconteça durante o próximo ano. Assim que houver um governo civil eleito no Egito, seja qual for, modifica a relação de forças [em jogo] no sentido de produzir um governo que tenha uma legitimidade que os militares não têm. Mas penso que o poder dos militares egípcios diminui, e o sistema que tentam instalar no Egito será como no Paquistão e na Indonésia, onde os militares eram a principal força que trabalhava com os EUA. Durante a última década, os EUA deixaram de utilizar os militares nesses países porque consideram que fazê-lo é contraproducente e estiveram trabalhando com outras formas de regimes. Penso que é o que provavelmente acontecerá no Egito, de modo que existem muitas negociações.
FK: Por que continuam sendo tão controversos os eventos no levante sírio, apesar da quantidade de mortos?
TA: Há uma série de motivos pelos quais o mundo árabe está dividido com respeito à Síria. A primeira razão é que a Síria se considera como o único regime da região que mantinha um certo grau de independência e mostrou firmeza com respeito a certos temas. Seja exato ou não, penso que é mais complicado que [isso]. O regime de Assad foi um regime muito oportunista. Como sabemos, participou na primeira Guerra do Golfo. Onde ficou então o chamado anti-imperialismo? Por outra parte, é um regime que respaldou definitivamente o Hezbolláh no Líbano e as forças que combatiam efetivamente Israel, o que produz outra contradição. Em terceiro lugar, é um regime que mantém sua hostilidade com o imperialismo. Isso cria confusão.
O quarto motivo é, a meu ver, que o bombardeio da Líbia pela OTAN durante seis ou sete meses fez com que muita gente no mundo árabe esteja extremamente sensível ao tema da intervenção imperialista, e não quer ver isso na Síria. E muitos na oposição síria disseram que também não querem vê-lo. De modo que uma combinação destes fatores significa que a atitude em relação à Síria seja confusa. Não confusa para mim, quero deixar claro. Penso que o regime de Assad é uma ditadura familiar imposta aos sírios, primeiro sob Hafez Assad, chegado ao poder mediante um brutal golpe contra a ala civil do partido Baaz, dirigida por algumas pessoas excelentes que foram eliminadas na Síria, tal como havia feito Sadam no Iraque.
Eliminaram, pressionaram, exilaram e prenderam muita gente. Assim chegaram ao poder, e desde então vem manobrando efetivamente na Síria e na região para manter-se nele; e agora se negam a aceitar o fato de que seu tempo acabou. É absolutamente surpreendente que Assad Junior não tenha conseguido impor as reformas na Síria, quando vê o que vem por aí. Viu o que aconteceu na Tunísia e no Egito e sente que de alguma maneira pode se aferrar ao poder. Penso que seus dias passaram e que mais cedo ou mais tarde cairá.
Outro ponto que vale a pena considerar agora é que a Arábia Saudita decidiu que essencialmente quer um governo sunita na Síria, que seja seu aliado e que possa controlar. Portanto, sua atitude em relação à Síria girou 180 graus. Estava disposta a tolerar [o regime de Assad]. Estava disposta a tratar com ele, especialmente depois da retirada do Líbano, que foi considerada como uma grande vitória pelos sauditas. Mas agora a tiveram, e a grande pressão sobre os sírios provém do eixo saudita na região. [Os sauditas] querem se livrar deles, o que é outro motivo para sua hostilidade com o Irã, que respalda o regime de Assad. É um quadro confuso, mas não devemos esquecer que o povo da Síria disse basta: não queremos vocês, vão em paz, mas as mortes e as matanças que ocorrem na Síria chegaram agora a um nível que faz com que a partida em paz seja difícil.
FK: Como vê uma Síria pós-Assad? Que papéis cumprem os EUA e Israel no que acontece na Síria?
TA: Penso que os israelenses não querem mudança. Certamente os israelenses não querem que o regime de Assad seja derrubado, porque tratam com ele de vez em quando e não sabem quem poderia vir depois. O grande temor dos israelenses são os governos democráticos, porque uma vez que se tem um governo democrático na região, mesmo quando não sejam grandes em muitos sentidos, são governos por defeito. Não obstante, têm que responder em parte ao humor de sua base, e a base árabe, as ruas árabes, são hostis ao que os israelenses vêm fazendo na região há três décadas. Não gostam, de forma que haverá muita pressão. Os israelenses preferem tratar com déspotas porque podem chegar a acordos com déspotas, e não há nenhum sinal de que queiram destituir o regime de Assad.
FK: A reação ambígua das potências ocidentais com a Primavera Árabe é resultado de seu “temor” à Irmandade Muçulmana?
TA: Por que a Irmandade Muçulmana seria uma ameaça para eles? É uma força socialmente conservadora, mas o Ocidente adora trabalhar com forças conservadoras no mundo todo. Por que iria mudar isso? Só porque acontece que são muçulmanos? Minha própria política é que não os apoio, mas se as pessoas querem levar eles ao poder tal como elege a democracia cristã na Alemanha, Itália ou em qualquer outra parte. Por que detê-los? Não se trata essencialmente de hostilidade para com a Irmandade Muçulmana, é essencialmente hostilidade para com a democracia no mundo árabe. Se as pessoas os temem, a única maneira é deixar que os eleja e as pessoas poderão julgá-los; é o caminho para frente, e deve ser o caminho para frente. Mas o ataque à Irmandade é essencialmente um ataque à idéia de que o povo árabe é suficientemente maduro para escolher seus próprios governos. E isso tem muito a ver com a importância estratégica da região. Onde quer que tenha petróleo, o Ocidente sempre preferiu trabalhar com déspotas que com governos democráticos.
Irã, EUA e Israel
FK: Qual foi sua reação ao suposto complô iraniano para matar o embaixador saudita nos EUA?
TA: Penso que é tão incrível que não é possível que seja verdade. É basicamente uma tentativa de ajudar os sauditas da região, porque se fala de muita turbulência nas áreas xiitas da Arábia Saudita. Em virtude do papel que jogaram em Bahrein, estão nervosos. E penso que a afirmação das agências norte-americanas de inteligência tem o propósito de ajudar os sauditas. Agora resulta que o sujeito supostamente acusado do complô está louco, e por demenciais que possam ser os iranianos, não chegam a esse ponto. Minha primeira reação é que foi um assunto fabricado.
FK: Qual é a política planejada dos EUA com relação ao Irã? Busca sanções, guerra, um ataque militar limitado ou diplomacia?
TA: Há algum tempo a minha opinião sobre a política dos EUA com relação ao Irã tem sido que convém só aos interesses norte-americanos desestabilizar o Irã. É pouco provável que a sua tentativa de realizar bombardeios ou de impor duras sanções com a aprovação da Rússia e da China tenha êxito. Qualquer pressão para realizar um ataque militar ao Irã enfrentará a resistência dos generais norte-americanos e do Pentágono por una série de razões: uma é a sobre-extensão de suas forças armadas; em segundo lugar, o perigo de que, se atacar o Irã, os iranianos possam responder no Iraque, no Líbano ou no Afeganistão.
Nos deixamos levar pelo que os EUA fazem frente o Irã e tendemos esquecer que no Iraque e no Afeganistão o regime clerical iraniano respaldou essencialmente as guerras e a ocupação do Iraque pelos EUA. Apoiou a ocupação do Afeganistão pela OTAN, que é muito importante para os EUA.
Portanto, o fato de que se atire aos montes contra o Irã fará com que se corra o risco de desestabilizar a ocupação nesses dois países e é pouco provável que o faça. A pressão de fazer algo no Irã provém de una fonte: Israel. E o motivo é o temor de que se rompa o monopólio nuclear israelense na região. Não há outra razão.
FK: Em vista da complicada situação mencionada, acha que existe uma possibilidade de que Israel empreenda uma ação concreta contra o Irã?
TA: Os israelenses não podem atacar sem aprovação dos EUA, o que é impossível porque o caos resultante poderia derrubar o regime saudita.
Se o Irã é atacado com meios militares pelos israelenses, haverá caos no Oriente Médio e em diferentes partes do mundo. Não será algo popular. E então a grande pergunta será: o que fará a oposição na Arábia Saudita? Não é uma oposição bem organizada, mas sabemos que existe. E é um problema sério para os EUA, porque se existe uma coisa inaceitável para eles no Oriente Médio é que aconteça algo com o regime saudita, o qual respalda solidamente.
Todo o palavreado sobre democracia, direitos humanos e liberdade, se esquece quando se trata da Arábia Saudita. É uma posição muito clara dos EUA. Portanto, seria muito contraproducente permitir uma incursão israelense contra o Irã. Mas às vezes os políticos fazem coisas irracionais e demenciais.
Iraque, Afeganistão e Palestina
FK: Washington prometeu se retirar do Iraque no final deste ano. O que significará no atual contexto político do Oriente Médio?
TA: Esperemos para ver se tem lugar a retirada. As imensas bases militares que já construíram no Iraque e que atualmente constroem no Afeganistão não me indicam uma retirada rápida. Essa retirada é, sobretudo, um show como o que aconteceu quando os britânicos ocuparam
o Iraque. Retiraram-se a bases militares das que não foram expulsos até a revolução de 1958.
Os norte-americanos estão copiando, neste caso, o modelo britânico: imensas bases militares, como cidades norte-americanas, construídas em seis lugares diferentes no Iraque, nas quais vão manter 15.000, 20.000 ou 30.000. De modo que é muito prematuro falar em retirada. E se
o regime iraquiano pede que todos os soldados norte-americanos fossem embora, haverá um momento interessante na política do Oriente Médio. Esperemos para ver o que acontece.
FK: A situação vai se complicar no Afeganistão e, inclusive, os EUA não oferece nada de novo. Isso debilitaria Obama ou os EUA?
TA: Já fez. Obama fez sua grande glória na política exterior; a diferença com o Bush é que o Bush não enviou suficientes tropas para ganhar a guerra no Afeganistão e que o Obama ia enviar mais tropas. E as enviou e fracassaram. A ocupação norte-americana do Afeganistão levou essencialmente à criação de uma resistência que não está formada simplesmente pelos velhos talibãs, que continuam presentes, mas há muitos elementos novos. Converteu-se, como venho argumentando, em uma resistência pastuna, com uma direção política que é talibã e de novos talibãs e não sabemos mais o que.
Mas uma coisa na qual estão de acordo esses grupos é que não negociarão com Karzai enquanto existam tropas estrangeiras no país. Porém, nos bastidores houve negociações com a resistência. E os norte-americanos lhes imploram para que venham e se unam ao governo nacional e eles dizem que o farão, mas não enquanto existam tropas estrangeiras no solo afegão.
Os norte-americanos e os da OTAN vivem numa bolha, inclusive eles só podem visitar algumas partes do país se pagam imensas somas de dinheiro aos insurgentes, tal como costumavam fazer os russos.
Fracassou então e fracassará de novo. Não sei se ainda é possível, mas há cinco anos argumentei que a única forma seria que eles fossem embora e dessem aos países da região a autoridade para estabelecer seus governos nacionais. Mas o Ocidente não opera dessa forma.
FK: Por quais motivos você pensa que Obama se opôs à recente solicitação palestina de reconhecimento como Estado depois de declarar, há alguns meses, que reconheceria um Estado palestino dentro das fronteiras de 1967?
TA: Obama não é diferente de qualquer outro presidente dos EUA. Em um determinado momento Bush inclusive tomou iniciativas mais fortes no caso de um Estado palestino. E Bush pai foi ainda mais decidido na questão de um Estado palestino. Até mesmo o Clinton falou de um Estado palestino independente. Mas, na maioria dos casos, queriam que se tratasse de um Estado palestino independente que fosse aceitável para os israelenses, e os israelenses inclusive se negaram a permitir uma independência palestina nominal. Tudo o que estava sendo pedido às Nações Unidas era que reconhecessem o atual status quo como Estado palestino independente. E sequer puderam aceitar isso.
Chutaram os palestinos no rosto, e é o que a OLP obtém por ter capitulado total e completamente diante do Ocidente depois dos acordos de Oslo. É a tragédia: que os deixaram na paralisia e não sabem o que fazer. Em todo caso, não cabe a menor dúvida de que o Conselho de Segurança não o aceitaria porque os europeus e os norte-americanos não farão nada que os israelenses não queiram. E a declaração de Abu Mazen [Mahmud Abbas] foi patética. Nunca tinha visto um dirigente palestino tão horrivelmente patético. Sua declaração foi: “Isto revela que os EUA não é imparcial”. Quando foi imparcial, equilibrado, racional os EUA, ou apoiou ambas as partes?
Dissenso global e justiça social
FK: Há um movimento para ocupar Wall Street que exige justiça social. Qual é a relação dos movimentos esquerdistas com o que está acontecendo, e quanta esperança causa a pressão pelas mudanças?
TA: Penso que a atual geração no mundo todo, não só no mundo árabe, mas na América do Sul e agora no Ocidente, que cresce sob a tutela da crise capitalista, está saturada. Está saturada porque vive em países sem nenhuma oposição séria dos partidos políticos. A situação aumenta agora no Ocidente, onde a forma de capitalismo que prevalece estrangula a democracia e a responsabilidade democrática. E por isso não tem oposição na Grã Bretanha. Não tem oposição nos EUA. Não tem oposição na França, Espanha ou Grécia. E são os partidos de centro esquerda na Espanha e na Grécia que estão impondo políticas hostis como as que o Novo Trabalhismo estava preparando para impor antes que o substituísse uma coalizão na Grã Bretanha. E as políticas de Obama e Bush, políticas econômicas e políticas exteriores, mostram a continuidade da elite imperial, nada de novo.
Nesta situação na qual padecemos de uma imensa crise e na qual os governos atuais continuam como se nada acontecesse, os jovens sentem que ninguém vai ajudá-los a menos que façam algo eles mesmos. Por isso estão fazendo o que sabem fazer: marchar, manifestar-se e ocupar. É um primeiro passo muito importante, que mostra uma mudança na consciência política. Mas desse ponto se requer um salto, que é a criação de novas formações políticas. Não digo que seja fácil, mas ao menos que aconteça, esses movimentos crescerão e cairão, sem poder atingir o que querem.
FK: Você vê uma probabilidade de se criarem novas formações políticas no Ocidente?
TA: Penso que necessitará outros 20 anos. Embora pense que as pessoas aprenderam com as suas próprias experiências. As pessoas aprendem com a experiência; assim foi no Egito, sua experiência lhes ensinou que é uma situação de viver ou morrer: estamos dispostos a morrer, mas nos livraremos de Mubarak. Quando cheguem nessa etapa nos EUA e partes da Europa, vão ver diferentes perspectivas e diferentes resultados, mas não aconteceu até agora. O sistema já conseguiu se recuperar antes de protestos, e pode voltar a fazê-lo. Não se sente seriamente ameaçado por eles. O que não significa que não sejam importantes. São muito importantes, mas tem que ser visto em longo prazo.
FK: A ocupação de Wall Street e as manifestações em toda a Europa levarão a uma nova era econômica para além do capitalismo?
TA: Lênin disse muitas coisas que as pessoas tinham esquecido, uma delas é muito importante. Disse que nunca haverá uma crise final do capitalismo a menos que surja uma alternativa. E penso que é absolutamente verdade. O capitalismo já passou antes por numerosas crises e as resolve, bem, mal, com repressão. Mas passará por elas a menos que surja uma alternativa no âmbito nacional e global. É um fato deplorável da história. Não se pode evitar esse fato, porque o sistema tem o poder. Não vê estas coisas como um desafio. Esses levantes e ocupações são extremamente importantes, e os apóio totalmente; mas sozinhos não bastam. Penso que a gente tem a responsabilidade de assinalar. Não bastam. O que mostram é muita intranqüilidade no mundo. Mostram uma nova geração que viu para além das mentiras do neoliberalismo ou da privatização, da cobiça capitalista.
Viram para além de tudo isso e, de alguma maneira, Marx é repentinamente popular, porque é a pessoa que analisou melhor o capitalismo. Inclusive seus inimigos o admitem. Têm que voltar a Marx para ver como funciona o sistema. É muito bom que as pessoas estejam lendo de novo, as pessoas começam a pensar de novo, porém, em última instância, as palavras de Lênin não se equivocam. Até que as pessoas vejam um sistema alternativo [o sistema prevalecente] sempre vencerá.
FK: Como se pode descrever o que presenciamos atualmente no mundo?
TA: Penso que agora vivemos em uma transição psicológica, política, social e cultural. Mas não é uma transição que possa se completar a menos que apareça algo novo. A noção que o capitalismo neoliberal propagou pelo mundo todo diz: pede emprestado, compra, assiste pornografia, faz o que te dê vontade, seja feliz… No entanto, todas as cifras mostram que durante os últimos 20 ou 30 anos, a doença que infecta ao máximo as pessoas no coração do capitalismo é a depressão mental. De fato, o capitalismo produz uma profunda insegurança e infelicidade, que se apresenta como depressão. Está demonstrado com estatísticas. Chega ao mais profundo desta sociedade, de modo que não resta dúvida na minha mente de que estas sociedades são corruptas e malignas, mas isso não significa que vão se desmoronar.
O século XXI vai ser, espero, um século de transição, de algo que sabemos que não funciona para algo que poderia funcionar. Não podemos predizer com segurança agora mesmo o que será, porque não há certeza neste mundo. No entanto, não penso que tenha se dado a resposta final a estas perguntas.
FK: Em vista das mudanças que vemos no mundo árabe e na economia global, os EUA estão declinando?
TA: Não. Devo ser muito franco. Temos uma frase na nossa língua no Paquistão “cozinhar um arroz imaginário”. Podemos cozinhar muitos pratos lindos em nossa imaginação, mas a realidade é que os EUA sofreram piores reveses que este em sua história imperial, e não tem rival. Ironicamente, a ocupação do Iraque pode ter convertido o Irã em protagonista central nesta região. É uma conseqüência direta da ocupação norte-americana do Iraque, e o fato de que respaldaram os partidos clericais xiitas que são muito leais ao Teerã, ou próximos ao Teerã, quando não 100% leais.
Portanto, isso significou que a relação entre o governo iraquiano sob a ocupação e os iranianos é muito próxima, e é um resultado direto da intervenção dos EUA.
Pois bem, se os norte-americanos fossem totalmente racionais, o que teria acontecido é o que aconteceu com a viagem de Nixon a Pequim. Obama deveria ter voado a Teerã e ter chegado a um acordo, os iranianos estavam dispostos. Dariam-lhe as boas vindas, mas ele não fez. E o motivo é a oposição e resistência israelense. Houve forças inteligentes no governo norte-americano que disseram que podiam chegar a um acordo, mas o peso de Israel na elite governante dos EUA é muito forte, e não puderam respaldá-lo abertamente.
O Congresso e o Senado deram um cheque em branco a Israel depois do 11-S: “É nosso principal e único amigo”, de modo que se fez difícil dar esse passo, mas teria sido possível se fossem pressionados. Penso que é prematuro falar em uma retirada norte-americana ou de uma derrota norte-americana. Penso que sofreram alguns reveses, mas que se recuperarão muito rápido. São um poder imperial com uma enorme força militar, o que vimos quando a utilizaram na Líbia. Seis meses de bombardeio, quanta gente morreu? Ninguém nos diz. As cifras que alguns disseram são entre 50.000 e 60.000, alguns disseram 30.000. Mas é uma cifra imensa, supostamente a fim de impedir um massacre, chegaram e massacraram dezenas de milhares de pessoas. É uma realidade, mas também uma demonstração de poder real: Isto é o que podemos fazer do ar, inclusive sem tropas no terreno. É um tiro de advertência para toda a região de que seguimos estando aqui e não iremos embora.
(*) Tariq Ali é membro do conselho editorial de SIN PERMISO. Seu último
livro publicado é The Duel: Pakistan on the Flight Path of American Power [existe tradução espanhola na Alianza Editorial, Madrid, 2008: Pakistán en el punto de mira de Estados Unidos: el duelo].
Tradução para www.rebelión.org: Germán Layens
Tradução para Carta Maior: Libório Júnior