Pronunciamento do deputado federal Ivan Valente feito no Plenário da Câmara dos Deputados em 9/6/2011
“Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados,
Gostaria de tratar de um assunto que, se tormarmos como base os seis primeiros meses do governo Dilma, já pode ser definido como uma política estrutural da sua administração: as privatizações. Não que a busca pela confiança do mercado não tenha colocado esta prática como recorrente nos 8 anos do governo Lula. Mas não há qualquer equívoco em afirmar que a nova gestão, sem vergonha do que sustentou há pouco tempo na campanha eleitoral, quando afirmou que era preciso manter setores estratégicos do Brasil nas mãos do Estado, é privatista. E talvez um grande símbolo desta política seja a adesão de Jorge Gerdau Johanpeter, um dos maiores empresários brasileiros beneficiários das privatizações dos anos 1990, ao governo, com função definida no Palácio.
O anúncio mais recente foi o da privatização dos aeroportos mais rentáveis do país. Para tentar silenciar o barulho da oposição e a pressão da imprensa no caso Palocci, a Presidenta Dilma antecipou aquilo que é considerada uma “agenda positiva” para esses setores. Assim, o governo disputou, sem sucesso no final das contas, espaço no noticiário com os fatos e denúncias ligados ao enriquecimento do ex-Chefe da Casa Civil.
A entrega à exploração de empresas privadas dos aeroportos de Cumbica e Viracopos, em São Paulo, e de Brasília foi justificada pelo aumento da demanda e da Copa do Mundo de 2014. Os editais de privatização devem estar prontos até dezembro, para que os leilões ocorram no início de 2012. O governo deve privatizar ainda outros dois grandes aeorportos: Confins, em Minas Gerais, e Galeão, no Rio de Janeiro.
A Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), que atualmente administra os aeroportos, poderá entrar de sócia dos consórcios que vão dispur os leilões. A estatal teria até 49% das ações e direito de opinar em decisões estratégicas sobre os aeroportos. Ou seja, o poder de decisão de fato – assim como os lucros – ficará com o setor privado, que, aliás, só está interessado nos aeroportos de grande potencial lucrativo, entregues pela Presidenta Dilma como quem presenteia alguém com a galinha dos ovos de ouro. E nada se fala sobre os aeroportos deficitários…
A privatização dos aeroportos foi enaltecida inclusive pelo novo Diretor da INFRAERO, que chegou à empresa pública prometendo abrir seu capital e demitir mais de 1.200 funcionários. Não à toa, a Federação Nacional dos Trabalhadores em Aviação Civil manifestou muita preocupação com a questão. E o Sindicato Nacional dos Aeroportuários realiza esta semana uma série de assembléias com os trabalhadores dos três primeiros aeroportos que serão privatizados. Há meses os trabalhadores pedem uma agenda com a Presidência da República e os ministérios relacionados à aviação, mas até agora não obtiveram resposta do governo. Falta planejamento, transparência e diálogo. A Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República já sentou para conversar com as empresas privadas, mas ainda não conseguiu encontrar tempo para ouvir os trabalhadores.
O discurso adotado pelo governo no anúncio da medida no final de maio foi o de sempre: faltam tempo e recursos para fazer os investimentos necessários no setor. Duas falácias. O problema do tempo não será resolvido com a privatização, como já comprovou um detalhado estudo do IPEA lançado recentemente, mesmo com a temerária flexibilização do sistema de licitações.
Já em relação aos recursos, os custos necessários para modernizar os aeroportos variam de R$8 a R$30 bilhões ao longo de vários anos. Na prática, o governo teria que desembolsar algo em torno de R$3 bilhões por ano para dar conta das demandas atuais e da Copa de 2014. O valor é ridículo se comparado ao que o governo segue gastando com o pagamento de juros da dívida pública aos banqueiros. Somente em março passado, foram R$21 bilhões para o setor financeiro – R$ 1 bilhão por dia útil!
Fica claro, portanto, senhor Presidente, que estamos falando de prioridades, e de uma política estruturante no governo Dilma, que se multiplica em diferentes áreas.
Através do Decreto 7483/11, o governo federal também aprovou no último mês o Estatuto Social da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Em seu artigo 4o, o estatuto estabelece que “a ECT poderá firmar parcerias comerciais que agreguem valor à sua marca e proporcionem maior eficiência de sua infraestrutura, especialmente de sua rede de atendimento.” Ou seja, o decreto abre espaço para firmar parcerias privadas caso haja greves na ECT, criando uma ramificação para que os Correios sejam privatizados.
Na última semana, esta Casa também aprovou a Medida Provisória 520/2010, enviada pelo governo, que cria a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), para administrar hospitais universitários federais e regularizar a contratação de pessoal desses órgãos – atualmente feito por fundações de apoio às universidades. A bancada do PSOL se posicionou contra a empresa, que de estatal não tem nada. É mais uma forma de privatização da saúde. Por isso, apresentamos uma ADIN no Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade da criação da Ebserh. Vale lembrar, senhoras e senhores deputados, que o Tribunal de Contas da União determinou, em 2006, que o governo federal realizasse até 2010 concursos públicos para prover de pessoal qualificado esses hospitais. Mas é possível que também tenha faltado dinheiro…
Por fim, cito a entrega ao setor privado que está acontecendo com a política de acesso à banda larga criada pelo governo federal. O Partido dos Trabalhadores, que tanto criticou a privazação das telecomunicações por Fernando Henrique Cardoso, hoje cita este modelo como exemplo para justificar a transferência da responsabilidade de garantir aos brasileiros o acesso à internet ao setor privado. É este modelo, de concentração, tarifas altíssimas, péssima qualidade do serviço prestado, reclamações infinitas dos usuários e uma lista sem fim de ilegalidades praticadas, que agora o Ministério das Comunicações quer reproduzir para a internet.
O papel da Telebrás como gerente das redes públicas de telecomunicações foi por água abaixo – com direito à demissão da presidência de Rogério Santanna, que sempre defendeu uma Telebras forte e competitiva – e os R$9 bilhões do FUST só não foram privatizados e dados de bandeja para as teles porque o Ministério da Fazenda não gostou e mandou segurar os recursos para fazer superávit primário.
Enfim, os exemplos são inúmeros e atingem diretamente setores estratégicos e direitos fundamentias dos cidadãos e cidadãs brasileiras. Iludem-se aqueles que tentam tapar o sol com a peneira. A farra das privatizações está de volta, com uma nova maquiagem, mas com a mesma essência: abrir mão do patrimônio público brasileiro para agradar ao mercado, adoçar as notícias na imprensa e enriquecer os aliados políticos. Qualquer limite neste sentido ainda está para ser conhecido.
Muito obrigado.”
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP