Paulo Passarinho
A crise de 2008 – com suas hipotecas imobiliárias e falência em cadeia de bancos, seguradoras e marcas tradicionais – colocou o sistema financeiro na berlinda. Nunca antes, tantas informações, denúncias e fatos abalaram de forma tão grave o prestígio, a imagem e credibilidade de uma das atividades que, no mundo do capital, mais cultiva a discrição e a sobriedade.
Escândalos como os esquemas financeiros de Bernard Madoff, semelhante à pirâmides, inteiramente à margem da legalidade, e em meio à apologia dos ditos controles prudenciais de mercados “auto-regulados”, desmoralizou simultaneamente a tradicional imagem de sisudez de banqueiros, e as instituições de avaliação e de fiscalização e controle do setor.
Veio tudo, em um primeiro momento, abaixo. O impoluto e austero comportamento que um financista tanto preza foi varrido por uma espécie de tsunami. Os G’s 7,8, ou 20, em suas reuniões de urgência para o tratamento da crise, passaram a incluir como prioridade o debate sobre mecanismos de regulação para o setor financeiro. O desafio – formal – de todos seria discutir como controlar, frear e impedir os mecanismos da espiral especulativa de capitais virtuais, em busca permanente de formas de valorização fictícias.
O que ocorreu, contudo, de lá para cá foi apenas o aumento da especulação. Depois da forte queda dos mercados, as terapias adotadas nos Estados Unidos realimentaram com rapidez os mesmos circuitos financeiros responsáveis em sua origem pela crise. O blá-blá-blá da regulação foi substituído por pesada ajuda financeira às empresas, juros zeros ou próximos disso, redução de impostos e uma política monetária francamente expansionista.
Para muitos, esse era o caminho inevitável. Melhor que a opção dos europeus, em aplicar de forma ortodoxa o velho remédio do arrocho fiscal, com corte de gastos, demissões e ataque aos direitos sociais. Entretanto, a resposta dos Estados Unidos à crise, ao manter intocado os intrincados e complexos vasos comunicantes dos mais variados circuitos financeiros especulativos, inundou o mercado internacional de dólares e realimentou como nunca a especulação. As pesadas injeções de liquidez, que as compras de títulos americanos pelo Banco Central de lá tem provocado, aumentou a capacidade dos financistas em produzir novos negócios. A rápida recuperação das bolsas, a explosão dos preços das commodities, a valorização das moedas dos países da periferia são desdobramentos inevitáveis da expansão monetária, combinada com a desregulação financeira e cambial, tão ao gosto dos mercados.
A Europa, em meio a essa conjuntura, sofre os perversos efeitos de sua área de unidade monetária, a zona do euro, em meio aos seus diferentes países e suas heterogêneas especificidades fiscais e diferentes condições de produção e competitividade. As dívidas, assim como nos Estados Unidos, vão sendo socializadas, via Estados nacionais, mas a conta vai também sendo transferida aos elos mais fracos da comunidade européia. Destacando a exceção da pequena, gélida e corajosa Islândia, que repudiou o garrote vil dos financistas, Irlanda, Grécia e Portugal já tiveram de se render aos pacotes de ajuda aos seus credores, em troca de cortes drásticos em seus respectivos orçamentos, desemprego e perda de direitos sociais.
Mas, a paranóia é grande. A crise pode de fato se estender à Espanha, com seus alavancados bancos, e a própria Itália poderia para muitos analistas ser também arrastada para o olho do furacão. É dentro desse quadro que se tornou premente uma nova ajuda aos credores gregos. O pacote de €$ 110 bilhões, imposto aos trabalhadores gregos por um governo rendido às pressões de alemães e franceses, no ano passado, parece ter sido insuficiente. Para afastar o risco de uma inevitável moratória da Grécia, mais 60 bilhões de euros são novamente articulados para saciar o apetite dos credores de Atenas.
Mas, justo nesse momento, um episódio fora do contexto e das boas tradições cultivadas pelos homens das finanças surpreendeu. O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Khan, dentro de um avião, onde embarcava para a Paris, tendo como objetivo um encontro, no dia seguinte, com a chanceler alemã Angela Merkel, é simplesmente preso, sob acusação de assédio sexual e tentativa de estupro a uma camareira de hotel.
Afora o ridículo da situação, o episódio, mais uma vez, demonstra a hipocrisia do falso moralismo e da pseudo seriedade da turma da grana fácil da especulação. Assim como as badaladas agências de risco dos anos noventa, consultorias especializadas no negócio das privatizações ou austeros auditores e seus maquiados balanços, agora são elementares princípios de comportamento que deixam nua – em todos os sentidos – a desfaçatez da prática cotidiana dos farsantes.
Aqui no Brasil, por sua vez, o indefectível Antônio Palocci, aquele mesmo que há pouco conseguiu escapar de um indiciamento criminal, pela suspeita de ter sido o mandante da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo, voltou a ficar na berlinda. O ex-ministro da Fazenda de Lula, e atual chefe da Casa Civil de Dilma, foi denunciado por ter tido uma evolução do seu patrimônio, entre 2006 e 2010, aparentemente incompatível com os seus rendimentos. Em apenas dois imóveis, por exemplo, o ministro investiu R$ 7,4 milhões. E no período citado, suas declarações de imposto de renda mostram um crescimento de 20 vezes do seu patrimônio.
Apesar de, entre 2007 e 2010, Palocci estar exercendo mandato de deputado federal, ele, através de nota de sua assessoria, esclareceu que seus recursos financeiros foram obtidos através dos serviços de uma empresa de consultoria. Mais ainda: lembrou que não há nada demais nisso. Mais de 273 deputados federais e senadores também combinam a sua atividade parlamentar com negócios empresariais. E lembrou outros nomes de prestígio junto à banca, com relevantes serviços prestados à especulação, quando ocupantes de cargos públicos, e que vivem justamente da venda de seus especialíssimos serviços, muito valorizados pelo mercado. Nomes como Malan, Maílson, Arida e André Lara Resende…
Mais claro é impossível, vocês não acham?
Paulo Passarinho é economista