O PSOL apresentou nesta quinta-feira, dia 30, voto em separado na Comissão Parlamentar de Inquérito das Escutas Clandestinas. O deputado Chico Alencar, membro da CPI, destacou que o indiciamento, por parte do relator Nelson Pellegrino, do sargento da Aeronáutica Idalberto Martins de Araújo é de causar estranheza. Por outro lado, Pellegrino não indicia o banqueiro Daniel Dantas.
Chico Alencar destacou que dentre os encaminhamentos feitos por Pellegrino ao Ministério Público prevalece a citação da existência de fortes indícios e realização de escutas telefônicas ilegais por parte da empresa Kroll, contratada pelo Grupo Oportunity, controlado por Daniel Dantas. Entretanto, Dantas não aparece como indiciado no parecer final da CPI. Conforme o relator, não foram indiciadas pessoas que já haviam sido anteriormente indiciadas pelo Ministério Público, situação em que se encontram o multi-empresário Daniel Dantas, por crime de corrupção, e o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, por suspeita de quebra de sigilo funcional.
Chico Alencar questiona o indiciamento do sargento da Aeronáutica Idalberto Martins de Araújo “pela posse de material sigiloso de operações policiais encontrado em sua residência”, segundo o relator. Para Chico Alencar, o indiciamento do sargento Araújo fere o princípio da anterioridade, expresso na Constituição Federal de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. “A simples manutenção de material sigiloso, embora questionável, ainda não constitui crime previsto em qualquer diploma legal”, afirmou o deputado. Pellegrino se compromete a reavaliar essa questão.
O deputado Chico Alencar elogiou a iniciativa de Pellegrino de propor anteprojeto de lei, de autoria da CPI, com o objetivo de regulamentar as interceptações telefônicas no país. Entre as medidas previstas, estão a obrigatoriedade de instalação de inquérito policial antes de qualquer interceptação; fixação de prazo de duração das escutas, de 30 a 180 dias; e pena de até cinco anos de reclusão para os responsáveis pela divulgação, em meios de comunicação, de escutas telefônicas que estão em segredo de justiça.
O relatório final da CPI deve ser votado na próxima semana.
Leia abaixo a íntegra do voto do PSOL.
O Voto do PSOL na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre escutas telefônicas clandestinas – CPIESCUT
Apresentamos alguns reparos ao alentado relatório redigido pelo Deputado Nelson Pellegrino com suas conclusões sobre os trabalhos realizados pela Comissão Parlamentar de Inquérito que tem por objeto investigar denúncias de escutas telefônicas clandestinas.
O Deputado Nelson Pellegrino faz uma breve apresentação sobre a situação encontrada pela CPI quando do início de seus trabalhos, narrando os abusos encontrados durante a execução dos trabalhos, tais como escutas telefônicas autorizadas por Magistrados de varas não criminais, em total desacordo com o disposto no Art. 1º da Lei 9.296/96; escutas realizadas pela Polícia Rodoviária Federal; escutas realizadas pela Polícia Militar em casos de crimes comuns, ou seja, não militares, dentre outros.
Também chamou a atenção do Relator o grande número de escutas realizadas com autorização judicial e a forma automática com que o prazo legal de 15 dias para realização das mesmas era renovado, contrariando o dispositivo legal que determina a análise prévia da indispensabilidade do meio de prova para a concessão da renovação.
No decorrer dos trabalhos, ficou clara a banalização desta medida de colhimento de provas, bem como os abusos cometidos por autoridades policiais e judiciárias.
Foi também constatada pela CPI a existência das chamadas “barrigas de aluguel”, situação onde telefones de pessoas que não eram “alvos” da investigação eram enxertadas nas solicitações ao juízo e por este deferidas, causando a quebra de sigilo de pessoas que não estavam envolvidas diretamente na investigação.
Destaque-se que, em determinada situação um Tribunal de Justiça estadual chegou a solicitar que a CPI entrasse em contato com as companhias telefônicas para ter acesso ao número de escutas em andamento naquele estado, tal o descontrole do Judiciário sobre o tema.
Com relação ao vazamento do conteúdo das escutas telefônicas, o relator credita a ocorrência de tal fato ao rigor existente na decretação do sigilo das informações, bem como à falta de interesse do Estado em descobrir a fonte do vazamento.
Como forma de minimizar tais ocorrências, o relator sugere a flexibilização do sigilo e autorização da divulgação de informações incriminadoras, sendo resguardados os dados de terceiros não investigados.
Foi criticada a postura de agentes policiais que mantiveram em suas residências dados sigilosos de interceptações telefônicas. A esse respeito o Relator chegou a afirmar como de “evidente ilegalidade” esta conduta, sugerindo que seja vedada.
Cabe ressaltar, no entanto, que não existe tipificação legal acerca desta conduta – tida como costumeira entre as autoridades policiais – em qualquer diploma legal em vigência.
Outra sugestão de alteração legislativa foi a inclusão do deferimento do pedido de interceptação telefônica como causa de impedimento para que o magistrado julgue a causa.
Tal alteração criaria situação única no ordenamento jurídico onde o mero deferimento da produção de uma prova tornaria o juiz suspeito, impedindo que o magistrado responsável pela instrução e acompanhamento de todo o processo profira sentença sobre ele, ferindo os princípios do juiz natural (Constituição Federal, Art 5º, inciso LIII – Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente) e da identidade física do juiz (Código de Processo Penal, Art. 399, § 2º – O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença).
Outra situação que poderia ser criada com a adoção desta medida é a análise do pedido de produção da prova ser realizada por magistrado estranho ao feito, que teria menos condições de aferir a importância da realização da escuta telefônica.
Em suas conclusões, o relator reafirma a situação de abuso na utilização de escutas telefônicas como meio de prova, dizendo haver uma “banalização das interceptações telefônicas”, tanto legais como ilegais.
Diante deste quadro, o relator faz diversas recomendações ao Ministério da Justiça, Polícia Federal, Anatel e Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, com as quais, em geral, concordamos.
Faz ainda encaminhamentos ao Ministério Público, Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público.
Dentre os encaminhamentos ao Ministério Público, merece destaque o item “c”, que cita fortes indícios de realização de escutas telefônicas ilegais por parte da empresa Kroll, contratada pelo Grupo Oportunity, controlado por Daniel Dantas.
Justamente por conta deste encaminhamento, chama a atenção o não indiciamento do banqueiro ou – como o próprio cidadão condenado por corrupção e indiciado por outros quatro crimes prefere – “investidor” Daniel Dantas.
O Relator afirma que não foram indiciadas as pessoas que já haviam sido anteriormente indiciadas pelo Ministério Público, situação em que se encontram o multi-empresário Daniel Dantas e o Delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz.
Acontece que, ao contrário do Delegado Protógenes Queiroz, Daniel Dantas não se encontra atualmente indiciado pelo Ministério Público por prática
de interceptação telefônica ilegal.
O Relator justifica a ausência deste indiciamento afirmando não haver elementos suficientes e conclusivos de autoria e materialidade do referido delito. No entanto, como já lembramos, no ítem “c” de seus encaminhamentos para o Ministério Público o próprio Relator afirma a existência de indícios de realização de escutas ilegais a mando do banqueiro Daniel Dantas, estando este incurso, portanto no Art. 10 da Lei 9.307/96 c/c Art 29 do Código Penal (participação na realização de interceptação de comunicações telefônicas).
Cabe aqui destacar que, na linha adotada pelo Relator, o não indiciamento do Delegado Federal Protógenes Pinheiro Queiroz é correto, uma vez que o mesmo já se encontra indiciado pelo crime previsto no Art. 10 da Lei de Escutas Telefônicas.
Causa também estranhamento a presença do Sargento da Aeronáutica Idalberto Martins de Araújo na relação de pessoas indiciadas pela CPI, “pela posse de material sigiloso de operações policiais encontrado em sua residência”.
Sem entrar no mérito das funções e atividades pretéritas do sr. Idalberto, que fogem ao alcance desta CPI, consideramos que seu indiciamento fere o princípio da anterioridade, expresso na Constituição Federal (Art. 5º, Inciso XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal) uma vez que a simples manutenção de material sigiloso, embora questionável, ainda não constitui crime previsto em qualquer diploma legal. O Código Penal é claro ao tipificar em seus Arts. 153 e 154 a divulgação de informações sigilosas e no Art. 325 a violação de sigilo funcional, não estando prevista como crime a simples posse de dados sigilosos.
Ao final do relatório é proposto anteprojeto de lei de autoria da CPI, regulamentando a parte final do inciso XII do Art. 5º da Constituição Federal. Excelente iniciativa, a ser aperfeiçoada no trâmite legislativo democrático – inclusive com audiências públicas – que ocorrerá.
Chico Alencar
Deputado Federal PSOL/RJ